Powered By Blogger

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Previdenciário

O sistema especial de inclusão dos trabalhadores de baixa renda na Previdência Social: Análise sob o enfoque dos princípios constitucionais relativos à Seguridade Social e à Previdência Social

José Francisco Furlan Rocha
Resumo: No presente estudo procuramos definir o sistema de inclusão previdenciária estabelecido pela Emenda Constitucional nº 47/05 e regulamentado pela Lei nº 12.470/11, bem como analisá-lo de acordo com os princípios constitucionais relativos à Seguridade Social e à Previdência Social.
Palavras-chave: Previdência Social. Inclusão previdenciária.
Sumário: 1. Introdução; 2. O modelo bismarkiano de proteção social: a base da Previdência Social; 3. O modeloBeveridgeano de proteção social: a Seguridade Social; 4. O modelo de proteção social adotado pela Constituição Federal de 1988; 5. Da previdência Social; 6. Do sistema de inclusão previdenciária dos trabalhadores de baixa renda; 7. Dos mecanismos já existentes de inclusão dos trabalhadores de baixa renda; 8. Das alterações legais derivadas da Emenda Constitucional nº 47/05; 9. Análise sistemática dos §§ 12 e 13 do artigo 201 da CF. Da (in)compatibilidade do sistema de inclusão previdenciária com os princípios constitucionais da Seguridade e da Previdência Social; 10. Dos princípios informadores da Seguridade Social; 11. Da universalidade da cobertura e do atendimento; 12. Da Seletividade e Distributividade na prestação dos benefícios e serviços; 13. Da equidade na forma de participação no custeio; 14. Da solidariedade; 15. Do princípio da contrapartida; 16. Do Caráter Contributivo da Previdência Social; 17. Da Preservação do Equilíbrio Financeiro e Atuarial da Previdência Social; 18. Do princípio da equidade no âmbito da Previdência Social; 20. Conclusão.
1. Introdução.
O programa de inclusão previdenciária estabelecido pelas Emendas Constitucionais nº 41/03 e 47/05 e disciplinado pela Lei nº 12.470/11 deu novos contornos ao Regime Geral de Previdência Social, propondo mecanismos de universalização e efetividade normativa desta área de atuação da Seguridade Social.
A Seguridade Social é a fase mais recente e avançada dentro do conceito de proteção social.  O sistema de Seguridade Social implantado pela Constituição Federal de 1988 tem como fundamento a solidariedade social e como objetivo a garantia de bem-estar e justiça sociais para toda a população.
O sistema de proteção social previsto na Constituição Federal, sob o título “Da Seguridade Social”, se encontra atualmente em um estágio de transformação, agregando elementos do modelo clássico de previdência social (modelo bismarckiano) bem como princípios e preceitos inerentes ao modelo beveridgeano de seguridade social. É neste contexto de transformações que se insere o sistema de inclusão previdenciária, objeto do presente estudo.
2. O modelo bismarkiano de proteção social. A base da Previdência Social.
O modelo bismarckiano de proteção social surge entre os anos de 1883 e 1889 na Prússia (atual Alemanha) e simboliza o nascimento da chamada Previdência Social, técnica de proteção que garante o direito a prestações reparadoras ao verificar-se um dado evento danoso, antes que este possa determinar o estado de indigência ou privação do segurado.
Segundo Castro e Lazzari,
“Previdência Social é o sistema pelo qual, mediante contribuição, as pessoas vinculadas a algum tipo de atividade laborativa e seus dependentes ficam resguardadas quanto a eventos de infortunística (morte, invalidez, idade avançada, doença, acidente de trabalho, desemprego involuntário), ou outros que a lei considera que exijam um amparo financeiro ao indivíduo (maternidade, prole, reclusão), mediante prestações pecuniárias (benefícios previdenciários) ou serviços”[1].
Almansa Pastor afirma que
“la prevision social constituye un conjunto de medidas o instrumentos protectores de necesidades sociales que el Estado pone a disposicion de, o impone a, los individuos para atender las necesidades sociales de éstos, con la finalidad de cumplir la funcion estatal de liberar a los individuos de las necesidades sociales”[2].
Conforme Fábio Z. Ibrahim, os projetos de Bismarck aprovados no parlamento foram a gênese da proteção garantida pelo Estado, funcionando este como arrecadador de contribuições exigidas compulsoriamente dos participantes do sistema securitário. Para o autor, os elementos que nos permite caracterizar o sistema de seguros sociais previdenciários são: a contributividade e a compulsoriedade de filiação[3].
Daniel Machado da Rocha, por outro lado, afirma que o princípio portador das diretrizes essenciais da chamada previdenciária social é o da solidariedade, o qual se constitui no seu eixo axiológico, podendo ser nominado de princípio estruturante destes sistemas de proteção social. Para o autor, este princípio revela-se apto a catalisar a articulação entre o Estado e a sociedade, “operando como verdadeira bússola condutora da nau da previdência social no revoltoso mar das necessidades sociais”[4].
Diferentemente das técnicas até então utilizadas, que tinham como característica comum a voluntariedade, a previdência social surge como um mecanismo de proteção obrigatório, com presença marcante do Estado, voltado à redução das necessidades sociais dos trabalhadores.
O modelo idealizado por Bismarck foi um dos mais difundidos pelo mundo e, em síntese, caracteriza-se pela: (i) adoção de técnica semelhante à do seguro privado, (ii) filiação obrigatória, (iii) financiamento com base em contribuições dos trabalhadores, empregadores e Estado; (iv) proteção contra os riscos profissionais; (v) segurados limitados aos trabalhadores; e (vi) prestações de caráter indenizatório, substitutivas do salário, caracterizadas como direito subjetivo público do segurado.
Este modelo constitui a base da chamada Previdência Social e, ainda hoje, norteia grande parte dos regimes previdenciários existentes, dentre eles o brasileiro.
3. O modelo Beveridgeano de proteção social. A Seguridade Social.
O modelo Beveridgeano nasce no ano de 1942 a partir do plano de Sir William H. Beveridge, em que se definiu os princípios de estruturação da Seguridade Social na Inglaterra, através de um sistema universal baseado na participação compulsória de toda a população.
Em síntese, este plano apresentou recomendações ao governo inglês com o fim de reformular os mecanismos de proteção da população, destacando-se: a) proteção de toda a população da totalidade dos riscos sociais (proteção do berço ao túmulo); b) prestações em valor uniforme, que corresponda ao suprimento das necessidades vitais; c) o financiamento da seguridade social através de contribuições no que tange às prestações em geral, e impostos, no que diz respeito aos abonos de família e ao tratamento de saúde; d) gestão confiada ao serviço público; e) complemento das medidas por meio de política do pleno emprego, política sanitária e de saúde, com atendimento gratuito a toda a população.
Mattia Persiani leciona que
“independentemente de quais foram as ocasiões de suas primeiras afirmações, a ideia da Seguridade Social exprime a exigência de que venha garantida a todos os cidadãos a libertação das situações de necessidade, na medida em que esta libertação é tida como condição indispensável para o efetivo gozo dos direitos civis e políticos”[5].
 “A eliminação das situações de necessidade, como qualquer outra, não pode ser concretizada por indivíduos que são seus titulares, mas deve ser garantida por toda a coletividade organizada no Estado, para a qual, portanto, essa libertação constitui fim a ser visado, recorrendo-se a uma solidariedade que é geral, na medida em que envolve todos os cidadãos”[6].
O conceito da Seguridade Social se desprende da exclusiva preocupação com a renda profissional e orienta-se por amplo conceito das necessidades humanas, apreciadas em virtude da evolução social. A ideia central deste modelo está no ideial de solidariedade social, no pacto entre gerações.
Wagner Balera afirma que o Sistema de Seguridade Social, do ponto de vista sistemático, “visa a implementação do ideal estágio de bem-estar e justiças sociais” [7]. No mesmo sentido, Miguel Horvath Jr. aponta que “a seguridade social como política social é método de economia coletiva. Sendo método de economia coletiva, a comunidade é chamada a fazer um pacto técnico-econômico em que a solidariedade social é o fiel da balança”[8].
Este modelo adota um regime de repartição, onde as contribuições sociais são direcionadas para um fundo único, do qual saem os recursos para a concessão de benefícios e prestação dos serviços. O funcionamento do sistema se operacionaliza através de pacto intergeracional, de forma que a classe trabalhadora e a sociedade de hoje garantem os recursos necessários para a concessão dos benefícios atualmente pagos, sistemática que tende a se estender indefinidamente no tempo.
 O modelo adotado por Beveridge priorizou três áreas de atuação, que juntas, seriam capazes de propiciar um mínimo de dignidade humana e bem-estar social, ao garantir uma renda mínima aos necessitados (assistência), mecanismos reparadores para a classe trabalhadora no caso de necessidades sociais (previdência), bem como saúde a toda a população (saúde).
As políticas de Seguridade Social não são uma simples ampliação do programa de seguros sociais proposto por Bismarck; constituem um serviço público de finalidade social. Estão presididas pela ideia de solidariedade e implicam na cobertura de contingências sociais em favor de toda a população. Estas políticas, segundo Daniel Pérez, se concretizam através da redistribuição da renda nacional, como uma das ações preponderantes do Estado[9].
Inicialmente apresentado na Inglaterra, através do Plano Beveridge, este modelo de proteção social buscou ampliar os beneficiários dos programas sociais, universalizando o atendimento através da ênfase ao caráter redistributivo da renda e dos benefícios, com o intuito primordial de redução da pobreza, universalização da saúde pública, proteção face ao desemprego e garantia do bem-estar e justiça social para toda a população, independentemente de contribuição ao sistema, além da proteção dos trabalhadores face às necessidades sociais.
4. O modelo de proteção social adotado pela Constituição Federal de 1988.
O sistema de Seguridade Social implementado pela Constituição Federal de 1988, apesar de uma nomenclatura semelhante à proposta pelo Plano Beveridge (Inglaterra, 1942), possui diferenças marcantes, agregando elementos ao modelo bismarckiano, até então preponderante, características do modelo beveridgeano de Seguridade Social.
O Sistema de proteção Social instituído pela Constituição de 1988 ampliou o horizonte de atuação do Estado visando a promoção do bem-estar e justiça sociais para toda a sociedade, através de um sistema de proteção nas áreas de saúde, assistência e previdência social, que juntos integram a chamada Seguridade Social.
