Powered By Blogger

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Previdenciário

 

Aspectos gerais sobre aposentadoria especial no Regime Geral da Previdência Social (RGPS)

Suelen Queiroz
 
 
Sumário: § 1. Introdução. § 2. A necessidade de proteger o trabalhador exposto à agentes nocivos. § Providências adotadas. § 4. Adicionais de insalubridade e Periculosidade e seus reflexos § 5.Instituição da Aposentadoria Especial. § 6. Benefício Previdenciário. § 7. Como a questão é tratada em outros países? § 8. Conclusão.
INTRODUÇÃO
A aposentadoria especial faz parte, desde a edição da Lei nº 3.807, de 5 de setembro de 1960, do rol de benefícios oferecidos pelo regime geral de previdência social. Em verdade trata-se de uma aposentadoria por tempo de contribuição, porém concedida com significativa redução do número de anos necessários à aposentadoria comum. Enquanto para a aposentadoria por tempo de contribuição o trabalhador tem que comprovar 30 ou 35 anos de contribuição, conforme trate-se de mulher ou homem, obtém-se a aposentadoria especial, conforme o caso, aos 15, 20 ou 25 anos de atividade insalubre, penosa ou perigosa. A matéria sofreu muitas alterações legais e normativas e, hoje, está disciplinada nos arts.57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, não obstante o § 1º do art. 201 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional número 20, de 1998, prever, para a hipótese, a edição de Lei Complementar. A eficácia das atuais disposições é mantida pelo art. 15 da mencionada EC 20/98, enquanto não for editada uma lei complementar dispondo sobre a questão. Releva observar que a instituição do benefício não foi precedida de estudos técnicos que a justificasse em razão da necessidade de redução do número de anos de trabalho sujeito a exposição, bem como de quantos anos deveria ser essa redução. Não se contesta a necessidade de adoção de medidas especiais de proteção a esses trabalhadores, porém é inegável que deveriam ter sido precedidas de estudos capazes de indicar alternativas e seus impactos, não só em relação à capacidade financeira do sistema previdenciário mas, principalmente, quanto à sua capacidade de influir na prevenção de acidentes e melhoria dos ambientes de trabalho.
A Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS teve origem no Projeto de lei apresentado pelo então Deputado Aluízio Alves, em 1947, e no PL nº 2.119, de 1956, de iniciativa do Poder Executivo. O primeiro, no dizer do próprio autor[1], como resultante “do exame dos projetos então em curso na Câmara dos Deputados, da consulta à legislação passada e em vigor, do estudo das condições gerais do País ...” Nenhum deles previa esse tipo de benefício, tendo sido incluído no texto aprovado por iniciativa e decisão dos parlamentares. As buscas empreendidas nos arquivos do Congresso Nacional, tanto em Brasília como no Rio de Janeiro, resultaram infrutíferas em relação a emenda que propôs a criação do benefício e o seu autor. As buscas empreendidas visavam, mais que a identificação do autor da emenda, encontrar as justificativas apresentadas para a emenda, pois dela poderiam ser extraídas informações importantes acerca da existência de estudos técnicos sobre o assunto, no Brasil ou no exterior, ou a indicação da existência de instituto semelhante em legislação alienígena, tomada como paradigma, ou ainda, de onde teria partido a reivindicação – dos trabalhadores ou do patronato. Como a preocupação com a saúde e a segurança do trabalhador é assunto que envolve não só questões de ordem previdenciária, mas também de ordem trabalhista e de saúde pública, fez-se necessário avaliar as duas principais medidas adotadas pela sociedade brasileira em favor de quem trabalha exposto a agente nocivo - adicionais de insalubridade, penosidade e periculosidade e aposentadoria especial, a respeito de sua eficácia como instrumento de melhoria das condições ambientais de trabalho ou de proteção ao trabalhador. Com a expectativa de poder motivar estudiosos do assunto e demais interessados a debater o tema e divulgar seus entendimentos e contribuições para a regulamentação do imperativo constitucional que exige a edição de uma lei complementar, são apresentados algumas alternativas que modificam substancialmente as regras atuais, com ênfase na prevenção e na melhoria dos ambientes de trabalho mediante a participação ativa dos principais atores do processo – trabalhador, empregador e Governo.
