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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A previdência social brasileira e o LOAS como políticas públicas: a questão da sua efetividade

Luciana Ramos de Oliveira
Resumo: Este trabalho se preza a levantar a questão das políticas públicas relativas aos benefícios previdenciários e LOAS – Lei orgânica de Assistência Social – Lei 8742/93, sob a ótica da vulnerabilidade do destinatário da norma, sobretudo no que tange à questão dos entraves à sua efetividade e à conscientização acerca de tais direitos pelo cidadão brasileiro.
Palavras-chave: Previdência Social - LOAS - entraves - efetividade.
Uma sociedade onde os direitos são um falso universalismo. Isso porque nem todos têm direitos, muitos não são cidadãos, ficaram fora do contrato social, lançados no estado da natureza. E também é uma sociedade onde, sobretudo nas cidades coloniais, a sociedade civil não foi constituída. Para os indígenas, os nativos eram constituídos pelos colonos, ou seja, a sociedade civil é sempre o outro, no Estado capitalista” (Boaventura dos Santos)
Introdução
Em nosso país infelizmente a questão social tem se constituído objetivo secundário dos planos governamentais. Referidos planos, sobretudo em um passado mais recente, trataram o desenvolvimento social como subproduto automático do crescimento econômico. Conseqüentemente, critérios de eficiência passaram a ser deixados de lado de forma absoluta.
Dentro dessa concepção, a redução das desigualdades resultaria naturalmente dos impactos indiretos dos investimentos produtivos; expandindo-se a produção e a base tributária da economia, o governo teria condições de mobilizar recursos necessários para atender aos problemas dos segmentos mais pobres da população.
O crescimento da base produtiva da economia é condição sine quan non para a melhoria do bem-estar social. Mas a história de muitos países, inclusive o Brasil, revela que a articulação entre crescimento econômico e desenvolvimento social está longe de ser espontânea.
A fé nesse falso automatismo deu ao desenvolvimento brasileiro um caráter paradoxal: de um lado, o país edificou uma economia no limiar da maturidade industrial - próxima, portanto, dos padrões de mercado dos países capitalistas avançados; de outro, mantém estrutura social injusta, que deixa parcela considerável da população em condições de vida lastimáveis, similares às das nações mais pobres do mundo, uma verdadeira “BelÍndia”.
A instauração da Nova República se deu em período marcado pela crise econômica e por profundas carências sociais. Cerca de 68 milhões de brasileiros pertencem a famílias com renda inferior a três salários mínimos. Mas de 18 milhões de trabalhadores ganham menos que um salário mínimo. A situação é ainda mais dramática em certas áreas rurais e no Nordeste, onde a pobreza atinge grande parte da população. Mas é também grave no meio urbano, pois o número absoluto de pobres vivendo nas cidades é maior que no campo.
A pobreza impõe privações sociais e também restrições objetivas. A expectativa de vida dos brasileiros que ganham menos de um salário mínimo é inferior a 55 anos, enquanto entre os que ganham mais de cinco salários mínimos chega a 70 anos.
Tais disparidades têm coexistido com o crescimento econômico e resultaram, mesmo, do padrão de crescimento do país. As mudanças observadas na sobrevida e mortalidade, como resultado do crescimento, beneficiam majoritariamente classes de maior renda e regiões mais desenvolvidas. A grande maioria da população rural do país permanece sem condições mínimas de salubridade, vivendo em habitações precárias e com excessiva densidade de moradores por cômodos. Os mais pobres não possuem sequer moradias dignas para viver, tendo que conviver com esgoto a céu aberto, dentre outras mazelas.
O crescimento econômico traça um iníquo perfil da distribuição de renda: os brasileiros mais ricos (1% do total) detinham, em 1960, cerca de 12% da renda; tal participação elevou-se para 15% em 1970 e 17% em 1980. Estima-se que, em 1983, os 10% mais ricos captavam cerca de 46% da renda, enquanto os 20% mais pobres ficavam com menos de 4%. Os desequilíbrios regionais não ficaram fora desta estatística, a participação do Nordeste na renda nacional declinou de 15% para menos de 12% ao longo das duas últimas décadas.
Este é o quadro social com que se defrontou a Nova República: níveis intoleráveis de pobreza e forte desigualdade social, fruto de um perfil de planejamento e execução que atribuiu baixa prioridade às políticas sociais, no pressuposto de que os problemas de habitação, saneamento, nutrição, saúde, educação resolvem-se espontaneamente, com o próprio crescimento econômico.
Infelizmente tal quadro vem se agravando, sobretudo em virtude da atual conjuntura, do processo de desaceleração da economia, e ainda do exército de reserva composto por desempregados e subempregados, os quais estão no alicerce da pobreza.
Na época do “social”, da maquiagem das mazelas sociais, o que mais se vê é a miséria, pobreza, desemprego, o que em se levando em consideração a questão previdenciária sinaliza o caos que está por vir sobre esta nação, caso medidas de caráter urgente não sejam efetivadas.
Transformar essa realidade, proporcionando condições para que todos os brasileiros possam usufruir de seus direitos básicos nas áreas econômica, social e política - eis o grande desafio e a prioridade da sociedade brasileira.
É indispensável ter-se me mente que os direitos sociais, intrínsecos à cidadania, são universais. E neste diapasão é preciso trazer à colação que é, pois, dever do Estado tomar por meta sua garantia.
Neste contexto é de suma importância, destacar dentre outros direitos sociais fundamentais à sociedade brasileira, os seguintes:
- trabalho, gerando rendimentos adequados à satisfação das necessidades básicas do trabalhador e sua família;
- previdência social, cobrindo as circunstâncias determinantes da queda do nível de renda e bem-estar dos cidadãos - velhice, invalidez e viuvez - bem como o seguro de acidentes de trabalho;
A demanda por esses direitos é previsível. Seu atendimento pode, portanto, ser planejado.
Nesta ordem de idéias, é que não se pode olvidar que alguns dos direitos fundamentais requerem a organização de serviço público eficiente - é o caso da previdência social. Compete ao governo redirecionar seu dispêndio buscando o resgate da dívida social. Cumpre de início repor, nas áreas essenciais e para as populações mais carentes, as perdas recentes, resultantes de uma política neoliberal que efetivou cortes no gasto social e ausência de orientação social prioritária na política econômica do passado.
A Previdência Social Brasileira como política pública.
A proteção social deve ser vista como uma forma de se proteger o cidadão dos sinistros sociais, assim entendidos como os acontecimentos que previsíveis ou não, alijam do cidadão condições para seu auto sustento.
Sob um sistema de contributividade, onde o pagamento da contribuição é conditio sine qua non ao auferimento dos benefícios, tal regime, protege exclusivamente aos segurados (e seus dependentes) que possuem o contrato de trabalho formal e aqueles que contribuem ao RGPS pelas outras formas estabelecidas por lei, como o contribuinte individual, facultativo, dentre outros.
Assim é, que em não havendo formalização do contrato de trabalho, o que infelizmente vem ocorrendo em nosso país, as chances deste tipo de proteção social alcançar a todos os trabalhadores brasileiros tendem a diminuir sensivelmente.
Desta forma os benefícios como aposentadorias, auxílio-doença, salário-maternidade, auxílio acidente, deixam todos os dias de ser pagos aos trabalhadores, em função da informalidade.
Este certamente é um dos entraves ao acesso a esta política pública, e outro, é com clareza cristalina, o excesso de burocracia ao deferimento dos retro mencionados benefícios aos trabalhadores que possuem a qualidade de segurado, ou seja, que contribuem para o RGPS.
Benefícios como o auxílio doença e aposentadoria por invalidez, trazem em seu bojo normativo administrativo, tantos entraves, que muitas das vezes ou o cidadão desiste, ou pior, morre sem que tenha auferido seu benefício. Não são raras as vezes em que se vê no noticiário da TV, peritos do INSS sendo agredidos ou mortos por segurados revoltados, com o excesso de rigor no benefício.
Outros benefícios, requerem do cidadão tantas formalidades, que o mesmo se vê alijado do direito em virtude da falta absoluta de atendimento das condições pré estabelecidas pelo INSS para concessão do benefício, tal é o caso do lavrador brasileiro.
A lei 8.213/91 prevê em seu art. 48: “  A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
§ 1º  Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea "a" do inciso I, na alínea "g" do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2º  Para os efeitos do disposto no parágrafo anterior, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período  mediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido”.
Questão relativa à efetividade e relevante se nos impõe quando o tema é a necessidade de prova de tempo de serviço do trabalhador rural. A contagem de tempo de serviço do trabalhador rural se equipara à contagem do trabalhador urbano empregado, sendo que a prova desse se dá quase que exclusivamente pela apresentação das anotações da CTPS. Porém, na maioria das vezes, o rurícola não dispõe de CTPS, trabalha clandestinamente, não recolhe contribuições e acaba ficando à margem do procedimento previsto para a contagem de tempo. Sendo a legislação lacunosa, acaba por inviabilizar o exercício pleno do direito à aposentadoria em virtude de tal fato. Assim, o rurícola por mais que trabalhe, muitas das vezes não consegue provar o exercício da atividade, por absoluta falta de prova documental.
O trabalhador que se submete a atividades insalubres também sofre com as constantes mudanças na legislação, que de tempos em tempos segrega um pouco mais dos seus direitos.
Benefícios Assistenciais LOAS – lei 8742/93.
Com relação aos benefícios assistenciais, o mesmo ocorre, e ainda de forma mais intensa. Se havendo contribuição já existe dificuldade em se auferir direitos, o pior se dá quando não se contribui e ainda que titular de direitos, o cidadão tem que passar por um verdadeiro processo seletivo para alcançar direito que lhe é facultado por lei.
A lei 8742 LOAS, trouxe em seu bojo normativo, direitos que jamais havia, de forma tão particular, protegido aos cidadãos incapacitados para seu auto sustento. Proteger-se o idoso, e o deficiente, talvez tenham sido, o primeiro mecanismo real de garantia digna de vida a estes cidadãos fragilizados socialmente. Apesar de ter sido uma grande conquista não se pode deixar de trazer à colação a grande dificuldade que o cidadão possui em gozar de tais direitos.
Para se ter uma breve noção da questão da dificuldade de efetividade das políticas públicas, necessário é que se faça uma linha cronológica para se vislumbrar o tempo necessário entre a criação da norma e o inicio de sua efetividade, dentro do contexto jurídico do cidadão. Em 1988, a nossa Carta Magna, em seus objetivos fundamentais da República, inscreveu a universalização dos direitos da cidadania, inaugurando uma era de perseguição ao ideal de igualdade. Seus capítulos relativos aos direitos e garantias fundamentais e à ordem social visam assegurar os objetivos de bem-estar e justiça social, além de acesso dos necessitados à assistência social, independentemente da contribuição à seguridade social.  Porém somente em 1993, com a LOAS (lei 8742), foi que efetivamente tais direitos começaram a se desenhar, sendo certo que em 1995, com o decreto 1744, os direitos passaram a ter uma forma de serem “cobrados” ou melhor dizendo “efetivados”. Assim, somente entre a sua previsão e efetivação decorreram mais de sete anos.
Além do tempo citado que proporcionou grande dificuldade à concessão do direito, ainda há que se acrescer o problema da seletividade de tal beneficio. O mesmo apresenta tantas regras para a concessão que por vezes exclui, ao invés de incluir o cidadão.
Exemplo claro de tal assertiva é o fato de os assistidos ouvirem dos próprios funcionários do INSS “se entrou andando com as próprias pernas, não tem direito ao benefício”, ou seja, o cidadão deve estar “quase morto” para ter o direito de receber o benefício.
A regra da incapacidade para os atos da vida civil e I N D E P E N D E N T E, alija a maioria dos desassistidos, uma vez que o entendimento da perícia vem sendo no sentido de que o cidadão deve estar completamente incapaz para a vida, ou seja, um ser vegetativo. Aliada a esta regra segregatória, ainda existe a renda per capta igual ou inferior a ¼ do salário mínimo, o que significa dizer que se existem quatro pessoas em uma residência e um único receba um salário mínimo, o cidadão portador de deficiência não terá direito à percepção do benefício dado que recebe R$0,1(um centavo) a mais do teto estabelecido por lei.
Regras como renda per capta, idade, deficiência, são seletivas, e excludentes. O destinatário da norma deve, para conseguir o deferimento do benefício passar por verdadeira via crucis, sendo por vezes humilhado, e maltratado pelos servidores do INSS para poder se valer de direito fundamental de todo o cidadão que é a dignidade da pessoa humana.
Cidadania via Estado. Condição indispensável à efetividade dos direitos sociais.
“A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social”. (DALLARI, 1998).
Direitos humanos, ou também como são conhecidos, direitos de cidadania, são frutos da declaração universal dos direitos do homem em 1948. Esta, sem a menor sombra de dúvidas fora a maior fonte de inspiração para o aperfeiçoamento dos direitos sociais do nosso tempo.
Cronologicamente falando, até chegar-se aos chamados direitos sociais, as lutas para garantias de direitos se restringiam aos chamados direitos civis políticos, assim, pode-se claramente vislumbrar duas fases distintas, a primeira em que o objetivo principal era o de se assegurar basilarmente direitos formais de liberdade individual, conhecidos como declarações individualistas, e uma segunda fase, ou onda, em que o objetivo central enfatizava a questão da igualdade e da necessidade, sendo este período, marco das mais importantes declarações nesta seara dos direitos: o Manifesto Comunista de Marx e Engels de 1848; a Declaração dos Direitos Sociais, da Constituição Mexicana de 1917 que resultou da revolução de 1910, e que ainda figura no texto constitucional vigente daquele país, e a Declaração do Povo trabalhador e esplorado, aprovada em janeiro d 1918 pelo terceiro Congresso Panrusso dos Sovietes, como conseqüência da revolução russa de outubro de 1917.
Tais declarações não partiram do indivíduo, mas sim dos interesses coletivos, que queriam não mais colocar somente a questão da liberdade individual como objetivo central, mas enfatizar sobretudo a igualdade e a necessidade, fazendo proposições para o edificar de condições de igualdade econômica e social entre os indivíduos.  Havia a persecução de um ideal de igualdade, que por vezes sacrificava até o ideal de liberdade.
Nas suas diversas instâncias, o Estado deve assegurar através de sua ação positiva a criação de várias formas de se garantir à sociedade como um todo, não só o surgimento de normas que venham de encontro às necessidades sociais, mas muito além disto, garantir a efetividade das mesmas de forma que o cidadão possa exercer plenamente a sua cidadania. É imperativo ter de forma cristalina que os direitos à cidadania definem-se sempre em relação ao Estado, ao poder público. Nessa ordem de idéias é de entender-se que a definição de cidadania acaba por ser uma definição política, sobretudo no que tange à relação de poder. Assim, para que haja cidadãos com direitos e deveres é necessário previamente a existência do poder que reconheça tais direitos e que se coloque em posição de garantí-los – o Estado.
Não há cidadãos sem Estado e Estado sem cidadãos. Assim é que se pode definir cidadania como sendo uma relação entre o Estado e um indivíduo, ou um conjunto de indivíduos. E se define desta forma sempre em relação à maior ou menor presença do Estado em forma de ingerência, sobre a vida de tais indivíduos.
Os direitos sociais são os mais jovens em nossa história dependendo para sua plena efetividade da ação positiva do Estado, assim sua natureza é oposta às dos demais direitos de cidadania.
Em função desta natureza é que os mesmos geralmente possuem sua efetivação mais complexa e demorada. Uma vez criados, assumem caráter pragmático, ou de propostas a serem exercidas em futuro próximo. Isto se dá porque, com a criação de tais normas, toda uma estrutura preexistente tem de ser remodelada, mudanças tem que ser efetivadas nas políticas públicas, na forma dos agentes públicos e dos serviços públicos “agirem” se adaptando às mudanças. Referidas mudanças encontram muitas vezes óbice em interesses contrários, na inércia de muitos e indiferença de outros.
As políticas sociais, sobretudo se analisadas sob a égide do desenvolvimento social, revelam que dentre suas funções endógenas estão a questão da renda e do emprego, o que demonstra os efeitos econômicos das mesmas no seio social. Exemplo claro de tal fato são as medidas de apoio ao pequeno produtor rural, a possibilidade do segurado especial ser beneficiário da previdência social em função do simples exercício da atividade rural, dentre outras medidas.
Nas últimas décadas os programas sociais foram desenvolvidos com elevados níveis de centralização decisória, burocratização, concentração e inflexibilidade na alocação dos recursos. Além disso, careceram de avaliação e acompanhamento, seja do ponto de vista técnico, seja do político. Prevaleceram controles formais, distanciados da realidade, com erros e desperdícios. Impõe-se, portanto, imediata reavaliação dos diferentes programas sociais, com vistas a ajustá-los à orientação política de democratização, descentralização de molde a torna-los enquanto políticas públicas, efetivos.