Historicamente se elegeu os direitos sociais atinentes à saúde, assistência e previdência social como sendo os mais relevantes para a proteção da vida e dignidade da pessoa humana. A dignidade é a força motriz do sistema, apta a justificar seu existir e a impulsionar seus movimentos sincrônicos.
Analisada sob um ponto de vista sistemático, a dignidade, objetivo final da Seguridade Social, se entrelaça com outros preceitos e princípios constitucionais, atingindo uma perspectiva peculiar. O primeiro destes preceitos constitucionais que permeiam e amoldam a dignidade é o primado do trabalho.
 O trabalho constitui um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inciso IV da CF), sendo ainda considerado um direito social (artigo 6º da CF) e a base da ordem social (artigo 193 da CF), cujos objetivos são o bem-estar e a justiça sociais.
Nesta perspectiva, a busca da dignidade dentro da ordem social tem como objetivo essencial a conservação e implemento do trabalho. O trabalho corresponde a uma ferramenta de inclusão social, dignifica o homem, e é um dos pontos fundamentais para a implementação da segurança social e econômica da população.
Segundo Marisa Ferreira dos Santos,
“O primado do trabalho, princípio fundamentador da Ordem Social, prestigia o valor trabalho, que também é fundamento do Estado Democrático (art. 1º, IV, da CF). Impossível a existência de dignidade da pessoa humana onde o trabalho não for valorizado. O trabalho, entendido como toda e qualquer atividade lícita, é o tema central da questão social e, por isso, deve ter justa valorização e recompensa. É o referencial pelo qual as normas da Ordem Social devem ser interpretadas, com o fim de dar dignidade à pessoa humana”[10].
Analisando especificamente um dos subsistemas da Seguridade Social, a Previdência Social, Fábio Berbel aponta que:
“o direito previdenciário gira em torno do trabalho. Todos os fatos jurídicos previdenciários, indistintamente, mantêm relação, direta ou indireta, com o fenômeno do trabalho. Isso se dá porque o objeto de proteção previdenciária é a perda da capacidade laboral que, pela presunção normativa, leva o indivíduo à indigência e, por conseguinte, à indignidade humana”[11].
O trabalho, portanto, é um dos caminhos indicados pela Constituição para a realização do princípio norteador da Seguridade Social, a dignidade da pessoa humana. Ao lado do primado do trabalho, outros dois elementos que amoldam o conceito de dignidade humana: o bem-estar e justiça sociais.
Bem-estar e justiça sociais são conceitos ligados à erradicação da pobreza e da marginalização, redução das desigualdades sociais e regionais e promoção do bem de todos, objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º CF).
Associado ao princípio da dignidade, o princípio do bem-estar social tem por finalidade garantir um padrão mínimo de vida capaz de assegurar saúde, alimentação, vestuário, proteção em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice e outros casos de perda dos meios de subsistência[12].
O bem-estar social é a existência de um padrão mínimo material que garanta ao ser humano um desenvolvimento digno. Como fim da seguridade social, o bem-estar social pressupõe a proteção à saúde, resgate das situações de miséria e marginalização, e garantias de proteção em face da perda ou redução dos ganhos provenientes do trabalho.
O princípio da justiça social, por outra vertente, busca reduzir as desigualdades sociais e fomentar a solidariedade social. Este princípio injeta no sistema de seguridade social a necessidade de promoção e proteção social observando-se as reais necessidades de cada pessoa objeto de proteção, bem como o equacionamento do sistema de proteção de forma a direcionar os seus recursos, preponderantemente, aos mais necessitados.
Nesta perspectiva, a Seguridade Social, compreendida como conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, tem na dignidade da pessoa humana seu princípio norteador, orientando a atuação do sistema em todas as suas áreas, dentre elas a Previdência Social, objeto de estudo no tópico seguinte.
5. Da previdência Social.
A Previdência Social, enquanto subsistema da Seguridade Social brasileira, possui contornos bem definidos a fim de, em conjunto com os demais subsistemas (assistência social e saúde), concretizar o ideal constitucional de proteção social universal.
A Previdência Social é o ramo de atuação estatal que visa a proteção de todo indivíduo ocupado numa atividade laborativa remunerada e de seus dependentes em face de necessidades sociais advindas, em sua maioria, da perda ou redução, permanente ou temporária, das condições para obter o próprio sustento.
Não obstante integre a Seguridade Social e a auxilie na consecução de seus fins, a Previdência Social, com ela, não se confunde. Esta, a Seguridade Social, tem por fundamento a universalidade de cobertura e atendimento, outorgando um mínimo de proteção social a toda a população indistintamente.
A Previdência Social, especialmente através do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo, dentro do seu escopo constitucionalmente desenhado, tem limitada, no âmbito objetivo e subjetivo, a sua atuação.
Heloísa H. Derzi aponta que
“Justamente para construir e ordenar o sistema de proteção social, o constituinte de 1988 optou por implantar o abrangente Sistema de Seguridade Social, no qual a Previdência Social é um subsistema destinado a cumprir o relevante papel de segurança econômica daqueles que exercem atividade laboral, dela retiram o seu sustento e, nas eventuais situações de impedimento de seu exercício, podem lançar mão de um mecanismo idealizado para abrandar os estados de necessidade possivelmente gerados pela inatividade”[13].
Seu caráter contributivo e a limitação no âmbito subjetivo de proteção na esfera previdenciária (destinada aos trabalhadores[14] e seus dependentes), no entanto, não incorre em contradição perante a Seguridade Social. A universalidade de cobertura e atendimento (princípio constitucional da Seguridade Social previsto no artigo 194, inciso I da CF) se dirige ao Sistema de Seguridade Social como um todo; a Previdência Social corresponde a uma de suas esferas de atuação, e junta com as ações nas áreas de saúde e assistência social, possibilita que o sistema atinja um amplo universo de proteção social.
Atualmente, a Previdência Social tem seus objetivos bem definidos dentro do Sistema de Seguridade Social, cabendo a ela a substituição da renda do trabalhador quando este se encontra em uma das situações previstas no artigo 201 da Constituição e outras eventualmente eleitas pelo legislador ordinário como dignas de amparo.
É dentro deste contexto que se insere o sistema especial de inclusão previdenciária para os trabalhadores de baixa renda.
6. Do sistema de inclusão previdenciária dos trabalhadores de baixa renda.
Originariamente estabelecido pela Emenda Constitucional nº 41 de 19/12/2003[15], o sistema de inclusão previdenciária abriu a possibilidade de o legislador estabelecer um regime especial de proteção do trabalhador de baixa renda, garantindo-lhe acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo.
Em 05 de julho de 2005 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 47 que, dentre seus dispositivos, deu nova redação ao § 12 do artigo 201 da CF:
“§ 12. Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo.”
Referida emenda identificou como beneficiários deste novo sistema de inclusão previdenciária os trabalhadores de baixa renda e as “donas de casa” pertencentes a famílias de baixa renda, esta última qualificada como segurada facultativa do Regime Geral de Previdência Social.
 Além da ampliação do âmbito subjetivo de abrangência deste regime diferenciado, o constituinte derivado estabeleceu o mecanismo pelo qual se daria esta inclusão destes segurados, dispondo no § 13 do artigo 201 que:
“§ 13. O sistema especial de inclusão previdenciária de que trata o § 12 deste artigo terá alíquotas e carências inferiores às vigentes para os demais segurados do regime geral de previdência social.”
Desta forma, sanando a omissão existente na Emenda Constitucional nº41/03, o poder constituinte derivado expressamente estabeleceu os mecanismos a serem utilizados para fins de implementação desta política de inclusão social: redução de alíquotas das contribuições devidas, redução da carência para a concessão de benefícios e garantia de renda no valor de um salário mínimo. A implementação deste sistema, no entanto, ficou a cargo do legislador infraconstitucional, conforme veremos abaixo.
7. Dos mecanismos já existentes de inclusão dos trabalhadores de baixa renda.
Não obstante o avanço social introduzido no ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional nº47/2005, destaca-se que não se trata de um mecanismo inédito em nosso ordenamento jurídico no que diz respeito à inclusão de segurados considerados de baixa renda.
A legislação previdenciária desde a Constituição Federal de 1988 apresenta dispositivos direcionados à inclusão destes trabalhadores, muito embora não utilize esta nomenclatura.
Como exemplo, podemos citar o tratamento dado aos denominados segurados especiais[16], cuja contribuição atinge 2,1% do valor bruto da comercialização de sua produção (artigo 25 da Lei nº 8.212/91).
Para esta categoria, a concessão de benefícios no âmbito da Previdência Social não está condicionada à comprovação da efetiva contribuição, mas tão somente à demonstração do efetivo exercício de atividade rural em número de meses idêntico à carência necessária para a obtenção do benefício (conforme dispõe os artigos 39, inciso I e 143 da Lei nº 8.213/91).
Encontramos também tratamento especial aos segurados de baixa renda no artigo 20 da Lei nº 8.212/91, que estabelece alíquotas diferenciadas para os segurados empregados, empregados domésticos e trabalhadores avulsos, de acordo com a renda mensal auferida, variando de 8% a 11%.
Fora destas hipóteses, no entanto, a legislação não previa outros mecanismos concretos destinados à inclusão de trabalhadores de menor poder aquisitivo, especialmente aqueles que se enquadram na categoria de segurados contribuintes individuais, bem como aos segurados facultativos, cuja alíquota até então vigente, inviabilizava o acesso de inúmeros trabalhadores ao Regime Previdenciário.
Para estas duas categorias, independentemente do valor do salário de contribuição, a alíquota, via de regra, era de 20% (artigo 21 da Lei nº 8.212/91) sobre o salário de contribuição.
A contar da Emenda Constitucional nº 47/05, abriu-se a possibilidade do legislador ordinário identificar, dentro da categoria dos segurados contribuintes individuais e dos segurados facultativos, as situações que se enquadram no conceito de baixa renda e ofertar a estas categorias regimes diferenciados de contribuição e de concessão de benefícios.
8. Das alterações legais derivadas da Emenda Constitucional nº 47/05.