A aposentadoria especial, nos termos do art. 57 da Lei n°. 8.213/1991, “será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito à condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei”. Alvo de diversas alterações legislativas ao longo do tempo, a aposentadoria especial requer uma análise criteriosa e contextualizada dos requisitos necessários à sua concessão. Conforme pacificado na jurisprudência, o direito à percepção do benefício deve ser analisado de acordo com as normas legais vigentes à época da realização do trabalho, sob pena de afronta ao direito adquirido do segurado. Desse modo, apesar de a Lei n° 9.032/1995 – que alterou a redação do art. 57 da Lei n° 8.213/1991 – exigir a comprovação do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física, a jurisprudência do E. STJ é uníssona no sentido de que tal exigência não pode ser aplicada a fatos anteriores à sua vigência (cf. REsp. 41/4083/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, STJ, 5ªT., um., DJ 02/09/2002, p.230).
Logo, para as atividades executadas antes de 29/04/1995 (data da publicação da Lei n°. 9.032/1995), não é necessária a comprovação do contato permanente e habitual com os agentes insalubres. Isto é, até o advento do referido diploma, o reconhecimento da especialidade poderia ocorrer com a comprovação do exercício da atividade especificada nos decretos regulamentares (caracterização por enquadramento profissional), ou, ainda, por meio da demonstração – por qualquer meio de prova, exceto nos casos de ruído e calor – da exposição do trabalhador aos agentes insalubres, sendo irrelevante a análise do caráter da exposição (se habitual e permanente ou ocasional e intermitente).
Após 28/04/1995, além das alterações já delineadas, extinguiu-se o enquadramento por categoria profissional e passou-se a exigir a comprovação da efetiva exposição. A sujeição aos agentes, até então jure et jure, foi afastada, cabendo ao segurado a comprovação por qualquer meio de prova.
A partir de 05/03/1997, passou-se a exigir documentação específica para a comprovação da exposição aos agentes insalubres, a saber, formulários próprios, preenchidos com base em laudo técnico de condições ambientais. Isso, em razão da edição do Decreto n° 2.172/1997, que regulamentou a Medida Provisória n° 1.523/1996, posteriormente convertida na Lei n°. 9.528/1997 – que, de seu turno, alterou art. 58 da Lei n° 8.213/1991, conferindo-lhe quatro novos parágrafos.
Percorrido esse longo caminho por entre as diversas alterações legislativas, é de se ressaltar que, para caracterização da exposição em razão do enquadramento profissional, devem ser utilizados o Decreto n° 53.831/1964 (Quadro Anexo, segunda parte) e o Decreto nº. 83.080/79 (Anexo II), até 28/04/1995. Para os agentes nocivos, considerar-se-ão, até 05/03/1997, os referidos Decretos (Quadro Anexo, primeira parte, quanto ao primeiro, e Anexo I quanto ao segundo). Entre 06/03/1997 e 28/05/1998, utilizar-se-á o Decreto n° 2.172/1997 (Anexo I). Ademais, afora essas possibilidades, é possível também a constatação da especialidade por meio de perícia técnica (Súmula 198 do extinto TFR - STJ, AGRESP n. 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhildo, Sexta Turma, DJU de 30-06-2003, p. 320).
No que tange ao enquadramento do ruído, pacificou-se o entendimento de que até 05/03/1997 são aplicados, em concomitância, os Decretos n. 53.831/1964, 72.771/1973 e 83.080/1979. Logo, consideram-se especiais as atividades em que o segurado esteve exposto a ruído superior a 80 dB.
De 06/03/1997 a 19/11/2003 – em razão da aplicação dos Decretos n° 2.172/1997 (até 06/05/1999) e do Decreto n°. 3.048/1999 (até 18/11/2003) – o ruído será considerado nocivo quando superior a 90 dB.