Políticas Públicas e efetividade

Nos últimos anos, os efeitos da crise econômica foram particularmente graves para os trabalhadores. A falta de mecanismos de proteção e a posição relativamente omissa do governo contribuíram para agravar o impacto do desemprego, subemprego e da alta rotatividade da força de trabalho. Além disso, a escassez de recursos reduziu a eficácia da fiscalização destinada a proteger o trabalhador. Foram igualmente prejudicados os programas de formação profissional, promoção cultural e de lazer da classe.
O governo necessita assumir sua responsabilidade na proteção dos direitos trabalhistas e no aperfeiçoamento do mercado de trabalho, para que os trabalhadores, possam gozar via formalização dos direitos esculpidos na CF/88, Lei 8231/98, decreto 3048/99 dentre outros. Não Basta a existência de normas, é preciso garantir sua aplicação em benefício de seus destinatários.
No campo da assistência social, a justificativa se dá em função do empobrecimento da população e as dificuldades de acesso ao LOAS especificamente ao amparo ao idoso e ao portador de deficiêcia. Uma das variáveis pode ser o excesso de centralização e burocratização na condução do programa, aliados a um modelo com estratégias inadequadas, atuando sobre grupos e categorias da população de forma isolada de seu meio familiar e comunitário
O problema da efetividade, tanto na previdência, quanto na assistência social, passa por entraves e facilitadores, sendo necessário o diagnóstico dos entraves da política, sua análise, a proposição de facilitadores, bem como a análise dos facilitadores existentes de modo a proporcionar uma contribuição a essa área e a toda a sociedade brasileira, assim considerados os destinatários das políticas públicas no Brasil.
Para isso, é indispensável aperfeiçoar a articulação das atividades dos governos federal, estadual, municipal essa articulação deverá voltar-se para atender ao maior número possível de pessoas, evitando superposições de atividades.
Os problemas hoje enfrentados nesta área - dos direitos da cidadania - decorrem de diversos fatores, dos quais os principais são:
- a natureza do desenvolvimento econômico e social, que nos últimos anos acentuou as desigualdades sociais e regionais, restringiu a participação dos cidadãos e aumentou a violência urbana e rural;
- a importância relativamente pequena que os investimentos públicos federais concederam, dentro da área social, ao aperfeiçoamento e modernização dos organismos relacionados com segurança e justiça;
Maria Lúcia Luz Leiria, no texto A Interpretação No Direito Previdenciário pontua: “ A efetividade de determinado direito tutelado pela ordem jurídico-constitucional depende de expressão e força vinculativa do poder político-jurídico. Dentre muitos direitos fundamentais estampados na Declaração Universal, foram reconhecidos os chamados direitos sociais, tanto para o homem enquanto indivíduo, como para o homem enquanto coletividade. Esses novos direitos ou novas faces de interesses, que vão surgindo pela própria multiplicação das relações intersubjetivas, abrangem o direito à prestação do Estado para aqueles que não mais podem produzir ou que não mais se podem sustentar, que são aqueles diretamente ligados à chamada Seguridade Social. Trata-se de direitos da chamada segunda geração, que convivem com aqueles ditos de primeira geração, bem como com os denominados de terceira geração.
Tais direitos sociais, ditos de segunda geração e que se caracterizam pela necessidade de serem atendidos pelo Estado, justamente para que o princípio de garantia de vida digna seja obedecido, foram convivendo com novos direitos coletivos e difusos, onde predomina o interesse social de manutenção do meio ambiente, de preservação do patrimônio público e social, de proteção aos progressos da ciência, sem que se anulem aquelas bases e direitos fundamentais ditos individuais.
Entre tais direitos, estão aqueles que dizem respeito especificamente à Previdência Social, estatal e pública, assentados na Constituição com princípios norteadores que não podem ser afastados pelo político ou pelo jurista. Princípios esses que informam a aplicação das normas e textos referentes à Previdência Social e que devem ser buscados quando reconhecidos os direitos e não implementados, e enquanto assegurados e não efetivados, para que a norma abstrata se converta em situação concreta e de efetiva justiça social.
A par dos benefícios ditos sem contraprestação - o benefício assistencial(5) e os concedidos aos segurados especiais -, todos os demais estão diretamente dirigidos pelo princípio contributivo-retributivo, observando-se critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial (artigo 201 da Constituição Federal de 1988, com a redação da Emenda Constitucional nº 20). Ou seja, o cidadão, enquanto trabalhador, contribui para que, em determinado momento e sob determinadas regras e condições, possa continuar mantendo uma vida digna com o percebimento de benefícios da Previdência Social.
Como todo direito fundamental, inscrito na Carta Constitucional, os benefícios previdenciários são direitos fundamentais sociais, comportando, para tanto, interpretação conforme os princípios constitucionais”.
“Importante salientar que o reconhecimento de tais direitos vem atrelado à necessidade de mecanismos capazes de garantir a sua efetividade - por isso direitos e garantias vêm enfeixados quase que num mesmo conceito. Tanto que tais normas que protegem e dizem os direitos fundamentais necessitam ser aplicadas imediatamente, por força da própria determinação constitucional.
A plena existência de ditos direitos fundamentais, quer de primeira, quer de segunda, terceira ou quarta geração, está insculpida em uma Constituição que, inclusive, aponta os mecanismos necessários para que sejam imediatamente aplicados e que não podem ser suprimidos pelo Poder Constituinte derivado - é o que se vê do artigo 60 da Constituição Federal.
Dentro deste espírito do exame constitucional do operador do direito, todos os textos infraconstitucionais devem-se adequar às garantias dos direitos fundamentais; em caso de infração, de atuação contrária aos ditos direitos, estão titulados o cidadão, as entidades de classe e o Ministério Público como autores diretos das ações constitucionais elencadas para que se efetivem e se tornem eficazes os direitos fundamentais acaso ameaçados ou violados.
Assentada, portanto, a clara natureza destes direitos referentes à previdência social, só com uma nova postura hermenêutica torna-se possível antever a pretendida concretização de tais direitos.
E é justamente aí que se torna absolutamente necessário conscientizem-se os operadores desta área da efetiva necessidade de adequação a estes novos conceitos”.
Liszt Vieira, em Cidadania e Globalização, assevera no capítulo 5 de seu livro tratando do direito e cidadania entre o moderno e o pós moderno:” A filosofia individualista do liberalismo fundamentou seu político nos direitos de primeira geração. Inspira-se, entre outras nas concepções de Locke, para quem o individuo precede o Estado. O governo, portanto, é para os indivíduos, e não o contrário. Por isso, o governo deve limitar-se a garantir os direito civis e políticos e evitar intrometer-se na atividade econômica, onde cada um, ao perseguir seus interesses individuais, contribuiria para o interesse coletivo pela ação da “mão invisível” de Adam Shimith, isto é pelo livre jogo das forças de mercado. A formulação conteporanea mais acabada do liberalismo é o pensamento  Hayek, com sua crença mítica no mercado como única solução para o problema da produção e distribuição de riquezas. Com seu desprezo pelos direitos sociais e pelo welfore state, o liberalismo não resolveu o problema social, econômico e político da desigualdade” .

Considerações finais

A existência de políticas públicas é de fundamental importância para uma sociedade organizada. O Estado possui o dever de desenvolver políticas que venham a atender as necessidades da sociedade. No caso vertente nos defrontamos com a existência de normas legais que amparam a estas necessidades sociais, porém o acesso as mesmas se tornam muitas das vezes inviável face à burocracia e a dificuldade que o cidadão possui em fazer valer seu direitos nos moldes pré estabelecidos por lei, o que acaba por inviabilizar o acesso ao direito em questão.
Negar ao cidadão, meios de exercer sua cidadania na mais pura acepção da palavra é vedar-lhe direito constitucional. Se existe uma forma, ainda que indireta de se provar algo real, concreto, como no caso em particular do rurícola e que não venha de modo algum de encontro com a norma, essa deve ser assegurada a quem de direito. Assim, abrindo-se essa possibilidade, a de provar algo que está estampado na sua face, mãos, pés e alma, estaria se devolvendo a esse cidadão o direito a dignidade da pessoa humana.