Com arrimo nas alterações introduzidas no artigo 201 §§ 12 e 13 da CF, o legislador infraconstitucional implementou através da Lei Complementar nº 123/06 alterações na Lei nº 8.212/91 estabelecendo os primeiros mecanismos de inclusão previdenciária direcionados aos contribuintes individuais e segurados facultativos:
“Art. 21. § 2º. É de 11% (onze por cento) sobre o valor correspondente ao limite mínimo mensal do salário de contribuição a alíquota de contribuição do segurado contribuinte individual que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparado, e do segurado facultativo que optarem pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. 
§ 3o  O segurado que tenha contribuído na forma do § 2o deste artigo e pretenda contar o tempo de contribuição correspondente para fins de obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição ou da contagem recíproca do tempo de contribuição a que se refere o art. 94 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, deverá complementar a contribuição mensal mediante o recolhimento de mais 9% (nove por cento), acrescido dos juros moratórios de que trata o disposto no art. 34 desta Lei.” (NR)
 A contar da entrada em vigor de citada Lei Complementar (14/12/2006), ao segurado contribuinte individual que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa, e ao segurado facultativo que opte pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, facultou-se a redução da alíquota da contribuição social devida de 20% para 11% incidente sobre o salário mínimo.
Para as contribuições cuja base de cálculo (salário de contribuição) fosse superior ao salário mínimo ficou vedada a adoção da nova alíquota.
A Medida Provisória nº 529 de 07/04/2011 estendeu este mecanismo de inclusão previdenciária aos microempreendedores individuais[17], reduzindo a contribuição devida por estes segurados para o patamar de 5% incidente sobre o salário mínimo. Neste sentido dispõe citada MP:
“Art. 1o  Os §§ 2o e 3o do art. 21 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, passam a vigorar com a seguinte redação:
§ 2o  No caso de opção pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a alíquota de contribuição, incidente sobre o limite mínimo mensal do salário de contribuição, será de:
I - onze por cento, no caso do segurado contribuinte individual, ressalvado o disposto no inciso II, que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparado e do segurado facultativo; e
II - cinco por cento, no caso do microempreendedor individual, de que trata o art. 18-A da Lei Complementar no123, de 14 de dezembro de 2006. (...)
Art. 2o  Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir do dia 1ode maio de 2011.”
Referida Medida Provisória foi convertida na Lei nº 12.470/2011 que, por sua vez, ampliou o rol de segurados sujeitos à contribuição com base na alíquota de 5%, incluindo, além do microempreendedor individual, o segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a núcleo familiar de baixa renda[18]. Neste sentido dispõe a lei nº 12.470/2011:
“Os arts. 21 e 24 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, passam a vigorar com as seguintes alterações: 
Art. 21. § 2o  No caso de opção pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a alíquota de contribuição incidente sobre o limite mínimo mensal do salário de contribuição será de: 
I - 11% (onze por cento), no caso do segurado contribuinte individual, ressalvado o disposto no inciso II, que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparado e do segurado facultativo, observado o disposto na alínea b do inciso II deste parágrafo;
II - 5% (cinco por cento): 
a) no caso do microempreendedor individual, de que trata o art. 18-A da Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006; e 
b) do segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda.  (...)
§ 4o  Considera-se de baixa renda, para os fins do disposto na alínea b do inciso II do § 2o deste artigo, a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico cuja renda mensal seja de até 2 (dois) salários mínimos.” (NR) 
Desta forma, a partir da publicação da Lei nº 12.470/11 (31/08/2011) restou implementado, ainda que parcialmente, o sistema de inclusão previdenciária, possibilitando a redução da alíquota da contribuição social devida pelos microempreendedores individuais e às pessoas que se dediquem ao trabalho doméstico em sua própria residência, desde que se enquadre no conceito de família de baixa renda.
Este sistema surge como um verdadeiro mecanismo de inclusão previdenciária, buscando efetivar a universalidade de cobertura dentro do universo de possíveis segurados do Regime Geral de Previdência Social.
 Não se vislumbra, no entanto, uma completa regulação legal dos preceitos constitucionais, na medida em que não se implementou alterações no sistema previdenciário no que tange à redução da carência para a concessão de benefício a esta parcela de segurados, matéria que atualmente se encontra em discussão no congresso nacional[19].
9. Análise sistemática dos §§ 12 e 13 do artigo 201 da CF. Da (in)compatibilidade do sistema de inclusão previdenciária com os princípios constitucionais da Seguridade e da Previdência Social.
Não resta dúvida que as alterações formuladas pelo legislador infraconstitucional na Lei nº 8.212/91 com vistas à inclusão dos segurados de baixa renda encontra respaldo nos §§ 12 e 13 do artigo 201 da CF.
No entanto, não se pode negar que a correta interpretação da validade e constitucionalidade de determinada norma se condiciona a uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico e, no caso em tela, do sistema de Seguridade Social e de seu subsistema, a Previdência Social.
10. Dos princípios informadores da Seguridade Social e da Previdência Social.
O parágrafo único do artigo 194 da CF aponta os princípios fundamentais do sistema de Seguridade Social Brasileiro:
“I- universalidade da cobertura e do atendimento;
II- uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
III- seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV- irredutibilidade do valor dos benefícios;
V- eqüidade na forma de participação no custeio;
VI- diversidade da base de financiamento;
VII- caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.”
Como princípio implícito, a solidariedade social complementa este quadro, pois inspira a organização de um sistema oficial de proteção aos necessitados, conforme preceitua o artigo 3º da Constituição, representando a solidariedade entre os membros da sociedade[20].
Soma-se a estes o princípio da contrapartida, constitucionalmente previsto no artigo 195 §5º e que estabelece a impossibilidade de criação, majoração ou ampliação de benefícios ou serviços no âmbito da seguridade social sem a correspondente fonte de custeio prévia.
E, especificamente no âmbito da Previdência Social, interessa-nos a análise do caráter contributivo e a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema (artigo 201 da CF).
Nos tópicos seguintes analisaremos os princípios mais relevantes e que diretamente se relacionam com o sistema de inclusão previdenciária instituído pela Lei nº 12.470/11.
11. Da universalidade da cobertura e do atendimento
A universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social é, sem dúvida, ao lado do princípio da solidariedade, o mais importante princípio do sistema de proteção social. Essencialmente, o princípio determina ao poder público o dever de amparar a todas as pessoas que se encontrem em estado de necessidade e, por outro lado, garante às pessoas o direito de serem protegidos pelo Sistema de Seguridade Social.
Trata-se de um princípio movido pela ideia de inclusão, tendo por desiderato tornar acessível a Seguridade Social à todos, buscando a efetiva proteção da população diante das contingências que lhe retirem a capacidade para o trabalho ou, simplesmente, diante de uma situação de necessidade social.
Por superar a concepção estrita de um seguro, que somente beneficia aos que a ele adere mediante contribuições adrede pactuadas, a seguridade social tem como pedra angular a universalidade. “Trata-se de um esquema protetivo amplo, moldado a partir da constatação, até certo ponto óbvia, de que sem a superação da miséria e das desigualdades não há bem-estar nem justiça social”[21].
Através da conjugação de ações e esforços nas áreas de saúde, assistência e previdência, o Estado tem o dever de atender toda a população, garantindo uma tutela de base, um padrão mínimo de vida capaz de garantir a dignidade da pessoa humana, sendo esta a essência do princípio da universalidade.
O princípio pode ser analisado sob duas perspectivas. A objetiva traduz a previsão de universalidade de cobertura dos riscos e contingências sociais, devendo as prestações abranger o maior número possível de situações geradoras de necessidades sociais, dentro da realidade econômica e financeira  do Estado.
O aspecto subjetivo traduz-se na possibilidade de todos os integrantes da sociedade brasileira ter acesso às prestações de seguridade social, o que se traduz na universalidade de atendimento, inclusive no subsistema previdenciário, observado os requisitos legais.
Assim, como integrante do Sistema de Seguridade Social, a Previdência Social também deve objetivar este princípio observando-se, evidentemente, suas peculiaridades, dentre as quais o caráter contributivo, a filiação obrigatória e a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial.
Especificamente no que tange ao regime de inclusão previdenciária estabelecido pela Emenda Constitucional nº47/2005, observa-se a total compatibilidade das alterações constitucionais com a universalidade de cobertura proposta pelo poder constituinte originário.
Através das alterações introduzidas no ordenamento jurídico pela Lei complementar nº 123/06 e pela lei nº 12.470/11, deu-se efetividade normativa a regras já existentes no que se refere à obrigatoriedade de filiação dos contribuintes individuais, bem como se ampliou o universo de atendimento para os chamados segurados facultativos previstos no artigo 14 da Lei nº 8.212/91.
12. Da Seletividade e Distributividade na prestação dos benefícios e serviços
O princípio da seletividade direciona-se ao legislador infraconstitucional e impõe ao mesmo que defina os benefícios e serviços mais aptos a concretizar o ideal de proteção social dentro das possibilidades existentes. A seletividade aponta quais são as contingências e necessidades objeto da relação jurídica de seguridade social.
Segundo Marisa Ferreira dos Santos,
“a universalidade e a seletividade não se excluem, complementam-se, de acordo com a justiça distributiva. A seletividade e a distributividade são redutores da universalidade, por expressa autorização constitucional. Selecionando e distribuindo prestações de seguridade, o legislador proporciona um mínimo de bem-estar aos mais necessitados de proteção social, reduzindo a desigualdade que os atinge dentro do grupo social”[22].
O princípio da distributividade, também direcionado ao legislador, possibilita a identificação das prestações mais adequadas a amparar de forma eficiente um maior contingente populacional. A distributividade fixa o grau de proteção a que terão direito os beneficiários das prestações previamente selecionadas.