A partir de 19/11/2003, será considerada especial a atividade quando o ruído for superior a 85 dB (Decreto n°. 3.048/1999, alterado pelo Decreto n° 4.882/2003).
Convém ressaltar, na linha das decisões do E. TRF/4ª Região, que a utilização de EPI (equipamento de proteção individual) no ambiente de trabalho – ainda que o laudo técnico mencione a neutralização dos efeitos nocivos – não possui o condão de afastar a especialidade da atividade se a exposição ao ruído ocorreu acima dos limites de tolerância estabelecidos (TRF4, APELREEX 2009.70.01.000490-1, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 04/03/2010). Nesse passo, vale destacar também a Súmula 9 da Turma Nacional de Uniformização dos JEF’s.
A NECESSIDADE DE PROTEGER O TRABALHADOR EXPOSTO A AGENTES NOCIVOS
É direito do trabalhador exercer sua função em ambiente saudável e seguro. Hoje, esses direitos estão assegurados na própria Constituição Federal, no Capítulo dos Direitos Sociais. Observe-se que o legislador constituinte, além de assegurar as conquistas já alcançadas nessa área, dispôs ser necessário perseguir-se a melhoria das condições de trabalho ao determinar como direito do trabalhador a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Reconhece que o risco é inerente ao trabalho, todavia estabelece que sejam adotadas políticas públicas voltadas para a sua redução. Nessa mesma direção caminhou o legislador constituinte ao dispor que o empregador é obrigado a contratar seguro contra acidentes de trabalho em favor de seus empregados, sem prejuízo de ter que indenizá-los na hipóteses de ter incorrido em dolo ou culpa5. Se é direito do trabalhador, é obrigação do Estado intervir para assegurar o seu cumprimento. O ponto de partida da intervenção do Estado Brasileiro nas condições de trabalho deu-se em 1.919, por meio do Decreto nº 3.724[2], de 15 de janeiro desse ano, que criou o Seguro de Acidentes do Trabalho, a cargo da iniciativa privada, assegurando ao trabalhador que tenha sofrido dano à sua saúde ou integridade física, ou à sua família, uma indenização correspondente. A criação, em 1934, de Inspetorias de Higiene e Segurança no Trabalho - IHST, no âmbito do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, também constitui marco importante no desenvolvimento da política de proteção ao trabalhador adotada ao longo das décadas seguintes, cujos resultados foram pouco significativos no sentido de melhorar o ambiente de trabalho e reduzir os riscos do trabalhador sofrer acidente ou doença ocupacional, pelas razões que procuraremos mostrar ao longo do trabalho, não obstante este limitar-se a uma das vertentes, qual seja, a da concessão de aposentadoriasespeciais.
PROVIDÊNCIAS ADOTADAS
2.1 INTRODUÇÃO
Antes da instituição de medidas que pudessem compensar o trabalhador pelo desempenho de atividades nocivas à saúde, os trabalhadores demandavam por proteção. Esse fato impunha a necessidade de encontrar uma solução adequada para extinguir ou, ao menos, aliviar a tensão. Ninguém desconhecia que cabia às empresas a assunção dos riscos da atividade e a responsabilidade pelas conseqüências das enfermidades e acidentes sofridos pelos trabalhadores, já que dependia delas a manutenção de ambientes de trabalho saudáveis e seguros. Ao Governo recaía a responsabilidade pelo estabelecimento de normas reguladoras, regras de prevenção e melhoria do ambiente de trabalho, parâmetros de tolerância, fiscalização, punição quando houvesse descumprimento das normas e o estabelecimento de compensação pelo dano causado. Entretanto, a falta de empenho para solucionar o problema e a provável conveniência do momento proporcionaram a comercialização dos riscos, mediante a adoção de medidas paliativas populistas e a acomodação dos atores envolvidos. As soluções dadas podem ser sintetizadas em fases distintas:
a) a instituição de adicionais de insalubridade e periculosidade; e
b) a instituição de aposentadoria especial, consistente em redução do tempo de trabalho necessário para aposentação dos trabalhadores que trabalham expostos a agentes nocivos.