Tal prova é de suma importância, pois que devido à dificuldade encontrada para se comprovar o exercício da atividade rural, o implemento da política pública não se reveste da eficácia esperada para atender essa demanda social. O que pode acarretar como conseqüência a desmotivação de uma geração inteira a permanecer no campo, uma vez que a luta diuturna de seus pais sob o sol escaldante sobretudo do norte de minas não foi capaz de garantir-lhes o ingresso na terceira idade de forma digna. Em decorrência de tais fatos corre-se o risco do êxodo rural tomar mais impulso, aumentando muitas das vezes o processo de favelização dos municípios, diminuindo a riqueza circulante em determinada região, bem como trazendo problemas sociais de grande monta. Por mais simples que pareça, tal prova pode trazer grande desenvolvimento social, a região norte de minas que é predominantemente agrícola.
Os entraves existentes a garantia da efetividade das políticas públicas, como visto, vão desde à falta de conscientização dos cidadãos, até a burocratização do processo de concessão, o que traz à sociedade como um todo prejuízo grave, e de difícil reparação. Uma dívida social que vem crescendo a olhos vistos, e que infelizmente tem o condão de manter milhares e milhares de brasileiros em condições subumanas, fato, que se não contido, irá, em futuro não muito distante, causar uma crise tão grande na área social, que o preço a ser pago pelo resgate de tais direitos, será muito mais alto do que toda a sociedade possa imaginar.

Previdenciário

Mulher e Previdência Social

Leila Maria Raposo Xavier Leite
Circulou nos veículos de comunicação recentemente, um destaque sobre a pesquisa do IBGE que aponta serem as mulheres chefes em aproximadamente 30% das famílias brasileiras. A mesma pesquisa ainda refere que em 2004, as trabalhadoras com até quatro anos de estudo recebiam, por hora, em média, 80,8% do rendimento dos homens com esse nível de escolaridade, enquanto aquelas com 12 anos ou mais de estudo recebiam 61,6% do rendimento-hora masculino.  Ou seja, há sim diferença no tratamento salarial para o trabalho da mulher. Além disso, foi verificado na pesquisa que 90% das mulheres brasileiras trabalham fora e ainda cuidam dos afazeres domésticos, que as mantêm ocupadas por mais 4,4 horas diárias.  Segundo IBGE, no estado do Amazonas, a população estimada em 2005 totaliza 3.232.330 habitantes. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNDA/2004 apresenta que 50,3% são homens e 49,7% são mulheres. Das pessoas com mais de 10 anos ocupadas, 62,6% são homens e 37,4% mulheres. Entre a população com 10 anos ou mais,  economicamente ativa,  temos: sem rendimento 20,5%; de 1/2 a 1 salário mínimo 21,6% e de 1 a 2 salários-mínimos 28,8%, ou seja, da população economicamente ativa amazonense, cerca de 70% se encontra com renda até dois salários mínimos.(www.ibge.gov.br)
Pelo exposto, fica claro o valor significativo do trabalho da mulher.  Seja jornada dupla, trabalho- casa ou trabalho-escola, é componente básico para manutenção da família. Resta então, ao poder público, garantir que essa trabalhadora, já infligida pelos percalços “naturais” decorrentes de seu trabalho, seja orientada quanto aos seus direitos previdenciários.
A Lei 8213/91 dispõe sobre o Plano de Benefícios da Previdência Social e estabelece diferenças pontuais relacionadas à segurada. Em que pese a Constituição Brasileira ter igualado homens e mulheres perante a lei, é princípio constitucional a Isonomia. Deve-se entender essa igualdade segundo definição de Rui Barbosa: “A verdadeira igualdade consiste em quinhoar desigualmente aos  desiguais, na medida em que se desigualam”.
A Constituição Federal aponta na Ordem Social, ao dispor sobre previdência, que atenderá, nos termos da lei, a proteção à maternidade, especialmente à gestante. Por conseguinte, há um benefício específico para mulher: salário maternidade. Esse benefício corresponde a uma prestação pecuniária substitutiva do salário por 120 (cento e vinte) dias para que fique junto ao filho, benefício com início até 28 dias anteriores ao parto. Observa-se que o fato gerador do benefício, em regra, é o parto. Destaca-se que está incluído o caso de natimorto. Mais ainda, há previsão de salário-maternidade de duas semanas na situação de aborto não criminoso. A Lei 10.421/02 incluiu o artigo 71-A, estendendo à segurada que vier adotar ou tiver a guarda judicial para fins de adoção, o recebimento do benefício, cujo período variará de acordo com a idade da criança adotada, isto é, se até 1(um) ano são 120 (cento e vinte) dias, se de 1 a 4 anos são 60 dias e se de 4 a 8 anos são 30 dias. Cabe o recebimento do benefício por cada emprego e não por cada criança. Significa dizer que se a mulher trabalha na empresa “X” e der a luz a trigêmeos, terá direito ao recebimento de 1(um) salário maternidade, e, se esta mesma mulher trabalhar em duas empresas “X” e “Y” fará jus a 2 (dois ) benefícios, um por cada empresa, não importando o número de crianças.
Com relação ao benefício aposentadoria, o tratamento diferenciado reside na redução de limite dos requisitos para o benefício. Na aposentadoria por idade, cujos requisitos são idade e carência (o número mínimo de contribuições necessárias - quinze anos), a idade exigida para mulher é 60 (sessenta) anos. Tem direito ao benefício aposentadoria por idade a mulher que contribuiu ao longo da vida durante 15 anos, seguidos ou intercalados (artigo 3º da Lei 10666/03), ao completar a idade de 60 anos.  Já na aposentadoria por tempo de contribuição, cuja exigência é o tempo de contribuição, a redução é no tempo de contribuição, que para mulher é 30 anos. Significa que obtém o direito a aposentadoria por tempo de contribuição a mulher que ao longo da vida completou 30 anos de contribuição. Observa-se que em ambos os critério, idade e tempo de contribuição, há redução de 5 (cinco) anos. Essa é a regra. Ocorre que atualmente estamos vivendo período de transição para quem já estava trabalhando na data da mudança das regras em 1991. Se o período é de transição, há regras de transição. Em 2006, a carência exigida para o benefício aposentadoria por idade é de 12 anos e seis meses de contribuição. Pertine lembrar a incidência do fator previdenciário, que constitui um índice incidente no cálculo do valor de benefício. Tal índice considera em sua formulação a expectativa de vida, aplicando acréscimos diferenciadores quando se tratar de mulher, conforme artigo 32, §14 do Decreto 3048/99.
O tratamento dado aos trabalhadores rurais sejam homens ou mulheres, é também diferenciado. O rurícola tem, no critério idade, uma redução de 5 anos seja homem ou mulher. Assim, quanto ao requisito idade, para o homem é 60 anos e para mulher 55 anos.  Para categoria de segurado especial, previsto no artigo 195, §8º da Constituição Brasileira, não há que se falar, atualmente, em tempo de contribuição. A exigência incide na comprovação de atividade rural. Esse contexto merece destaque no estado do Amazonas, pela dificuldade da trabalhadora da categoria segurada especial em obter documentos comprobatórios de sua atividade. Entendo que é questão cultural, em relação ao conhecimento da importância de se guardar documentos.. Ainda é pequena a consciência de trabalhadora rural, referindo-se a si mesma como doméstica ou do lar, e também pequena a participação sindical. O que se conhece é a participação junto ao sindicato do esposo ou companheiro, sendo ele sindicalizado, logo em nome dele a contribuição sindical, a qual seria um comprovante de atividade. Existem movimentos sociais em defesa da mulher trabalhadora rural, mas como já dito, de pequena adesão. No final de março próximo passado foi enviado ao Congresso Nacional pelo presidente Lula, o projeto de lei 6852/06, que dispõe sobre a categoria de segurado especial, bem como quanto a exploração de atividade de agropecuária. O projeto garante, por exemplo, que os trabalhadores em regime de economia familiar podem continuar a recolher para previdência de acordo com a comercialização do produto, não há mudança de regras quanto ao critério idade ou carência para o recebimento de benefícios. Lembra-se que segurado especial é a categoria previdenciária que acoberta a mulher indígena.
Destaca-se a alteração constitucional trazida com as Emendas Constitucionais 41/03 e 47/05 para o Regime Geral de Previdência. Na Emenda Constitucional 41/03 foi incluído os parágrafos 12 ao artigo 201, no sentido de que lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para trabalhadores de baixa renda. Na Emenda Constitucional 47/05 o artigo foi novamente modificado, alterando a redação do parágrafo 12 e incluindo o parágrafo 13, no sentido de que a Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo, sistema que terá alíquotas e carências inferiores às vigentes para os demais segurados do Regime Geral de Previdência Social. Os meios de comunicação deram ampla divulgação chamando, equivocadamente, de “aposentadoria da dona-de-casa”. Contudo não veio, até o momento, a lei reguladora. Observa-se que já existe no sistema uma categoria previdenciária específica  para os maiores de 16 anos que não exercem atividade profissional, como exemplo a dona-de-casa, que é a categoria de segurado facultativo.