A seletividade e a distributividade são instrumentos que, no campo da seguridade social, viabilizam a consecução dos objetivos da ordem social insculpidos no artigo 193 da Constituição Federal.
Wagner Balera leciona que,
“Instituindo um elenco de prestações que, consideradas em seu conjunto, proporcionam aos beneficiários a justa situação social que lhes assegura o Estado Supremo, o legislador – animado por critérios de política social que escapam ao conhecimento do jurista – esgota o momento da seletividade. É, em suma, o próprio direito positivo quem terá cumprido o objetivo da seletividade. (...) A distributividade consiste na identificação daqueles bens que, mais do que por um direito próprio do indivíduo, são devidos por serem comuns”[23].
Estes princípios buscam imprimir racionalidade à distribuição da proteção social, cabendo ao legislador definir critérios com maior potencialidade de efetividade social, dentro dos limites financeiros e atuariais do sistema.
Segundo Marisa Ferreira dos Santos
“As políticas sociais, nessa parte, devem estar voltadas para a realização dos objetivos da Ordem Social: proporcionar bem-estar e justiça sociais. Devem promover a redução das desigualdades sociais e regionais, o que só pode ocorrer se a proteção social for racionalmente selecionada e distribuída entre os que dela necessitem”[24].
Neste contexto, o sistema de inclusão previdenciária, mais do que compatível com os princípios da seletividade e da distributividade, tem neles seu fundamento de validade. Ao legislador compete verificar os atores sociais que mais necessitam do amparo da Seguridade Social e propiciar, dentro das possibilidades legais e orçamentárias, a melhor proteção social possível.
A identificação desta parcela de segurados de baixa renda, até então excluída da proteção previdenciária ante a falta de capacidade contributiva, revela-se o mais puro exemplo da utilização dos princípios da seletividade e distributividade pelo legislador infraconstitucional.
13. Da equidade na forma de participação no custeio.
Dentro do estudo sistemático do novo regime de inclusão previdenciária estabelecido pela Lei nº 12.470/11, assume especial relevo o princípio na equidade na forma de participação no custeio da Seguridade Social.
Sobre o princípio, José A. Savaris escreve que
“esta equidade, bem de ver-se, mais do que igualdade e, para além de apenas reafirmar o princípio fiscal da capacidade contributiva, carrega a idéia de que no domínio do financiamento da Seguridade social, o conteúdo da obrigação de recolhimento das contribuições leva em consideração a capacidade de prestar solidariedade (superioridade ou inferioridade econômica) e, também, a probabilidade de a atividade produzida gerar riscos de subsistência”[25].
Este princípio norteia a instituição das contribuições sociais, relacionando-as à capacidade de determinada categoria ou contribuinte prestar solidariedade, bem como ao risco social referente a cada contribuinte. Nesta perspectiva, este princípio é considerado um reflexo da isonomia tributária no Sistema de Seguridade Social.
Quanto ao princípio da isonomia Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que
“A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes”[26].
Por meio deste princípio, o que a ordem jurídica pretende firmar é a impossibilidade de desequiparações fortuitas ou injustificadas. Visa propiciar garantia individual e tolher favoritismos[27].
Alexandre de Moraes faz considerações importantes quanto ao tema:
“A Constituição Federal de 1988 adotou o Princípio da Igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito”[28].
No Sistema de Seguridade Social a equidade impõe, além da consideração da capacidade contributiva do contribuinte, considerações acerca do risco social provocado pelo sujeito passivo[29].
Segundo Wagner Balera,
“o legislador deverá, sempre e necessariamente, em nosso entender, encontrar técnicas de tributação que não apenas revelem as riquezas existentes, mas, além disso, identifiquem nelas parcelas que, excedendo o necessário, devem ser repartidas com a comunidade na qual se insere o contribuinte”[30].
Não restam dúvidas, portanto, que as regras previstas no §12 e §13, primeira parte, do artigo 201 da CF, regulamentadas pela Lei nº 12.470/11, identificam-se plenamente com o princípio da equidade na forma de participação no custeio do sistema, na medida em que desonera os trabalhadores de acordo com os seus rendimentos ou situação econômica familiar.
14. Da solidariedade.
A solidariedade, princípio informador da Seguridade Social como um todo, se expressa preponderantemente no campo do custeio através do seu financiamento por toda a sociedade, conforme preceitua o artigo 195 da Constituição Federal.
Nas palavras de Leandro Paulsen,
“podem as pessoas físicas e jurídicas ser chamadas ao custeio em razão da relevância social da seguridade, independentemente de terem ou não relação direta com os segurados ou de serem ou não destinatárias de benefícios. A Seguridade social, pois, tal como organizada no Brasil, é inspirada no princípio da solidariedade”[31].
O princípio da solidariedade caracteriza-se pela cotização coletiva em prol daqueles que, participando do sistema, se encontram em necessidade social, justificando um sistema de desoneração dos segurados de baixa renda, que possuem uma reduzida capacidade contributiva.
15. Do princípio da contrapartida.
O princípio da contrapartida, constitucionalmente previsto no artigo 195 §5º, estabelece a impossibilidade de criação, majoração ou ampliação de benefícios ou serviços no âmbito da seguridade social sem a correspondente fonte de custeio prévia. Trata-se de princípio direcionado ao legislador infraconstitucional e demanda, quando da criação, majoração ou ampliação de qualquer benefício ou serviço, a identificação da correspondente fonte de custeio, sob pena de desequilíbrio financeiro do sistema de seguridade social (e evidente inconstitucionalidade da norma instituidora ou ampliadora da benesse).
Especificamente no que tange à lei 12.470/2011, duas questões devem ser levantadas. A primeira diz respeito à subsunção do sistema de inclusão previdenciária ao disposto no artigo 195 § 5º da CF. A segunda se refere à existência de previsão legal quanto às fontes de custeio deste novo sistema.
A dificuldade na elaboração de uma resposta no que diz respeito ao cumprimento do princípio da contrapartida se deve ao fato de não se visualizar na lei nº 12.470/11, de plano, uma das situações estabelecidas no artigo 195 §5º da CF. Com efeito, a redução de alíquota da contribuição social não corresponde, ao menos diretamente, à criação, majoração ou extensão de benefício ou serviço.
Trata-se, como exposto, de uma redução constitucionalmente prevista da contribuição devida por específica classe de segurados. Por outro lado, não há dúvida de que se trata de uma hipótese legal de renúncia fiscal por parte do Estado, na medida em que se desonera parcela dos segurados do sistema previdenciário.
Deste ponto de visto, no nosso entendimento, a redução de alíquotas para os segurados de baixa renda deve observar o disposto no artigo 195 §5º da CF, na medida em que gera uma redução de receitas e conseqüente desequilíbrio financeiro, o que demanda a indicação, pelo legislador, de fonte de custeio prévia apta a equilibrar o sistema.
Quanto ao tema, a mensagem nº 93 da Presidência da República, relativa à Medida Provisória nº 529, de 7 de abril de 2011 (que reduziu a alíquota da contribuição social do microempreendedor individual para 5%) afirma que
“com relação ao art. 14 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), cabe informar que a renúncia de receita decorrente do disposto nesta Medida Provisória será de R$ 276 milhões para o ano de 2011 e R$ 414 milhões nos anos de 2012 e 2013. A renúncia será compensada com o aumento de arrecadação de R$ 140 milhões decorrente da edição dos Decretos nº 7.455, de 25 de março de 2011, e nº 7.456, de 25 de março de 2011, remanescente da compensação efetuada com a estimativa de renúncia da Medida Provisória nº 528, de 25 de março de 2011. Já os R$ 136 milhões restantes serão advindos da edição do Decreto nº 7.457, de 6 de abril de 2011.”
Portanto, não resta dúvida quanto a necessidade de observância do princípio da contrapartida nas hipóteses de renúncia fiscal através de redução de alíquotas, na medida em que se visualiza um desequilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, o que, inclusive, foi observado quando da edição da Medida Provisória nº 529/11.
No entanto, quando da conversão de citada Medida Provisória em lei, acolheu-se a Emenda nº 2, de autoria das Senadoras Gleisi Hoffmann, Ângela Portela, Ana Rita, Luci Choinacki e Benedita da Silva, com a conseqüente extensão da alíquota de 5% também para as donas de casa de baixa renda. Quando da apreciação de referida emenda, o relator assim dispôs:
“A emenda nº 2 é oportuna e meritória, pois visa suprir lacuna de regulamentação de dispositivo constitucional. Quanto à adequação orçamentária e financeira, entendemos que não haverá redução na receita previdenciária, pois, se de um lado, alguns segurados facultativos passarão a recolher sobre valor inferior, de outro, haverá milhares de novos segurados que não tinham condições de contribuir e, agora, com a alíquota reduzida, terão condições de contribuir para o sistema previdenciário.”
Não obstante no entendimento exposto no relatório final que precedeu a conversão da Medida Provisória nº 529/11 na Lei nº 12.470/11, evidente que a redução das alíquotas para os segurados facultativos de baixa renda arrolados no §12 do artigo 201 da CF constitui uma renúncia à contribuição social e gera um desequilíbrio no sistema, na medida em que se reduz o montante dos ingressos e se amplia o número de futuros beneficiários.
Evidencia-se, portanto, uma afronta ao princípio da contrapartida, na medida em que se amplia o rol de segurados (e futuros beneficiários) e, por outro lado, se reduz o valor da contribuição.
Reflexamente, a redução da contribuição implica em um desequilíbrio do sistema previdenciário nacional, matéria que analisaremos a seguir, relativa aos princípios específicos da Previdência Social.
17. Do Caráter Contributivo da Previdência Social.
A contributividade na Previdência Social impõe que os próprios beneficiários e demais atores sociais envolvidos na relação de trabalho sejam chamados a financiar este sistema de proteção social de forma preponderante. Trata-se de uma característica exclusiva da Previdência Social, não sendo aplicada às áreas da Saúde e Assistência Social.
Segundo Paul Durand,
“o pagamento de uma contribuição especial, distinta dos impostos gerais, produz nos beneficiários um claro sentido de que estão participando nos gastos de cobertura dos riscos sociais. A contributividade impede a crença de que as prestações são benefícios gratuitos concedidos pelo Estado, sendo este aspecto psicológico um elemento que não pode ser minimizado”[32].
Assim, o caráter contributivo colabora para o envolvimento direto de toda a sociedade na proteção social e enfatiza o direito à Previdência Social como um direito público subjetivo.
O contributividade não impõe um caráter bilateral, sinalagmático, à previdência social. Esta característica do sistema previdenciário apenas coloca o trabalhador como um dos alicerces do sistema de financiamento da Previdência Social e condiciona a concessão de alguns benefícios à comprovação de um determinado número de contribuições, como forma de manutenção do sistema pelos próprios beneficiários.
Este princípio não impõe ao segurado a obrigatoriedade de arcar com todo o custo da manutenção futura de seu benefício (o que se relaciona com a noção de capitalização). Impõe, tão somente, que o segurado seja também chamado a contribuir para o Regime previdenciário de proteção.
Nesta medida, considerando o universo de atores sociais que são chamados a financiar a seguridade social (artigo 195 da CF), não se afigura uma afronta ao caráter contributivo a redução da alíquota para os microempreendedores individuais e donas de casa de baixa renda.
18. Da Preservação do Equilíbrio Financeiro e Atuarial da Previdência Social.
A introdução do preceito da necessidade de equilíbrio financeiro e atuarial no artigo 201 da CF por meio de Emenda Constitucional nº 20/98 teve como propósito direto estabelecer uma meta de equilíbrio entre as receitas e despesas do sistema previdenciário.
Este preceito vai além do princípio da contrapartida, estabelecido no artigo 195 §5º da CF, tendo em vista que busca equacionar as receitas e despesas do sistema em uma perspectiva dinâmica, ou seja, ao longo do tempo, ao contrário do princípio da contrapartida, focado preponderantemente no momento da criação ou majoração de benefício ou serviço.
O equilíbrio financeiro e atuarial visa essencialmente manter, ao longo do tempo, o equilíbrio entre os valores arrecadados pelo sistema e as respectivas despesas.
Este preceito, no nosso entendimento, é intrínseco aos modelos de proteção social que adotam um regime de repartição, baseado no pacto intergeracional. Isto porque, nestes modelos, o pagamento de benefícios atuais é financiado pelas contribuições vertidas pelos trabalhadores e demais segurados em atividade. O contínuo desequilíbrio tem como consequência inevitável a ruptura do modelo ou sua incapacidade de arcar com as despesas de pagamento dos benefícios.
Desta forma, o preceito insculpido no artigo 201 da Constituição Federal veio tão somente reafirmar a necessidade de manutenção do equilíbrio entre receitas e despesas no âmbito da Previdência Social e, somado ao princípio contido no artigo 195 § 5º da CF, procura preservar o sistema protetivo para as futuras gerações.
Neste ponto reside um dos principais problemas do novo sistema de inclusão previdenciária estabelecido pela Lei nº 12.470/11. Isto porque, como exposto, há por parte do Estado uma renúncia à arrecadação, reduzindo-se a alíquota das contribuições sociais devidas pelo microempreendedor individual e da contribuição facultada às donas de casa de baixa renda.
Não resta dúvida que este mecanismo, num primeiro momento, amplia o número de segurados e, consequentemente, das receitas previdenciárias. No entanto, num médio e longo prazo, este grupo de contribuintes tende naturalmente a se tornar beneficiário do regime, ampliando as despesas sem um correspondente e adequado aporte financeiro ao sistema.
Além disso, este necessário equilíbrio deve existir especificamente dentro do orçamento da seguridade social, indicando-se novas fontes de receitas aptas a cobrirem a renúncia fiscal derivada da Lei nº 12.470/11, o que não se visualiza na análise de referida lei ou da medida provisória precedente[33].
No entanto, em razão da atual organização orçamentária, da inexistência de um orçamento específico da Previdência Social, da existência da chamada desvinculação de Receitas de União, entre outros fatores, o que se observa é a impossibilidade de verificação e controle do equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social. Este fato leva a um crescente discurso de déficit previdenciário e sistemática criação de mecanismos redutores dos benefícios previdenciários com valor superior ao salário mínimo, tendo como fundamento, justamente, a falta de recurso para a manutenção de um sistema protetivo integral que dê segurança econômica a todos os segurados, segundo seu histórico contributivo.
Ainda mais polêmica, a redução da carência para a concessão de benefício aos segurados microempreendedores individuais e às donas de casa de baixa renda (medida ainda não implantada pelo legislador infraconstitucional). Isto porque, esta medida inegavelmente ampliará as possibilidades de concessão de benefícios no âmbito do Regime Geral de Previdência Social e, consequentemente, terá como reflexo a majoração das despesas do regime, devendo, portanto, ser respaldada por mecanismos compensatórios (artigo 195 §5º da CF). Quanto à redução da carência no sistema de inclusão previdenciária, trataremos melhor do tema no item seguinte.
19. Do princípio da equidade no âmbito da Previdência Social.
Por fim, encerrando a análise constitucional do sistema de inclusão previdenciária introduzido pela Lei nº 12.470/11, chegamos ao artigo 201, §1º da Constituição Federal que dispõe:
“§ 1º. É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar[34].”
A análise deste dispositivo é de suma importância, pois nos leva a uma aparente afronta com a parte final do §13 do artigo 201 da CF que dispõe sobre a redução da carência no sistema de inclusão previdenciária:
“§ 13. O sistema especial de inclusão previdenciária de que trata o § 12 deste artigo terá alíquotas e carências inferiores às vigentes para os demais segurados do regime geral de previdência social.”
Conforme exposto anteriormente, a redução da alíquota da contribuição social devida pelos segurados de baixa renda se justifica com base em inúmeros princípios constitucionais, dentre os quais se destacam a equidade na forma de participação no custeio, solidariedade social, a capacidade contributiva, a universalidade de atendimento, a seletividade e a distributividade.
O mesmo não se pode dizer quanto à redução da carência para a concessão de benefícios a estes segurados[35].
Isto porque, em primeiro lugar, há expressa vedação no §1º do artigo 201 da CF quanto a adoção de critérios diferenciados para a concessão de aposentadorias dentro do RGPS (ressalvado as hipóteses de condições especiais de trabalho e segurados portadores de deficiência).
Ademais, a redução da carência para a concessão de benefícios aos segurados de baixa renda representa afronta ao princípio da isonomia, na medida em que facilita o acesso a benefícios apenas para parte dos segurados do Regime, mantendo-se os atuais critérios de concessão para os demais, independentemente da renda auferida.
Do ponto de vista lógico, o fato do segurado se enquadrar na condição de microempreendedor individual ou segurado facultativo pertencente a família de baixa renda, sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência não justifica a redução da carência para a concessão de benefícios. Isto porque, ao contrário do que ocorre quanto se fala em redução de alíquota contributiva, não existe uma correlação lógica, direta e necessária entre ser o segurado uma pessoa de baixa renda ou um microempreendedor individual e a necessidade de redução dos requisitos para a concessão de benefícios.
A baixa renda do segurado, do ponto de vista lógico, evidentemente, justifica apenas a redução da alíquota contributiva, estando este mecanismo amparado pelos princípios da equidade na forma de participação do custeio, observância de sua capacidade contributiva e da solidariedade social.
A instituição de um sistema que englobe redução de alíquota somada à redução de carência inegavelmente cria uma classe diferenciada de segurados que não se justifica quando analisada com base no princípio constitucional da isonomia e no próprio caráter contributivo da Previdência Social.
Soma-se a estes argumentos o fato de que a redução da carência para a concessão de benefícios aos segurados de baixa renda, sem sombra de dúvidas, corresponde à criação de um novo benefício, com um incremento de despesas por parte do Regime Geral de Previdência Social, o que demanda observância do disposto no artigo 195 §5º da CF (acima analisado) e do equilíbrio financeiro e atuarial do RGPS (artigo 201 da CF).
Portanto, no nosso entendimento, a redução da carência prevista no sistema de inclusão previdenciária não se compatibiliza com os princípios constitucionais da Seguridade Social e da Previdência Social.
20. Conclusão.
 Conforme demonstrado, a política de inclusão dos segurados de baixa renda visa, essencialmente, dar efetividade normativa ao princípio da universalidade no âmbito da Previdência Social, de forma a inserir no sistema pessoas que, muito embora sejam considerados segurados (obrigatórios ou facultativos), não possuem capacidade contributiva para arcar com o ônus desta condição.
A política indicada pelo constituinte para a efetiva inclusão destes segurados no sistema se ampara em duas bases: na redução de alíquotas contributivas e na redução da carência para a concessão de benefícios.
No que diz respeito à redução da alíquota da contribuição social devida pelos segurados arrolados no § 12 do artigo 201 da CF, ficou demonstrado que esta política se mostra compatível com os princípios constitucionais que regem a Seguridade Social e o subsistema de Previdência Social.
A redução da carga contributiva destes segurados de baixa renda se amolda aos princípios constitucionais da equidade na forma de participação do custeio, isonomia tributária e solidariedade social, além de dar efetividade normativa ao princípio da universalidade de cobertura e atendimento.
Quanto à política de redução da carência para a concessão de benefícios dentro deste sistema de inclusão previdenciária, no entanto, entendemos que referida política, ainda não regulamentado pelo legislador infraconstitucional, fere o § 1º do artigo 201 da CF que veda a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social.
Além disso, a fato do segurado se enquadrar na condição de microempreendedor individual ou segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, no nosso entendimento, não justifica a redução da carência para a concessão de benefícios, não sendo esta situação jurídica apta para justificar a inclusão de critérios diferenciados no sistema previdenciário.
Por fim, procuramos demonstrar que a implementação deste novo sistema de inclusão previdenciária de segurados de baixa renda, baseado na redução de alíquota e de carência deve ser acompanhado de expressa previsão de fontes de custeio prévias (art. 195 §5º da CF), sob pena de desequilíbrio do já deficitário Regime Geral de Previdência Social.