Esses são os principais enfoques da mulher na previdência. As demais regras independem de observação quanto ao segurado ser do sexo masculino ou feminino, são as mesmas. Significa dizer que as regras para os demais benefícios como auxílio doença, aposentadoria por invalidez, pensão por morte são gerais.

Previdenciário

O direito do segurado a reabilitação profissional

Osvanor Gomes Carneiro

Resumo: Uma reflexão sobre a possibilidade da pessoa, que foi acometida por alguma doença ou acidente do trabalho, que causa incapacidade laborativa, para se reabilitar para a vida profissional.
Palavras chaves: Segurados. Habilitação. Reabilitação. Incapacidade.
SUMÁRIO: I – Introdução; II – Análise e Reflexão; III – Conclusão; IV – Bibliografia.
I - INTRODUÇÃO
Este trabalho tem objetivo de demonstrar a relevância e a necessidade da aplicação adequada desse Direito, para que o segurado portador de incapacidade receba tratamento de Habilitação e Reabilitação digno e seguro.
Tanto que o Legislador Original com intenção de assegurar aos segurados o Direito a Habilitação e Reabilitação, estabeleceu na Norma Constitucional que a Previdência Social garanta aos Segurados portadores de incapacidade esses Direitos.
Senão vejamos: o dispositivo constitucional no “artigo 203, que diz: A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
“IV – a habilitação e Reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária”; ... (grifo nosso)
Apesar desse direito estar previsto na seção da Constituição que trata da Assistência Social, a sua regulamentação foi promovida pela Previdência Social, no “artigo 89 da Lei n° 8.213/1991, que diz: Artigo 89. A habilitação e a reabilitação profissional e social deverão proporcionar ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios para a (re) educação e de (re) adaptação profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive.
Parágrafo único. A reabilitação profissional compreende:
a) fornecimento de aparelho de prótese, órtese e instrumentos de auxílio para locomoção quando da perda ou redução da capacidade funcional puder ser atenuada por seu uso e dos equipamentos necessários à habilitação e reabilitação social e profissional;    
b) a reparação ou a substituição dos aparelhos mencionados no inciso anterior, desgastados pelo uso normal ou por ocorrência estranha à vontade do beneficiário;
c) o transporte do acidentado do trabalho, quando necessário”.
Esses institutos também recebem uma definição mais ampla no artigo 137 do Regulamento da Previdência Social – RPS.
Portanto, este Direito está bem definido tanto na Norma Constitucional, como na Lei infraconstitucional, para assegurar corretamente esse Direito tão importante para o segurado incapacitado.
II – ANÁLISE e REFLEXÃO
Dessa maneira, verifica-se que o dispositivo legal em análise traz no seu texto o instituto da Habilitação e da Reabilitação, sendo que, segundo (ROCHA, Daniel Machado da; JUNIOR, José Paulo Baltazar, 2011, pg.299) é destinada para àqueles que nunca tiveram capacidade, já a Reabilitação é destinada para àqueles que perderam a capacidade laborativa causado por algum evento.
Assim, neste singelo trabalho trataremos somente do instituto da REABILITAÇÃO (nosso grifo), que é destinada para o trabalhador segurado que perde sua capacidade para o trabalho causada por alguma doença ou acidente do trabalho.    
Desse modo, o segurado acolhido por estes eventos poderão ser amparados pela Previdência Social através dos meios disponibilizados nos “artigos 137 a 141 do Regulamento da Previdência Social”, que asseguram:
- a reabilitação do segurado para a sua função primitiva ou adaptação em outra função condicionada aos aspectos psicossocial, profissional e cultural do segurado;
- fornecimento de aparelhos quando necessário;
- inclusive a disponibilidade de transporte, alimentação e condução, para segurado submetido a tal processo;
- com o encerramento do tratamento de reabilitado será emitido Certificado atestando a plena capacidade do segurado para o mercado de trabalho;
- caso o segurado não tenha condição de recuperar-se sua capacidade laborativa, receberá o amparo do beneficio da aposentadoria por invalidez.
Estes benefícios estão todos previstos nos dispositivos legais mencionados acima.
Como narrado acima, os dispositivos legais citados, deveriam assegurar plenamente aos segurados que necessitam tais benefícios.
Mas, na verdade não é o que ocorre apesar do segurado incapacitado ter, esse Direito assegurado na legislação, a grande maioria, desses Segurados não conseguem terem acesso a esses benefícios, tanto por desconhecimento, como por omissão da própria Autarquia Previdenciária, que tem o dever de ampará-los.
E, este ponto foi exposto brilhantemente pelo (Ilustre Professor e Doutor GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira de., em aulas ministradas no curso de Pós Graduação de Direito Previdenciário. Legale Cursos Jurídicos - 2010 e MBA Previdenciário na Faculdade Legale – 2011), relatando que a maioria dos segurados incapacitado para o trabalho, não passam pelo tratamento de reabilitação, ficando prejudicado a sua recuperação.
Continuando com base em aulas ministradas pelo (Professor e Doutor GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira de., nos Cursos de Pós Graduação e MBA Previdenciário, na Faculdade Legale – 2011), foi exposto em sua palestra, que poucos segurados portadores de incapacidade laborativa têm acesso ao tratamento de reabilitação, quadro este, que acaba onerando espantosamente o caixa da Previdência Social, pois, todos esses segurados portadores de incapacitados para o trabalho, que, não são submetidos ao processo de reabilitação, são equivocadamente considerados incapacitados para as atividades laborativas.
A partir desse momento, esses segurados passam a engrossar o número de aposentados por invalidez, e, consequentemente deixando de contribuir com a sua força de trabalho para o desenvolvimento do País, e inchando o Sistema Financeiro Previdenciário.
Salienta ainda, que inspirado nas aulas ministrada pelo (Nobre Professor e Doutor GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira de., nos Cursos de Pós Graduação e MBA Previdenciário, na Faculdade Legale – 2011), foi dito que, nos casos, em que os segurados incapacitados para o trabalho fossem submetidos a um processo de reabilitação, em que a Previdência Social adotasse corretamente todos os procedimentos necessários, que possibilitasse a recuperação do segurado, neste caso, ambos os lados teriam vantagens.
Tendo em vista, que a Previdência Social adotando essas medidas adequadamente proporcionaria a possibilidade de uma quantidade maior de pessoas portadoras de incapacidade laborativas recuperarem-se, e, consequentemente, desoneraria o seu caixa.
E, o segurado recuperado teria novamente a possibilidade de acessar o mercado de trabalho, e retomar sua convivência social normalmente.
Por isso, a importância da aplicação do tratamento de reabilitação dentro dos padrões adequados, pois, ele proporcionará o restabelecimento de uma grande parcela de segurados incapacitados para o trabalho, dando nova oportunidade para esses segurados.
Devendo frisar, que, estes segurados reabilitados também readquirem a sua condição de exercer as atividades laborativas, e, a partir daí estão pontos para retornarem ao mercado de trabalho, passando a contribuir para o desenvolvimento do País.
Outro ponto positivo, esse segurado reabilitado deixa de ser um ônus para a Previdência Social, e, volta na condição de contribuinte, auxiliando no fortalecimento do Sistema Financeiro Previdenciário.
É, bom também ressaltar, que os benefícios desse processo de reabilitação, não é somente no aspecto econômico, devendo considerar, que o mais relevante neste quadro, é a possibilidade do segurado retornar ao mercado de trabalho, eis que, esse fato já reacende a expectativa de desenvolvimento, e de melhora suas de condições de vida, além de elevar a alta estima e a esperança de um futuro melhor, para este segurado reabilitado.
Assim, espelhado nesse raciocínio do Mestre (GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira de., do Cursos de Pós Graduação e MBA Previdenciário, da Faculdade Legale – 2011 e 2012), nos revela a importância desta valiosa ferramenta, que, quando utilizada corretamente produz frutos tanto para o segurado como para a Autarquia Previdenciária, além de garantir a sobrevivência da Previdência Social, para as gerações futuras.
Estes fatos nos leva a refletir a respeito da responsabilidade de cada cidadão, e, principalmente dos operadores do Direito, que devemos efetivamente acompanhar, fiscalizar e exigir uma prestação do serviço público com celeridade, eficiência e qualidade, com o fim de garantir e preservar um Direito tão relevante.
III – CONCLUSÃO
Conclui-se que a reabilitação deriva do texto Constitucional, com o objetivo de assegurar que a Previdência Social proporcione todas as condições necessárias, para que o segurado incapacitado para o trabalho receba o tratamento necessário, para que tenha a possibilidade de se recuperar, nos termos da Lei infraconstitucional.
Como vimos, apesar da Previdência Social estar incumbida de promover e disponibilizar esse tipo de serviço para os segurados que dele necessitarem, mas, esse serviço não é prestado com a qualidade e eficiência necessária, prejudicando os segurados que tanto necessitam desse serviço, com a esperança de recuperar seu estado de saúde e servir o seu País com a sua força de trabalho.
Dessa maneira, essa ineficiência da Autarquia Previdenciária causa resultados negativos tanto para os segurados que não recebem o atendimento adequado, como para a própria Previdência que acaba onerando indevidamente o seu cofre, inclusive essa ineficiência, nessa prestação de serviço refletirá nas gerações futuras, se nenhuma medida for adotada para rever essa postura inadequada da Autarquia Previdenciária.
Portanto, atualmente, esse procedimento adotado pela Previdência Social, para a Reabilitação de segurados incapacitados para o trabalho não atende as necessidade deste tipo de tratamento, devendo ser revisto tal procedimento.