Desta forma, não obstante a importância deste novo sistema de inclusão previdenciária implantado pela Lei nº 12.470/11 e sua compatibilidade com os princípios da Seguridade Social, devemos estar atentos às características de nosso sistema previdenciário, de forma a preservar, no curto, médio e longo prazo, o equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social

Previdenciário

A exclusão do menor sob guarda do rol de dependentes da previdência social

Andre Studart Leitão




Antes de detalharmos a solução jurídica da questão, são necessárias algumas breves explanações sobre alguns aspectos teóricos essenciais.
No âmbito da teoria geral do direito e à luz da doutrina de Norberto Bobbio, existem três critérios para solução de conflito de leis no tempo: o cronológico, o hierárquico e o da especialidade.
O critério cronológico é aquele com base no qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a norma posterior: Lex posterior derogat priori.
Segundo o critério hierárquico, entre duas normas incompatíveis, prevalece a norma hierarquicamente superior: Lex superior derogat inferiori.
Finalmente, o critério da especialidade é aquele pelo qual, de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcionais), prevalece a segunda[1]. Consiste na diversificação do desigual: tratar desigualmente o que é desigual, fazendo as diferenciações exigidas fática e axiologicamente, apelando para isso à ratio legis[2].
Voltando à análise da questão, tracemos um paralelo entre as disposições legais: a Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e a Medida Provisória n. 1.523/96, posteriormente convertida na Lei n. 9.528/97[3].
Segundo o parágrafo 3º do artigo 33 da Lei n. 8.069/90, a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários. De outro lado, a Lei n. 9.528/97, ao conferir nova redação ao parágrafo 2º do artigo 16 da Lei de Benefícios da Previdência Social (Lei n. 8.213/91), suprimiu o menor sob guarda do rol de dependentes do segurado. Resta saber qual espécie normativa prevalece.
A questão não é solucionada pelo critério hierárquico, já que ambas as leis são ordinárias, possuindo igual nível de hierarquia.
Pelo critério cronológico, não há dúvida de que a Lei n. 9.528/97 prevalece sobre a Lei n. 8.069/90, por ser cronologicamente superior. 
Com relação à aplicação do critério da especialidade, é preciso identificar qual das leis em conflito é a especial (Estatuto da Criança e do Adolescente ou a Lei de Benefícios da Previdência Social).
Maria Helena Diniz entende que “uma norma é especial se possuir em sua definição legal todos os elementos típicos da norma geral e mais alguns de natureza objetiva ou subjetiva, denominados especializantes. A norma especial acresce um elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na norma geral, tendo prevalência sobre esta, afastando-se assim o bis in idem, pois o comportamento só se enquadrará na norma especial, embora também esteja previsto na norma geral.”[4]
Contudo, o critério desenvolvido pela jurista esbarra na seguinte constatação: a priori, tanto a Lei Previdenciária quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente possuem, em sua definição legal, elementos tipicamente genéricos e elementos especializantes.
 
Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que ambas as leis instituem um dado tratamento normativo. O ponto é que enquanto a Lei n. 8.213/91 regula a proteção previdenciária genericamente, trazendo disposições especiais referentes a determinadas situações (como é o caso da proteção previdenciária do menor), a Lei n. 8.069/90 dispõe genericamente sobre a proteção da criança e do adolescente, disciplinando determinadas questões jurídicas especiais (direito previdenciário do menor sob guarda).  Vale dizer: sob a ótica do direito previdenciário, a Lei n. 8.213/91 é especial em relação à Lei n. 8.069/90; de outro lado, sob a ótica do direito do menor, a Lei n. 8.069/90 é especial em relação à Lei n. 8.213/91.
Percebe-se, pois, que o ponto de interseção entre as leis mencionadas (direito previdenciário do menor sob guarda) impossibilita, pelo menos a priori, a identificação da norma especial.
 
Sem embargo, a definição do ponto de interseção evidencia um traço diferencial. O caráter especial da Lei n. 8.213/91 decorre da natureza especial da matéria (direito previdenciário). Ao contrário, o caráter especial da Lei n. 8.069/90 tem como elemento nuclear o titular dos direitos nela previstos: o menor. Está-se, dessa maneira, diante de duas leis de instituição. Só que enquanto uma institui objetivamente um determinado regime previdenciário, a outra institui a proteção jurídica de um determinado sujeito: o menor.
O art. 5º da Constituição da República estabelece o princípio da isonomia, segundo o qual a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Sendo assim, não há dúvida de que o critério da especialidade deve priorizar não propriamente a natureza do direito envolvido, mas sim os titulares dos direitos envolvidos.
Destarte, pelo fato de o Estatuto da Criança e do Adolescente dispor sobre os direitos de proteção do menor (titular do direito envolvido), ele ostenta prioridade normativa sobre a Lei n. 8.213/91, afinal a lei de instituição vinculada à especificidade do titular de um direito prevalece sobre a lei de instituição vinculada à natureza especial matéria.
 
Contudo, não obstante o caráter especial da Lei n. 8.069/90 em relação à Lei de Benefícios da Previdência Social, ainda é necessário discutir outro aspecto.
A redação original da Lei n. 8.213/91 estava de acordo com o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente. O conflito só passou a existir após a edição da Medida Provisória n. 1.523/96, posteriormente convertida na Lei n. 9.528/97, quando então o menor sob guarda deixou de figurar entre os dependentes para fins previdenciários.
A Lei n. 9.528/97 alterou dispositivos das Leis n. 8.212/91 e n. 8.213/91 (Planos de Custeio e de Benefícios). Trata-se, portanto, de uma lei que deu continuidade ao interminável processo de reforma do sistema previdenciário, indispensável para garantir a saúde financeira e atuarial do sistema. 
A questão avulta-se de complexidade, considerando o fato de que a Lei n. 9.528/97 (que é posterior às leis n. 8.213/91 e n. 8.069/90 e possui idêntico grau de hierarquia) tem natureza especificamente reformadora, ou seja, não por escopo instituir um diploma normativo sobre determinada matéria, mas reformar leis anteriores.
Ora, se a Lei n. 9.528/97 ostenta força normativa suficiente para alterar outra lei ordinária (como é o caso da Lei n. 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente), pode-se dizer que se trata de uma questão meramente tópica, solucionável de acordo com o parágrafo 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, verbis“A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”
Com efeito. O critério da especialidade apenas pode ser aplicado diante de duas normas de instituição, nunca entre uma norma de instituição e outra de reforma.
A lei de reforma, desde que válida (isto é, se estiver de acordo com a Constituição da República), tende a sempre prevalecer, se o conflito der-se entre normas de igual hierarquia. Isso não significa reproduzir a idéia sobre a qual repousa o critério cronológico. Explique-se. Se originariamente a Lei n. 8.213/91, que instituiu o regime geral de previdência social, conflitasse com o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), esta deveria prevalecer, mesmo sendo anterior, por apresentar-se como norma especial em relação àquela, considerando a sua finalidade: regular os direitos do menor (titular).
Na verdade, o critério cronológico apenas é efetivamente aplicado quando presentes os seguintes requisitos:
 
Isso significa dizer que a norma de reforma é dotada do poder normativo de revogar, expressa ou tacitamente, todas as normas de igual hierarquia que lhe forem contrárias, sejam elas gerais ou especiais.

Por consectário, a despeito da natureza especial da Lei n. 8.069/90 frente à Lei n. 8.213/91, deverá prevalecer o disposto na Lei Previdenciária, considerando o fato de que a sua disposição conflitante proveio de uma norma de reforma, a Lei n. 9.528/97.

Previdenciário

Crimes contra a previdência social

Nathaly Veloso Lehnen

Resumo: O principal objetivo do presente artigo é fazer uma análise dos ilícitos previdenciários, fazendo comentários acerca das modificações trazidas com o tempo à legislação previdenciária. Com isto, em que surge não só a proteção e inclusão dos cidadãos na esfera da proteção da seguridade social mas também no que tange ao patrimônio como meio eficaz para assegurar os recursos materiais que se destinam a justa distribuição dos benefícios e serviços aos usuários do sistema previdenciário.Pois para que haja o ao funcionamento da estrutura de seguridade social, a solidariedade social e a boa-fé dos contribuintes são pressupostos indispensáveis, uma vez que o legislador impôs a proibição de condutas que se reputam lesivas ao funcionamento da Previdência Social.E o desvio das principais finalidades de funções acerca do âmbito previdenciário caracterizam condutas meramente classificadas pelo legislador como ilícitos penais, os quais serão abordados ao longo deste.[1]
Palavras-chave: Decreto nº 4.682/23 - Lei nº 6.439/77- Previdência Social - Crimes contra a Previdência Social
Antes de tudo, é de relevante importância uma breve abordagem sobre a  história da previdência social no Brasil começou , a qual teve início em 1923, quando foi criada uma caixa de aposentarias e pensões para os empregados de empresas ferroviárias, mediante contribuição dos trabalhadores, sendo considerada o marco inicial da previdência. Alguns doutrinadores abordam os seguintes aspectos, que o Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923 (Lei Eloy Chaves) é a primeira lei sobre a aposentadoria no Brasil. Seu objetivo, em princípio não era conceder aposentadoria, mas apaziguar um se teor econômico estratégico na época.
 Ou seja, o início deste sistema foi limitado, pois a maioria dos trabalhadores não fazia parte, a princípio somente ferroviários e eletricistas, então se criaram outras caixas em empresas de diversos ramos de atividade econômica.  Por meados de 1930, foi criado o ministério do trabalho, indústria e comércio, que tinha a tarefa de supervisionar a previdência social. E a partir  de 1930 foram surgindo vários institutos que abrangiam determinados setores (marítimos, comerciários, bancários, industriários e empregados no transporte e cargas).
Surgiu assim o Instituto de Aposentadoria dos marítimos (IAPM) em 1933, o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários (IAPC) em 1934, o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários, (IAPB) em 1934, o IAP dos Industriários (IAPI) em 1936 e o IAP dos empregados de Transportes e Cargas (IAPTEC) em 1938. Esse processo de unificação e criação dos Institutos avançou até o inicio dos anos 50, quando praticamente toda a população urbana assalariada já se encontrava coberta pela previdência, exceto os trabalhadores domésticos e autônomos.
A previdência social é custeada pelas contribuições dos trabalhadores, das empresas e do estado e mantém serviços de assistência médica e hospitalar. Em geral, beneficia as pessoas que exercem atividade remunerada em empresa s privadas e servidores públicos, o que difere da assistência social que atende qualquer pessoa que dela precise.Seu financiamento no setor privado ocorre de forma Tripartite, com contribuição dos trabalhadores no salário, recolhimento pelo empregador e o governo que cobre insuficiências que possam ocorrer.
Visto que, houve uma regulação da tríplice forma de custeio (ente publico, trabalhador e empregador), devido a  Constituição de 1934 no art. 121. A Carta Magna de 1937, outorgada em pleno Estado Novo, empregou a expressão “seguro social”. Somente na Carta de 1946, surgiu pela primeira vez à expressão  “previdência social”, elencando como riscos sociais , a doença, a velhice, a invalidez e a morte.
Já em 1960, por mera coincidência com as construções e fundação de Brasília, foi criada a Lei Orgânica da Previdência Social (Lei nº 3.807, de 26/08/1960) e em 1966 ocorreu à união dos institutos, surgindo o Instituto Nacional da Previdência Social (INPS).  Em 1977 foi criada a Lei nº 6.439 de 01/07/1977 que tinha por objetivo reorganizar a previdência social, e estava dividida em INPS, INAMPS, LBA, FUNABEM, DATAPREV, IAPAS, CEME. Somente os contribuintes do INPS tinham direito aos serviços do INAMPS.
O INPS e o IAPAS tornaram-se um só instituto o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), surgiram em 1990 que tinha como atribuições básicas à arrecadação, administração e pagamento dos benefícios aos segurados, confirmando a ideia de que a previdência social é uma forma de seguro, e é diferente da assistência social e saúde. Neste mesmo período foi criado o Sistema Único de Saúde, para cuidar apenas da saúde.
Com base doutrinária, tem se como  previdência social  como um seguro público, coletivo, compulsório, mediante contribuição e que visa cobrir os seguintes riscos: incapacidade, idade avançada, tempo de contribuição, encargos de família, morte e reclusão.Por ser um seguro público, coletivo, e compulsório, ele é administrado pelo governo e todos os trabalhadores economicamente ativos devem aderir a ele de maneira forçada, sob pena de crime, tipificado no Código Penal no art. 337-A, com pena de dois a cinco anos, além de multa e do pagamento da quantia principal devida.
Pode-se dizer que é um eufemismo quando a Constituição diz que o seguro é pago mediante contribuição, pois contribuição é um termo que pressupõe voluntariedade, ou seja, a pessoa contribui para alguma coisa, em tese, apenas se ela quiser o que não é o caso.  Portanto, a melhor denominação para esse pagamento seria imposto, pois é uma imposição estatal a sua pagamento, mas vamos manter a palavra original para não confundir o leitor.
 Atualmente vigoram dois  tipos de regime, o regime geral de previdência social (para os trabalhadores do setor privado) e  regime próprio de previdência social ( para os trabalhadores do setor público).São alguns os benefícios concedidos pela previdência social brasileira, como: auxílio-doença; auxílio-acidente; aposentadoria por invalidez; aposentadoria por idade; aposentadoria por tempo de contribuição; aposentadoria especial; salário-maternidade; salário-família; pensão por morte e auxílio-reclusão.
Entretanto, o custo do sistema previdenciário brasileiro é pago por quatro entes:  pelos trabalhadores (através de contribuição sobre o quanto ganha, que vai de 7,65% a 20% do salário de contribuição, dependendo do tipo de segurado);  pelas empresas empregadoras (através de uma série de tributos, como COFINS, CSLL, SAT, entre outros), por parte da receita proveniente de loterias e  pelo Governo.Através de algumas pesquisas, constatei que muitos inda criticam que a previdência social não passa de ser um esquema fraudulento de pirâmide,tanto na esfera público quando na privada, ou seja, inerentemente imoral e ineficaz, a previdência social possui outras distorções flagrantes que são ignoradas pelo grande público.
Por fim, além de ineficiente, a previdência social é um verdadeiro antro de pessoas inescrupulosas ávidas por desviar recursos para fins próprios. Provavelmente é a instituição mais fraudulenta do Brasil. Recorrentemente funcionários do INSS descobrem que beneficiários já faleceram e recebem por eles. Pessoas fantasmas  também são inventadas, junto ao sistema, para fins de desvio, entre outras fraudes Muito embora o código Penal trate de crimes contra a previdência, o mais correto seria falar-se em delitos praticados contra a seguridade social, posto que parte das contribuições sociais é destinada à saúde e à assistência social. Os crimes a seguir estudados exigem sempre a conduta dolosa, não admitindo a culpa. Abaixo serão relatados alguns crimes em face do sistema previdenciário, como:
1. Apropriação indébita previdenciária
Este ilícito está descrito no Código Penal, da seguinte forma:
Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa
§1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;
III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.
§2º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.
§3º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:
I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou
II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais”.
A doutrina caracteriza este crime como um tipo formal, omissivo próprio,isto quer dizer que, não preciso haver um resultado para a sua caracterização e porque  prevê uma omissão por parte do agente (“deixar de...”). É diferente da apropriação indébita clássica, prevista no art. 168, CP (que é crime comissivo e material). Aqui, o agente (quem comete o crime) deve agir com consciência e vontade, e isso deve ser caracterizado para que tenha o crime.
Mas, do contrário será inocentado, quando no caso por exemplo da empresa deixou de recolher os valores descontados dos segurados por negligência, imprudência ou imperícia, não há crime, pois este tipo penal não admite modalidade culposa. Por isso que, por exemplo, sócios cotistas da uma sociedade limitada, muito embora possam ser responsabilizados pelos débitos previdenciários, nunca serão responsabilizados penalmente, pois como não administram a sociedade, certamente não tiveram a intenção de deixar de repassar os valores descontados dos segurados. A responsabilização penal é muito mais difícil de ser enquadrada, em razão deste elemento subjetivo (tem que comprovar a intenção). Este tipo de responsabilidade é diferente das que são trazidas por  infrações do direito tributário ou previdenciário, que é, em regra, objetiva.
Este crime foi inserido no mesmo título dos crimes contra o patrimônio, pois  entende-se que o bem jurídico tutelado é o patrimônio da previdência social. Sendo que  que a Lei nº 9.983/00, no que diz respeito à pena da apropriação indébita previdenciária, tem efeitos retroativos, já que seu valor máximo é inferior ao anteriormente previsto, que era de 06 (seis) anos, uma vez que não é suficiente para a caracterização do crime, a mera ausência de repasse.O respectivo crime não exige  o dolo específico, ou, no caso, o “animus rem sibi habendi” isto é, ter a coisa apropriada para si mesmo, apenas é necessário  consciente e livre vontade do agente em reter os valores devidos à previdência social, independente de fim específico (por isso é crime formal).
De acordo com o artigo expresso, entende-se que há de ter o dolo de deixar de repassar, mas não é levado em consideração se foi com a intenção de ficar com o dinheiro para si, pois a comprovação da ausência de desconto exclui o crime. Sendo que a Lei nº 8.212/91 em seu art. 33 §5º , traz a  presunção absoluta da retenção de tais valores e, por isso, serão cobrados do sujeito passivo, mas sem a caracterização do ilícito penal. O objetivo desta Lei é estimular o pagamento, traz caso de extinção da punibilidade, ao prever, no § 2º, que esta será extinta se o agente, espontaneamente, declarar confessar e efetuar o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e prestar as informações devidas à previdência social, antes do início da ação fiscal.
Como sabemos se há a extinção da punibilidade, consequentemente haverá a extinção da pretensão punitiva do Estado, isto que dizer que, caso você cometa o crime, não mais o Estado não poderá mais aplicar-lhe a pena, mas  para que haja a exclusão é necessário o recolhimento integral do devido antes da ação fiscal, que se inicia, em regra, pelo termo de início da ação fiscal – TIAF, pois o recolhimento posterior não exclui a punibilidade, podendo, conforme o caso, gerar perdão judicial, se feito antes da denúncia (§ 3º).
É de relevante importância salientar que antes da  Lei nº 9.983/00, a exclusão da punibilidade poderia ocorrer com o pagamento até a denúncia (início da ação penal), segundo o que  prevê no art. 34 da Lei no 9.249/95, a qual era aplicável às contribuições previdenciárias. Mas atualmente, o pagamento deve  ser feito antes da ação fiscal, visto que para alguns, o parcelamento também traria a extinção da punibilidade.
No que tange aos efeitos previdenciários,, tal fato não é aplicável, não só em vista da ausência de lei expressa, mas também em virtude da proibição de parcelamento de contribuições retidas (art. 38, § 1º da Lei no 8.212/91), então resta concluir que, esta vedação não se aplica a hipóteses específicas, em que leis passadas autorizavam o parcelamento mesmo de valores descontados dos segurados, como o REFIS. Nestes casos, haverá a suspensão da ação penal enquanto perdurar o parcelamento, consequentemente a prescrição penal também será suspensa.O art. 168-A, ainda traz dois casos de perdão judicial, uma vez que é  facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa, se o agente for primário e de bons antecedentes, e tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios ou ainda, se o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais, o que está limitado como R$ 10.000,00.