Previdenciário

A solidariedade social e a contributividade como alicerces da Previdência Social dos servidores públicos civis

Rodrigo Felix Sarruf Cardoso
Sumário: 1. Introdução 2. O Papel dos Princípios no Ordenamento Jurídico 3. A Solidariedade como Mecanismo de Distribuição de Justiça na Previdência Social 4. A Contributividade como meio de Atingir o Equilíbrio Financeiro e Atuarial 4.1. A Natureza das Contribuições Previdenciárias 5. Conclusão 6. Notas 7. Referências Bibliográficas
Palavras-chave: Previdência Social – Solidariedade – Contributividade.
1. Introdução
A Previdência Social surgiu da idéia de instituição de um Estado voltado para o bem-estar social (Wellfare State).A previdência, que é espécie do gênero Seguridade Social surgiu então para garantir o bem-estar dos trabalhadores que, por algum fator (idade avançada, doença e etc.) não pudessem mais laborar.
Em 24 de janeiro de 1923, foi editado o Decreto nº 4.682, que deu início ao seguro social financiado pelos próprios interessados. Também chamado de Lei Eloy Chaves, em homenagem ao Deputado que foi um de seus maiores defensores, o Decreto, que criou as Caixas de Aposentadorias e Pensões – CAPs - para os ferroviários, foi a primeira norma previdenciária a ser editada no Brasil, e permitia a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões para as demais categorias profissionais.
Após o ano de 1933, com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, as então existentes CAPs passaram a ser substituídas pelos diversos Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAPs – que iam sendo criados e que agrupavam as categorias de trabalhadores e desvinculou-se dos empregadores[1]. Na medida em que esses institutos eram criados, foram sendo elaboradas leis especiais, sem que estas guardassem unidade entre elas, isso porque além do fato dos desejos, reivindicações e condições das categorias serem distintos, havia a constante necessidade de adequar as novas leis aos métodos e princípios mais modernos[2].
No âmbito constitucional, foi a Carta da República de 1934[3] que pela primeira vez abordou o tema da previdência prevendo a proteção social do trabalhador sem prejuízo à instituição da previdência mediante contribuições idênticas por parte da União, do empregador e do empregado. Posteriormente, a Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, denominada Lei Orgânica da Previdência Social, organizou em um único instrumento legal toda a legislação referente à Previdência Social existente à época.[4]
A legislação sobre a seguridade social dos servidores públicos estaduais e municipais não tinha uma estrutura consolidada antes da Carta da República de 1988, apresentando-se, então, sem o devido tratamento. De maneira geral, o pagamento dos proventos de aposentadoria corria a cargo do tesouro, enquanto as pensões tinham fonte de custeio próprio, mediante contribuições compulsórias aos respectivos governos.
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 5 de outubro de 1988, a Carta Maior dedicou um capítulo inteiro à Seguridade Social, que engloba, além da previdência social, a saúde e a assistência social. Dispõe a Carta da República, em seu artigo 194, que “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.[5]
A previdência social é destinada à proteção dos trabalhadores e conta com três segmentos, a saber: o primeiro, de atendimento universal que tem como alvo os trabalhadores privados é denominado Regime Geral de Previdência Social; o segundo, destinado aos trabalhadores públicos vinculados à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, intitulado de Regime Próprio de Previdência Social; e, por fim, o chamado Regime de Previdência Complementar, que é aquele que visa prover ao segurado aquilo que o Regime Geral, ou mesmo o Regime Próprio, não oferece.[6]
A vertente contributiva da seguridade social no Brasil é a previdência social, que não só tem o caráter contributivo como também é de filiação obrigatória.
O atual regime de previdência dos servidores públicos do Estado – Regime Próprio de Previdência Social – foi instituído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, que, dando nova redação ao artigo 40 da Constituição da República, previu um sistema de caráter contributivo, sendo certo que anteriormente as contribuições recolhidas pelos servidores eram quase que exclusivamente destinadas ao financiamento das pensões e dos benefícios assistenciais, ficando a cargo do erário o custeio das aposentadorias[7].
 Verifica-se que, num primeiro momento, o principal objetivo por trás da criação dos regimes próprios dos servidores públicos pelos estados e municípios é “fugir” do recolhimento das contribuições aos cofres do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Contudo, a criação do regime próprio apresenta inúmeras vantagens, como a vinculação dos recursos - que são contabilizados em separado - ao pagamento de benefícios e a possibilidade de eventuais sobras desses recursos serem capitalizadas para garantir o pagamento dos benefícios futuros. Desta forma, o gestor tem o controle orçamentário, financeiro e patrimonial da situação previdenciária do seu município ou estado, o que não ocorre quando o ente federativo está vinculado ao Regime Geral de Previdência Social[8].
A previdência social dos servidores públicos civis mereceu, por parte do legislador constituinte derivado, tratamento diferenciado que foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 20/98 e, posteriormente, aperfeiçoado pela Emenda Constitucional nº 41/03. Tais emendas inseriram princípios fundamentais à saúde econômico-financeira do sistema previdenciário imposto ao servidor público.
Com a redação introduzida pela Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, o artigo 40 passou a atribuir, de forma expressa, além do caráter contributivo, o caráter solidário à previdência social dos servidores públicos[9].
Através do que ficou conhecida como “reforma da previdência”, o constituinte trouxe de forma cristalina para a previdência social dos servidores públicos, a norma instituída no artigo 3o, inciso I, da Constituição da República, que elege expressamente a justiça e a solidariedade como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
Na previdência social não basta que haja a contingência prevista em lei, sendo condição sine qua non que o trabalhador esteja filiado ao regime para vir a ser beneficiado. Destarte, é nítido que o regime previdenciário do servidor sobrevive das contribuições vertidas pelos segurados e dos “patrocinadores”, diferenciando-se, assim, da assistência social, que não depende da contribuição do assistido para que este possa desfrutar do sistema.
Note-se que o Regime Próprio de Previdência Social - RPPS - não admite a inclusão de servidores que ocupem exclusivamente cargos em comissão que possam ser livremente nomeados ou exonerados, bem como daqueles trabalhadores que ocupem cargos temporários ou detenham emprego público. Tais servidores, por força do parágrafo treze do artigo 40 da Carta da República[10], devem, obrigatoriamente, se filiar ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS.
2 – O Papel dos Princípios no Ordenamento Jurídico
O Direito é norma, que é ato advindo do Estado que tem caráter imperativo e força coativa[11]. Nesse sentido, o eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal EROS ROBERTO GRAU[12] vai dizer que “norma jurídica é gênero no qual se incluem, como espécies, as regras e os princípios gerais do Direito”.
A doutrina clássica impôs o entendimento de que as normas se confundiam com as chamadas regras de conduta e que os princípios exerciam um papel secundário no intuito de preenchimento de lacunas deixadas pelo legislador e utilizados apenas como meros instrumentos para sua interpretação.
O pós-positivismo trouxe a definição das relações entre valores, princípios e regras, que são aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional. Para o renomado constitucionalista LUIS ROBERTO BARROSO[13], “o discurso acerca dos princípios, da supremacia dos direitos fundamentais e do reencontro com a Ética – ao qual, no Brasil, se deve agregar o da transformação social e o da emancipação – deve ter repercussão sobre o ofício dos juízes, advogados e promotores, sobre a atuação do Poder Público em geral sobre a vida das pessoas. Trata-se de transpor a fronteira da reflexão filosófica, ingressar na dogmática jurídica e na prática jurisprudencial e, indo mais além, produzir efeitos positivos sobre a realidade”.
Hodiernamente, a doutrina e jurisprudência pátria são uníssonas ao reconhecer o papel fundamental e imperativo dos princípios para a aplicação do Direito. De acordo com essa corrente, os princípios deixam de ser meros instrumentos de interpretação, passando a ser a própria forma de expressão das normas, que são subdividas em regras e princípios[14]. Nessa trajetória de mutação, os princípios deixaram de ser vistos em sua dimensão meramente axiológica, sem força jurídica. Eles - assim como as regras - têm força imperativa, devendo ser observados em qualquer conduta, o que demonstra que seu caráter é normativo e não meramente informativo. Assim, qualquer ato praticado sem a observância dos princípios é inválido.
Na definição do saudoso professor MIGUEL REALE[15], princípios são “verdades fundantes de um sistema de conhecimento”. Devido ao grau de generalidade dos princípios, estes impõem diretivas comportamentais que devem ser aplicadas conjuntamente com as regras.
Os princípios são, por assim dizer, normas fundamentais do sistema jurídico e, como tais, o norte do qual o intérprete não pode se afastar. Eles estão proclamados na própria norma – como é o caso dos princípios constitucionais-administrativos insculpidos no art. 37, caput, da Carta da República - ou então são extraídos do conjunto das normas vigentes em determinado ordenamento.[16]
Nas palavras de ROBERT ALEXY[17]:
princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Por isso, são mandados de otimização, caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, mas também das jurídicas. O âmbito do juridicamente possível é determinado pelos princípios e regras opostas.
É de se supor a aproximação entre o reconhecimento da normatividade dos princípios e a aceitação da idéia de que todas as normas constitucionais são dotadas de imperatividade e eficácia. Esse reconhecimento de normatividade dado aos princípios e a distinção qualitativa em relação às regras é uma marca do pós-positivismo.[18]