Sendo assim, pode-se concluir que em ambos os casos, o réu deverá ser  primário e ter bons antecedentes, caso contrário, torna-se inaplicável o perdão, pois na extinção da punibilidade, pouco importa se o agente é de bom antecedentes ou primário.
2. Sonegação de contribuição previdenciária
Este também foi inserido no Código Penal, com a seguinte redação:
“Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços;
II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;
III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§1º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara e confessa as contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.
§2º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:
I – (VETADO)
II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.
§3º Se o empregador não é pessoa jurídica e sua folha de pagamento mensal não ultrapassa R$ 1.510,00 (um mil, quinhentos e dez reais), o juiz poderá reduzir a pena de um terço até a metade ou aplicar apenas a de multa.
§4º O valor a que se refere o parágrafo anterior será reajustado nas mesmas datas e nos mesmos índices do reajuste dos benefícios da previdência social”.
Apesar deste crime não estar previsto pela Lei nº 8.212/91, mas sim na Lei nº 8.137/90, que deixa de ser aplicada, como vimos, em virtude da existência de norma específica sobre o assunto, mas fora  foi inserido no Título referente aos crimes contra a Administração Pública, no Capítulo dos crimes praticados por particulares no Código Penal.O crime é  material, pois o resultando compõe o tipo, sendo que é necessária a supressão ou redução de contribuição social para a sua materialização, pois se apenas houver conduta e não resultado, não há crime, haverá somente uma infração tributária administrativa. Neste crime,  o resultado é necessário, visto que sem ele, não há crime, já quanto o dolo deve ser caracterizado, sob pena de exclusão da antijuridicidade, existindo mero ilícito administrativo.
Deve haver ser livre a vontade e  a consciência do agente em reduzir ou suprimir a contribuição, atingindo seu resultado. Poderá haver também a extinção da punibilidade, somente se o agente, espontaneamente, declara e confessa as contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, antes do início da ação fiscal.Não há a necessidade de haver pagamento, e sim a confissão antes do início da ação fiscal. Sendo que as contribuições continuarão  devidas e serão cobradas, mediante execução fiscal, se necessário.Desta forma,  o agente não poderá mais ser punido pelo ilícito penal, pois hoje em dia, o documento mais utilizado para tal fim (confissão) é a GFIP, a qual é elaborada pelas empresas mensalmente e tem a função de evidenciar o devido pelas mesmas à previdência social.
A princípio,  seria possível a exclusão da punibilidade pelo pagamento, ainda que posterior ao início da ação fiscal,  desde que se entenda aplicável ao caso o art. 34 da Lei no 9.249/95, o qual dispõe: Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei no 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.
Mesmo que a analogia seja vedada no direito penal, poderá ser aplicada quando for para  beneficiar o réu, como é o caso com a aplicação analógica da citada lei, que visa somente os crimes contra a ordem tributária, o réu pode se beneficiar, e é isso que tem feito os Tribunais não exista menção expressa aos tipos da Lei nº 9.983/00, até porque posteriores, é correta a aplicação da analogia que beneficie o caso, isto é, o pagamento, antes da denúncia, também excluiria a punibilidade.Já quanto ao parcelamento, quando este for feito antes de qualquer ação fiscal, a punibilidade é necessariamente excluída, pois o parcelamento implica a confissão da dívida. Mas se o parcelamento for posterior à ação fiscal, não há, a priori, exclusão da punibilidade. Isto pode ser comprovado diante  do veto do inciso I do § 2º, o qual trazia justamente hipótese de perdão judicial para débitos parcelados, após o início da ação fiscal, mas antes da denúncia. Há que se ressaltar também a divergência jurisprudencial existente, com diversos entendimentos, em especial do STJ, no sentido da exclusão da punibilidade, ainda que decorrente de parcelamento tardio, porém anterior à denúncia. Mas deve ser claro que implica em dizer que o parcelamento, neste crime, irá excluir a punibilidade se cumprido até o fim, uma vez que até lá, ficará suspenso a pretensão punitiva do Estado, bem como a prescrição penal.
 Sendo que  o perdão judicial, após o veto do inciso I, ficou assim restrito, no caso de agente primário e de bons antecedentes, às situações em que o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.É possível que  o juiz poderá reduza a pena de um terço até a metade ou aplique apenas a de multa, pois não há qualquer necessidade de primariedade e bons antecedentes do agente.Mas para isto ocorrer, a  folha de pagamento mensal não pode  ultrapassar R$ 1.510,00 (R$ 2.355,54, em valores atualizados).
3. Falsificação de documento público
O Código Penal, já trazia a tipificação deste crime, sendo que apenas recebeu o acréscimo dos §§ 3º e 4º, que expõe:
“Art. 297. Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
§1º Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.
§2º Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.
§3º Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir:
I – na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório;
II – na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deve ria ter sido escrita;
III – em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado.
§4º Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3o, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços”.
O respectivo crime em seu título, refere-se aos crimes contra a paz pública, no capítulo referente à falsidade documental. O escopo é a preservação a veracidade das informações constantes em tais documentos, hoje em dia principalmente em especial por causa da GFIP, a previdência social tem dado muita importância à documentação elaborada pela empresa, de modo a desobrigar o segurado do ônus da prova de sua condição de segurado, assumindo o INSS como verdadeiros os dados apresentados pelos empregadores.
Deste modo, haverá certamente uma rapidez à concessão de benefícios, abrindo-se a porta para a elaboração de fraudes, como declaração de falso vínculo, que consequentemente  irá gerar direitos inexistentes. Isto pode ser entendido por exemplo quando da existência de  um vínculo falso declarado em GFIP de modo que alguém possa se aposentar mesmo sem ter direito, ou seja, desta forma a omissão indevida destes documentos pode dificultar ou até mesmo inviabilizar a concessão de benefícios devidos; por isso, a exclusão indevida de segurados dos documentos da empresa é também objeto de sanção penal. O crime do § 3º é comissivo, pois explana a ação de inserir dados falsos, já o  crime do § 4º é omissivo, já traz uma omissão da empresa em relação a seus segurados.Mas ambos os crimes são formais, isto quer dizer que independem do efetivo resultado desejado pelo agente.
4. Inserção de dados falsos em sistema de informações
Os delitos praticados por meio da informatização têm recebido cada vez mais importância do legislador, pois devido à dependência cada vez maior do Estado de mecanismos informatizados para controle de suas tarefas, fraudes dolosamente provocadas devem receber sanção de natureza penal, devido ao alto potencial danoso.
O Código Penal assim dispõe:
“Art. 313-A. Inserir ou facilitar (ação), o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano (dolo específico):
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”.
Este crime é caracterizado por ser  próprio, formal e comissivo. É próprio, pois somente o funcionário autorizado poderá praticá-lo, isto quer dizer que deve ser um funcionário dotado de senha para inclusão de dados no sistema, uma vez que  o conceito de funcionário público aqui tratado é o constante do art. 327 do Código Penal, que diz:
“Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.
§ 2º A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público”.
O crime é  formal e comissivo, pois decorre de uma ação do agente e não carece de resultado para sua consumação, embora o dolo seja específico,já que o fim visado pelo agente deve ser vantagem indevida para si ou para outrem ou ainda para causar dano.Vale ressaltar que também que  em regra ,a facilitação, pode abranger outras pessoas com participação indireta, como servidor que empresta senha ou terminal para a realização da fraude. Mas que para efeitos penais, há definição precisa de funcionário público prevista  no art. 327exposto acima.
5. Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações
    Este é mais um caso em que  a lei  traz previsão de novo ilícito informático, mas  desta vez há uma  previsão  mais abrangente. Assim dispõe o Código Penal:
“Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado”.
Aqui, também há a figura do funcionário público como agente do crime, contra a administração em geral. A conduta descrita é atualmente conhecida por “data dilling”, é um crime do tipo próprio, formal e comissivo. Próprio porque deve ser  praticado por funcionário público (art. 327 do CP), é formal,uma vez que dispensa qualquer resultado para sua consumação e comissivo pela realização de uma ação do agente.
Há uma diferença básica entre este tipo penal anteriormente mencionado, que é a ausência de dolo específico, já que a mera modificação ou alteração dolosa, com qualquer fim, caracteriza o ilícito penal. Para melhor entendimento, por exemplo, mesmo que um servidor com as melhores das intenções venha a fazer uma alteração do sistema, sem autorização do chefe, independente de uma melhora no sistema, haverá o crime previsto, pois foi uma modificação no sistema não autorizada.    O resultado da conduta do agente somente mostra-se relevante para a aplicação da qualificadora do parágrafo único, caso haja efetivo prejuízo para a previdência ou o beneficiário.
6. Estelionato
O respectivo crime contra a previdência social não foi alterado pela Lei nº 9.983/00 e continua previsto no art. 171, § 3º do CP:
“Art. 171.Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.
§3º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência”.
O que traz o parágrafo terceiro inclui o INSS, sendo que é um crime contra o patrimônio da seguridade social, sendo delito material, pois sua concretização toma lugar com a obtenção da vantagem indevida, como o recebimento de benefício, oriundo de ardil praticado perante o INSS. Trata-se de um estelionato qualificado, mesmo que  a qualificadora do § 3º não mencionar expressamente a previdência social, conforme Súmula 24 do STJ “Aplica-se ao crime de estelionato, em que figure como vítima entidade autárquica da Previdência Social, a qualificadora do § 3º do art. 171 do Código Penal”.
Diante do que fora exposto neste trabalho, não restam dúvidas de que é imprescindível a atuação do Direito Penal como um instrumento  de controle social para que seja assegurado o resultado da tributação e a regularidade das relações jurídicas.É por este motivo que a legislação criminal vem avançando com os tempos de modo a distinguir o sonegador do mero inadimplente e municiar com relevante instrumental aqueles que combatem os ilícitos previdenciários, desestimulando – em larga medida – os sonegadores e os partícipes envolvidos na manutenção de contabilidade fictícia para fins de prática de atividade criminosa. Mas com do que foi exposto, pode-se concluir que com este estudo das figuras típicas penais contra a Previdência Social que,  para que haja uma paralisação ou ao menos uma diminuição na “sangria” dos cofres da Seguridade Social e o déficit previdenciário precisa-se muito mais do que leis. É de extrema necessidade que haja na esfera administrativa, a reestruturação de uma fiscalização mais atuante e, no âmbito judicial, a adoção de posturas que permitam uma célere tramitação das causas penais previdenciárias, de modo a impedir a impunidade e a restabelecer o equilíbrio financeiro da Previdência Social