Assim, podemos afirmar que o ponto de vista daqueles que vêem o Direito como um sistema puramente de regras não é o bastante para explicar todas as dimensões do fenômeno normativo.[19]
Os princípios constitucionais traduzem os direitos do homem e os grandes princípios de justiça. Eles impõem ao legislador, aos magistrados, à administração pública e aos particulares, a aplicação do Direito de acordo com os valores por eles espelhados, pois são normas consagradoras de determinados valores ou apontam objetivos públicos que devem ser atingidos através do emprego de meios distintos.
Como conseqüência lógica da imperatividade dos princípios, os conflitos entre dois ou mais princípios no estudo de determinados casos começaram a surgir, o que foi sendo encarado com certa naturalidade. Sempre que houver conflitos entre princípios, a divergência será solucionada de maneira absolutamente distinta daquela dada ao conflito entre regras. Quando há divergência entre as regras, esta ocorre no âmbito da validez, fazendo com que uma delas receba a chamada ‘cláusula de exceção’ visando eliminar o conflito, ou mesmo seja declarada inválida.[20] Já no conflito entre princípios, haverá uma flexibilização, devendo um deles ceder em relação ao outro, somente na solução do caso em que se der o confronto.[21]
No que diz respeito aos princípios, o embate se dá no âmbito do peso. Valendo-nos uma vez mais dos ensinamentos de LUIS ROBERTO BARROSO[22], podemos afirmar que quando os princípios entram em tensão dialética, apontando direções divergentes, deve-se aplicá-los mediante ponderação.  O intérprete deverá, mediante o caso concreto, verificar o peso que cada princípio desempenhará no evento, fazendo concessões recíprocas, preservando o máximo possível de cada um deles, sem que seja afastada por completa a aplicação de um deles.
3 – A Solidariedade como Mecanismo de Distribuição de Justiça na Previdência Social
A idéia de solidariedade não surgiu recentemente. Desde os tempos de Jesus Cristo - que pregava a doação aos necessitados - encontramos registros no sentido de que os homens devem ser solidários uns com os outros[23]. Outro momento remoto em que a solidariedade já se evidenciava data da revolução francesa, cujo lema "igualdade, fraternidade e liberdade", trouxe o espírito de apoio aos mais necessitados, espírito esse que prevalece até os dias de hoje, embora predomine o sistema capitalista.
Não demorou muito para a solidariedade ser introduzida no estudo do Direito, surgindo em diversos ramos do direito civil, tais como o contratual e o da responsabilidade civil, passando a ser um instituto comumente de distribuição de direitos e, principalmente, deveres. Corolário da chamada “solidarização” no direito é o aparecimento do sistema de seguridade social, que se funda na estruturação do direito através da solidariedade social. No direito brasileiro, a solidariedade não é presumida, resultando de estipulação legal ou da vontade das partes. Assim, não se admite a aplicação da solidariedade por analogia.[24]
O renomado Procurador Regional da República, DANIEL SARMENTO[25], nos ensina que se a Constituição não pode tudo, alguma coisa ela há de poder. Uma dogmática constitucional comprometida com a justiça distributiva, a inclusão social e a solidariedade, pode dar alguma contribuição para a construção de um país menos injusto.” Nessa linha, podemos afirmar que a solidariedade social prevista no inciso I do artigo 3º da Constituição da República é um dos mecanismos impostos pelo legislador constituinte visando minimizar essa desigualdade social[26] decorrente de fatores sociais produtivos e redistributivos, fazendo com que aqueles que “podem mais” contribuam, mesmo que indiretamente, para a melhoria de vida daqueles que “podem menos”. Outro não é o ensinamento de WLADIMIR MARTINEZ NOVAES[27] ao dizer que sendo “princípio técnico, a solidariedade significa a contribuição de certos segurados, com capacidade contributiva, em benefício dos despossuídos”. Portanto, nítida é a dicção do artigo 195 da Constituição da República no sentido de que o financiamento[28] da seguridade social será garantido pela sociedade.
A solidariedade social se aproxima do conceito de justiça distributiva que visa promover a redistribuição igualitária dos direitos, dos deveres, das vantagens e da riqueza aos membros que compõem a sociedade. O que norteia a escolha de critérios para a distribuição da justiça social são juízos de conveniência social e não os de direitos individuais. Nesse contexto, o princípio da solidariedade vem assegurar, no campo da previdência social, a distribuição dos encargos inerentes ao custeio do sistema entre seus participantes atuando como meio apropriado de consecução do equilíbrio atuarial e financeiro dos regimes.
Cientificamente, solidariedade é técnica imposta pelo custeio e exigência do cálculo atuarial, não sendo uma instituição típica da Previdência Social. Principiologicamente, quer dizer união de pessoas em grupos, universalmente consideradas, contribuindo para a sustentação econômica de indivíduos em sociedade que, por sua vez, em dado momento também contribuirão para a manutenção de outras pessoas, e assim sucessivamente[29]. É a solidariedade que permite e justifica, por exemplo, uma pessoa poder aposentar-se no Regime Geral por invalidez com apenas doze contribuições mensais ou tão logo comece a trabalhar, no caso de invalidez decorrente de atividade relativa ao trabalho[30], vez que todos os indivíduos incluídos no sistema financiarão este benefício.
A contribuição de seguridade social, conforme veremos mais adiante, é espécie tributária que visa à obtenção do dito financiamento. As contribuições previdenciárias são, manifestamente, espécies de contribuição de seguridade social e, como tais, não objetivam financiar apenas o benefício de aposentadoria daquele que efetua seu recolhimento, mas sim o financiamento da seguridade social como um todo, dentro da qual se encontra a previdência social.
Esse financiamento tem como marca a solidariedade. WLADIMIR NOVAES MARTINEZ[31] salienta que:
Solidariedade quer dizer cooperação da maioria em favor da minoria, em certos casos, da totalidade em direção à individualidade. Dinâmica a sociedade, subsiste constante alteração dessas parcelas e, assim, num dado momento, todos contribuem e, noutro, muitos se beneficiam da participação da coletividade. Nesta idéia simples, cada um também se apropria de seu aporte. Financeiramente, o valor não utilizado por uns é canalizado por outros.
O princípio da solidariedade sustenta a idéia de previdência social, pois é através dele que se impede a adoção de um sistema puramente de capitalização em todos os seus segmentos, vez que o mais bem-sucedido deve contribuir mais do que o desafortunado.
 A solidariedade social e a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro fundamentam a instituição da cobrança da contribuição previdenciária não só dos servidores públicos ativos, como também dos inativos e dos pensionistas, que não possuem apenas direitos, mas também obrigações junto ao sistema que os mantém, qual seja o regime próprio a que estão vinculados.
É esta solidariedade social que autoriza a obrigatoriedade da filiação ao sistema previdenciário e, ainda, o pagamento da contribuição financeira que o alimenta. O legislador constituinte, atento a este princípio e preocupado com o equilíbrio financeiro e atuarial daquele sistema, firmou no próprio Texto Constitucional, e agora de maneira taxativa, a obrigação dos servidores inativos e pensionistas de participarem do seu custeio. Tal obrigação demonstra, como já dissemos, que o sistema previdenciário público passou a ter, com o advento da Emenda Constitucional nº 20/98, caráter contributivo, exigindo-se agora “tempo de contribuição” no lugar do “tempo de serviço”[32].
Ao ser imposto tanto ao Estado quanto aos membros de sua sociedade o dever de erigir uma sociedade solidária, o poder constituinte originário constitucionalizou um novo valor exigível, qual seja, a solidariedade jurídica, que passou a atuar em conjunto com aqueles já existentes. Surge assim o Estado Democrático e Social de Direito fundado na tentativa de erradicar a pobreza e a marginalidade social, como também na atribuição de valor social à livre iniciativa. A norma programática entalhada no art. 3º, I da Carta Magna pátria, na qual se traça o projeto de uma sociedade livre, justa e solidária, contraria a  perspectiva capitalista das sociedades mundiais e motiva a cobrança de contribuição na previdência social. Nesse aspecto, a Carta Magna elege a Previdência Social dentre os Direitos Sociais e base de sustentação da Ordem Social.
A solidariedade jurídica é a manifestação da distinção entre uma pessoa e outra, mas também é a dignidade de um pelo outro que, de mãos dadas, buscam garantir segurança para suas vidas. Assim, é a solidariedade juridicamente exigível que se impõe no chamado “subsistema” da seguridade social, qual seja o da previdência social, não sendo e nem podendo ser a inatividade motivo de indignidade, tampouco de indignação. Dessa forma, impõe-se o acolhimento desse princípio como garantidor da remodelação do sistema constitucional da seguridade concebido hodiernamente, inclusive no constitucionalismo brasileiro inaugurado em 1988.[33]
4 – A Contributividade como Meio de Atingir o Equilíbrio Financeiro e Atuarial
A Previdência Social funciona como um seguro coletivo contra os chamados riscos sociais, tais como a doença e a invalidez[34]. O artigo 201 da Carta Magna traz duas das principais características desse subsistema: a contributividade e a filiação compulsória. Como todo seguro, a previdência também deve se sustentar com seus próprios recursos, quais sejam, as contribuições vertidas para o sistema. Desta forma, deve buscar tanto o equilíbrio financeiro – no qual há compatibilização entre receita e despesa - como o equilíbrio atuarial – em que se dimensiona um plano de custeio compatível com o plano de benefícios oferecido.
Como é notório, o sistema previdenciário existente não era sustentável, notadamente porque financiava a renda de populações que não contribuíram, ou não contribuíram proporcionalmente, para o fundo comum ao longo dos anos. Historicamente, aportes financeiros da previdência social foram desviados de seu destino sendo transferidos, mormente, para custeio de obras públicas, comprometendo a base de sustentação atuarial dos benefícios futuros devido a sua redução significativa e até mesmo pelas escandalosas fraudes praticadas contra o Seguro Social, com desvio e apropriação de quantias vultosas.[35] Inobstante eventuais culpas pela situação em que o sistema previdenciário chegou, fato é que a sangria deve ser estancada.
As sociedades modernas já detectaram que para a sobrevivência da previdência social, deve haver um planejamento consistente mirando muitas décadas à frente com o objetivo de ser capaz, ao longo do tempo, de cumprir todas as obrigações devidas aos participantes do sistema. Para tanto, mister que o sistema previdenciário brasileiro – principalmente o público – passasse por uma revisão do modelo que desencadeasse na redução do déficit e tornando-o viável.
Foi a Emenda Constitucional nº 20/98 que trouxe para a redação do caput do artigo 40 da Constituição da República, além da regra geral do equilíbrio financeiro e atuarial, o princípio da contributividade. Esses elementos hoje se encontram tanto em normas constitucionais como infraconstitucionais.
Antes do advento da Emenda Constitucional nº 20/98, os regimes próprios de previdência social não possuíam o caráter contributivo, pois o entendimento até então predominante era de que os proventos de aposentadoria eram “vencimentos diferidos”. Tal entendimento se justificava pelo fato de que os servidores recebiam durante a atividade valores abaixo dos de mercado, tendo na aposentadoria a vantagem de receber sua última remuneração na integralidade, o que seria uma espécie de compensação pela defasagem salarial existente entre os vencimentos pagos na esfera pública e os salários pagos no âmbito privado. [36]
O histórico numérico da previdência pública no Brasil demonstra que as maiores dificuldades de custeio dentre os modelos existentes encontram-se nos regimes próprios dos servidores públicos (considerando-se além desse, o regime público voltado para os empregados celetistas e os de previdência complementar, que se dividem em abertos e fechados). Esses regimes, que em sua maioria são de repartição simples[37] e vinculados ao tesouro da União, dos Estados e dos Municípios, já se apresentavam deficientes muito antes do advento da atual Constituição da República, pois funcionavam sem a observância do equilíbrio atuarial, ficando periclitante a situação dos regimes próprios após a promulgação da Carta de 1988.[38]
Mas foi a partir da “reforma da previdência”, que o Regime Próprio de Previdência Social, assim como o Regime Geral de Previdência, passou a contar com contabilidade própria voltada a assegurar o equilíbrio financeiro e atuarial (artigos 40 e 201 da CRFB), o que deve ser mantido tanto pela contribuição vertida pela entidade estatal à qual o servidor estiver vinculado, quanto pelos próprios servidores. A própria Constituição da República impõe a eqüidade[39] na forma de participação no custeio, a fim de que este se dê segundo “critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial” sem que a condição do contribuinte seja ignorada.[40]
Assim, como apenas os servidores em atividade contribuíam para o regime previdenciário, não havia fórmula viável para que o sistema se tornasse auto-sustentável. Para que as contas fossem equilibradas sem que se mexesse nas regras então existentes - como parte do funcionalismo reivindicava quando a então Proposta de Emenda à Constituição tramitava no Congresso Nacional - cada servidor deveria contribuir com quase um terço do seu salário (cerca de 28%) e o aporte do governo seria de aproximadamente 56% (hoje a contribuição oficial é de 22%).[41]
Através da Emenda Constitucional nº 41/03, foi instituída a chamada “taxação” dos inativos e pensionistas[42], o que aparentemente violaria a Constituição Federal por supostamente ferir o direito adquirido daqueles que já se encontravam na situação de aposentados ou pensionistas no momento da edição da referida Emenda.
Dados divulgados pelo Ministério da Previdência demonstraram que, no ano de 2002 o pagamento de aposentadorias e pensões dos servidores públicos comprometeu aproximadamente R$ 39 bilhões dos tributos recolhidos dos contribuintes brasileiros, enquanto o Instituto Nacional do Seguro Social precisou de R$ 17 bilhões para fechar suas contas e cumprir seus compromissos com os cerca de 19 milhões de beneficiários do sistema.[43]
O Ministério da Previdência, através do seu corpo técnico, valeu-se dessa situação fático-numérica – que representava as distorções de um sistema previdenciário ultrapassado, concentrador e injusto – utilizando-a como um argumento forte, capaz de justificar a cobrança dos inativos e outras mudanças previstas no texto da “Reforma Previdenciária”, enquanto seus críticos diziam que os números simplesmente revelavam a impossibilidade de se atingir um equilíbrio financeiro e atuarial e, por conseqüência, apontavam a falência do sistema[44].
NORBERTO BOBBIO[45] já afirmava que “não se pode afirmar um novo direito em favor de uma categoria de pessoas sem suprimir algum velho direito, do qual se beneficiavam outras categorias de pessoas: o reconhecimento do direito de não ser escravizado implica a eliminação do direito de possuir escravos; o reconhecimento do direito de não ser torturado implica a supressão do direito de torturar”.
Como Maquiavel já alertava em suas quase proféticas palavras: “Deve-se considerar que não há nada mais difícil, nem de resultado mais duvidoso e perigoso, do que mudar as leis de um povo, porque esta transformação terá forte resistência dos que se beneficiam das leis antigas”[46]
Com a reforma da previdência não foi diferente, e os aposentados e pensionistas opuseram forte resistência às mudanças impostas pela reforma previdenciária imposta pela Emenda Constitucional n° 41 de 19 de dezembro de 2003.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI da ‘Reforma da Previdência’, que pretendia ver declarada a inconstitucionalidade da cobrança de contribuição previdenciária dos inativos, decidiu, por maioria, pela improcedência da ação em relação ao caput do artigo 4º da Emenda Constitucional nº 41/03.
A superveniência da decisão da Corte Suprema, declarando constitucional a contribuição previdenciária dos inativos e pensionistas, permitiu, como se sabe, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituíssem a cobrança de contribuição previdenciária daqueles, afastando tão-somente a cobrança diferenciada prevista nos incisos I e II do já referido artigo 4º da dita Emenda. Tal posicionamento da Corte Constitucional do Brasil reforça a idéia de que a solidariedade norteia a previdência social, inclusive a do sistema dos servidores públicos.
Note-se que as contribuições vertidas pelos servidores e pelos respectivos entes não eram suficientes para que houvesse o equilíbrio atuarial dos regimes e, por inúmeras vezes, sequer eram repassadas aos fundos previdenciários, o que evidenciava a necessidade de se impor o princípio da contributividade na previdência social, vez que as contribuições dos servidores eram destinadas ao custeio das pensões previdenciárias[47].
Prova de que a “Reforma da Previdência” visa, através da contributividade, ao equilíbrio atuarial é a instituição do abono de permanência, segundo o qual o servidor continua a recolher as contribuições previdenciárias para os cofres do Fundo de Previdência, embora receba dos cofres públicos valor correspondente ao recolhido.[48]Desta forma, o caixa do Regime Próprio continua a arrecadar recursos para sua capitalização.
A manutenção dos regimes próprios depende da contribuição de seus participantes – servidores ativos, inativos e pensionistas – para que se sustentem. Os regimes próprios, portanto, devem observar contribuições previdenciárias para o custeio dos benefícios concedidos, não se tratando de uma faculdade trazida à baila pelo legislador constituinte derivado, pois sua inobservância acarretaria em prejuízos aos contribuintes de uma maneira geral, vez que o déficit sempre será suportado por todos.
O estudo atuarial é fundado em estatísticas e técnicas matemáticas, buscando não só o equilíbrio de receitas e despesas hodiernas, como também sua conservação futura, uma vez que os contribuintes de hoje serão os beneficiários de amanhã. Por essa razão é que a Constituição da República veio a determinar o planejamento atuarial, pois, caso contrário, se teria de conviver com possíveis “rombos” financeiros que poderiam comprometer toda a estrutura do Fundo.
É, portanto, para garantir o direito dos beneficiários - atuais e futuros - que se impõe o equilíbrio atuarial da previdência social. Isso significa que é essa garantia que há de marcar a organização do regime previdenciário, e não a preocupação prioritária com as finanças públicas, ainda que seja acertado, ao mesmo tempo, que o aspecto financeiro seja imprescindível para a eficácia daquele direito.
Notório é o fato de que qualquer instituto de previdência, seja ele público ou privado, tem como comprometimento primordial o de sustentar-se estabilizado – através do equilíbrio financeiro e atuarial - a fim de manter condições de cumprir suas obrigações para com os aposentados e pensionistas filiados ao seu regime[49].
A obrigação de se respeitar o equilíbrio financeiro-atuarial e a exigência de contributividade para a estruturação do sistema previdenciário assentam-se na circunstância de haver uma massa de beneficiários que montava, antes do advento da Emenda Constitucional nº 20/98, apenas no âmbito da previdência da União, a 42% do total de despesas com pessoal, sendo que, em 1990 - portanto, antes da implementação do regime jurídico único dos servidores - esse percentual girava em torno de 20%[50].
Com o aumento significativo de beneficiários vinculados aos regimes, os números desembolsados pelos respectivos tesouros (Federal, Estaduais e Municipais) passaram a representar um risco de proporções astronômicas, vez que não havia um custeio prévio, seja estatal, do servidor ou de ambos.
Ao que parece, no entanto, não só a ausência de um plano atuarial consistente, mas também o descumprimento das regras constitucionais – seja no tocante ao pagamento das contas existentes com os institutos públicos de previdência, seja no que se refere à regulamentação das normas que imprimiam a obrigação dos sistemas se compensarem entre si - cooperaram, de maneira indubitável e expressiva, para a ruína financeira e atuarial do sistema previdenciário[51].
Como se vê, há que se pressupor a contribuição, pois, sem ela, não há como o fundo de previdência se sustentar, uma vez que é requisito essencial que haja o respectivo custeio[52] e não seria justo transferir ao tesouro a incumbência de financiar toda a previdência social dos servidores públicos civis. Isso porque um dos princípios que vem ganhando força na doutrina moderna é o da reserva do possível, segundo o qual determinadas funções (tais como, e mormente, a implementação e manutenção dos Direitos Sociais) competem, de fato, ao Estado, mas sem se afastar de sua realidade financeiro–econômica.[53]
Para J.J GOMES CANOTILHO[54], a efetivação dos direitos sociais - sendo o direito à previdência social um desses direitos[55] – deve observar uma “reserva do possível” e aponta sua conexão com os recursos econômicos. A realização dos direitos sociais estaria sempre atrelada à disponibilidade de recursos passíveis de serem mobilizados para esse fim.
Nessa linha, a restrição do emprego de recursos públicos passa a ser considerada um verdadeiro limite à efetivação das prestações dos direitos sociais por parte do Estado[56]. O ente público deve sempre ponderar os interesses envolvidos, deixando, sempre que houver insuficiência de recursos, a cargo do particular o ônus de determinadas prestações que, em princípio, caberiam ao Estado.
Quaisquer que tenham sido as causas que conduziram ao brusco aumento do número de beneficiários desde a implantação do regime jurídico único dos servidores, judicioso é que a passagem significativa de servidores públicos à inatividade, sem que houvesse uma segurança do custeio dos recursos voltados ao seu acolhimento, desencadeou no malfadado desequilíbrio financeiro e atuarial. Foi na tentativa de reestruturar o sistema previdenciário que, em 16 de dezembro de 1998, o Governo Federal deu inicio a uma série de medidas para remodelar a previdência social, com o intuito de sanar as contas da previdência social, considerada o “patinho feio” dos governos federal, estaduais e municipais.
Assim, reconhecendo-se a contributividade como ‘nova’ via de financiamento no quadro do sistema previdenciário, deve-se preservar uma base de relação sinalagmática direta entre a obrigação legal-constitucional de contribuir e o direito às prestações previdenciárias. De fato, só o sinalagmatismo do princípio da contributividade pode acentuar a acepção de responsabilização que cada um dos servidores públicos – assim como o particular em relação ao Regime Geral - deve cultivar face o sistema ao qual se encontra filiado. É nesse contexto que se enquadra o sobredito princípio como uma das estruturas edificantes da seguridade social, mais precisamente do subsistema previdencial que consta do texto da Carta Maior.
4.1 – A Natureza das Contribuições Previdenciárias
As contribuições são frutos de um Estado Social-interventor, que passou a atuar de forma direta na sociedade intervindo, seja com a edição de normas ou por políticas públicas com o fito de erradicar a pobreza presente na classe trabalhadora, seja para “regular” o mercado comercial[57]. Para imprimir essa intervenção com o intuito de atingir aqueles fins elencados nos incisos do artigo terceiro da Carta Maior, o Estado teve que buscar novos meios, dentre os quais insere-se a tributação da sociedade.
Apesar de o artigo 149, caput, da Carta da República dispor quanto à competência exclusiva da União para instituir as contribuições sociais – aqui incluídas as contribuições previdenciárias –, o parágrafo primeiro daquele dispositivo prevê que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar as sobreditas contribuições para o custeio do regime previdenciário previsto no artigo 40 daquele diploma constitucional. Contudo, as contribuições a serem instituídas pelos entes federados não poderão ser inferiores à alíquota instituída pela União Federal para as contribuições de seus servidores.[58]
A União Federal, utilizando-se da competência que lhe foi atribuída pelo artigo 24, inciso XII, da Carta Maior, editou a Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004, que, por ser norma geral, deve obrigatoriamente ser observada pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. No artigo 4º daquela Lei, foi instituída a alíquota de 11% a incidir sobre a base de contribuição previdenciária, tendo como objetivo a manutenção do regime próprio dos servidores públicos da União.[59]
Com a promulgação da atual Constituição da República, as contribuições sociais para custeio da seguridade social passaram a ter natureza de tributo, o que é de fácil constatação em decorrência da estrutura dada a elas, pois se encontram no Capítulo do Sistema Tributário Nacional dentro do Título que trata da Tributação e do Orçamento. Atualmente consolidou-se a noção de que a contribuição previdenciária tem natureza tributária, sendo, inclusive, essa posição evidenciada pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.105 que julgou a chamada “Reforma da Previdência”[60]. Embora a assertiva esteja correta, não podemos desprezar o específico pelo gênero, confundindo-os de modo absoluto.
A doutrina mais abalizada atribui à contribuição previdenciária a natureza jurídica de tributo, pois apesar de a definição clássica imposta pela redação do artigo 5º do Código Tributário Nacional dizer que “tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria”, hodiernamente o entendimento predominante é que, além dessas três espécies, inclui-se ainda naquele gênero mais duas espécies, quais sejam, os empréstimos compulsórios e as contribuições parafiscais ou especiais. Essa posição é acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, que entende que as contribuições parafiscais podem ser (contribuições) de intervenção de domínio econômico, ou (contribuição) de interesse de categorias profissionais e contribuições sociais.
As contribuições sociais se subdividem, ainda, em contribuições sociais para o custeio da seguridade social e contribuição social geral. A contribuição social vertida para a seguridade social - que interessa ao objeto do estudo aqui apresentado – tem como finalidade o custeio da saúde, da previdência e assistência social. Já a contribuição social geral é aquela que tem por objetivo custear alguma ação social do governo distinta da seguridade como, por exemplo, a educação.
Pela própria dicção do artigo 149, caput, da Carta Maior, as contribuições para a seguridade social devem observar as normas gerais em matéria tributária (artigo 146, III da CRFB) bem como os princípios tributários consagrados no artigo 150, incisos I a III, também do Texto Maior, consolidando, assim, a natureza tributária da contribuição.
Portanto a Constituição da República não deixou nenhuma margem para dúvidas, ao afirmar que são aplicáveis às contribuições as normas gerais de Direito Tributário estabelecidas pelo Código Tributário Nacional. É nesse ponto que se deve atentar para a especificidade da contribuição previdenciária.
A partir dessa sistemática, verifica-se tratar de uma modalidade de contribuição social tributária que, ao contrário de outras, justifica-se pelo princípio da já mencionada solidariedade social, e não pela simplória leitura liberal-individualista do pagamento-proveito normalmente associado às outras espécies de contribuição. Pois, como dito, não se contribui apenas para a percepção individual do benefício, mas também, e principalmente, para a sustentação do sistema previdenciário que financiará gerações futuras. Nas palavras do especialista em Direito Previdenciário, FLÁVIO MARTINS RODRIGUES[61], “um grupo de indivíduos mais jovens arcará com os custos da aposentadoria dos mais velhos; e os mais jovens acreditam que o mesmo será feito ao se tornarem idosos”. Esse financiamento mútuo, também chamado de “pacto entre gerações”, deve-se à nítida presença do princípio da solidariedade social no sistema previdenciário.
Os tribunais brasileiros não tardaram em reconhecer a dimensão transformadora da solidariedade constitucional. Se até 1988 o termo só era encontrado na jurisprudência, na acepção obrigacional, hoje o Supremo Tribunal Federal traz a solidariedade para o seio do nosso ordenamento como sendo um dever jurídico de respeito, de âmbito coletivo, cujo objetivo visa beneficiar a sociedade como um todo.[62]
Conclusão
No atual regime, instituído a partir da Emenda Constitucional nº 20/98, há uma relação direta entre as contribuições vertidas e os benefícios previdenciários a serem concedidos[63]. Desta forma, é evidente que a contribuição previdenciária não só dá condições como é ela que garante ao servidor público o recebimento futuro de seus proventos.
Todos os servidores participantes do regime próprio do ente federativo ao qual pertencem, o que, frise-se, tem caráter obrigatório, devem contribuir através da mencionada espécie tributária criada com a finalidade de custear o sistema previdenciário. Essa obrigatoriedade se deve, conforme tentamos demonstrar durante as linhas traçadas neste trabalho, aos princípios da solidariedade e da contributividade. O primeiro encontra-se esculpido no artigo 3º (de maneira genérica) e no artigo 195 (de maneira específica), enquanto o segundo encontra-se no caput do artigo 40, todos da Constituição da República.
É a solidariedade social, como princípio constitucional, que alicerça o sistema previdenciário, vez que viabiliza um acordo coletivo segundo o qual os servidores que ainda se encontrem na ativa (considerados mais jovens) dão suporte aos servidores que já transpassaram da atividade (mais idosos). Esse “pacto entre gerações”, nada mais é que uma das práticas sociais utilizadas pela sociedade de um modo geral com o intuito de amenizar as diferenças e os problemas enfrentados por seus membros. Cabe aqui ressaltarmos que a previdência social surgiu após a percepção do homem de que, sozinho, não poderia arcar com o ônus imposto pelos riscos sociais a que estava sujeito.
Através das contribuições previdenciárias - impostas pelo princípio da contributividade – é que o sistema de previdência dos servidores públicos civis, assim como o Regime Geral, é viabilizado economicamente.

Exercendo os princípios uma função bloqueadora, vez que afasta a aplicação de elementos incompatíveis com o ideal a ser promovido, pode-se concluir que eles atuam como elementos determinantes dos passos a serem trilhados pelas normas. Assim, protegendo o princípio da solidariedade a distribuição de encargos em diversas relações jurídicas, razoável e previsível que esta fórmula seja repetida na seguridade social. Outra não pode ser também a conclusão a que se chega quanto ao princípio da contributividade que condiciona a participação dos segurados às contribuições vertidas para o sistema, vez que é através dela que se custeia o sistema previdenciário