2.2 INSTITUIÇÃO DE ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE E SEUS REFLEXOS
A instituição de adicionais de insalubridade[3] de 10% (dez por cento), 20% (vinte por cento) ou 40% (quarenta por cento) sobre o salário mínimo, conforme o grau de insalubridade seja considerado, respectivamente, mínimo, médio ou máximo, constituiu-se numa das primeiras medidas adotadas em benefício dos trabalhadores que exerciam suas funções expostos a agentes nocivos ou em ambientes insalubres
A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT[4], instituída pouco tempo depois, em 1º de maio de 1943, recepcionou o adicional de insalubridade antes mencionado e instituiu o adicional de periculosidade, que consiste num adicional equivalente a 30% (trinta por cento) do salário do trabalhador.
Ainda assim, não há como deixar de reconhecer que o Governo, ao criar os adicionais de insalubridade, institucionalizou a comercialização da saúde do trabalhador, pois deixou claro que não é permitido expor o trabalhador a agentes nocivos à sua saúde ou integridade física, mas pode fazê-lo desde que o compense financeiramente.
O que se depreende dessa providência é que ela foi excepcionalmente vantajosa para a empresa e altamente prejudicial aos interesses maiores do trabalhador e da sociedade brasileira, pois proporcionou:
a) ao empregador, mediante o simples pagamento dos adicionais, a liberação de sua responsabilidade pelas conseqüências decorrentes do oferecimento aos empregados de um ambiente inseguro e insalubre, e nem tiveram que comprometer-se a investir em prevenção e melhoria do ambiente de trabalho;
b) ao trabalhador a possibilidade de receber o adicional, como complemento de remuneração, em compensação à necessidade dele trabalhar em ambiente inadequado; e
c) ao governo a possibilidade de posar de magnânimo. Beneficiou o trabalhador em função perigosa ou ambiente insalubre com a concessão do adicional remuneratório, ao mesmo tempo que dava às empresas, argumentos para furtarem-se de suas responsabilidades pelas conseqüências dos eventos decorrentes das condições ambientais inadequadas e da necessidade de investimentos em prevenção de acidentes e melhoria das condições ambientais.
As empresas ganharam valioso instrumento de negociação com os seus empregados. Para assegurar o recebimento do plus salarial, os trabalhadores viam-se compelidos a não reclamarem melhorias das condições ambientais de trabalho. Os que não recebiam o adicional, em vez de aumento salarial, lutavam para serem por ele contemplados. Ninguém reivindicava melhoria no ambiente de trabalho pois isso poderia constituir-se em redução salarial. Assim foi que a medida acabou proporcionando um efeito colateral muito danoso ao trabalhador: - a profissionalização de maus dirigentes sindicais que transacionam com as empresas em relação aos riscos ambientais sem levarem em conta os reais interesses dos trabalhadores, visando obterem permanência indefinida no poder e conservarem o direito aos adicionais, já que eles próprios não sofrem prejuízos à integridade física.
É importante distinguir insalubridade de periculosidade, pois tratam-se de situações muito diferentes. A primeira diz respeito aos danos causados à saúde do trabalhador pela exposição cumulativa no tempo, onde a probabilidade da ocorrência é quase certa. O art. 189 da CLT[5] manda considerar como insalubres as atividades e operações que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância, fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição. A segunda – periculosidade - a um evento incerto que nenhuma relação tem com o tempo de exposição. O evento temido tanto pode ocorrer no primeiro momento de exposição do trabalhador, como nunca ocorrer. Diferentemente da insalubridade, não tem nenhum efeito cumulativo. O risco é igual para todos independentemente do tempo de exposição. É o art. 193[6] da CLT que define o que deve ser considerado atividade ou operação perigosa. A Lei trabalhista proíbe, não obstante de forma tímida e indireta, o trabalho insalubre, ao estabelecer regra de transição até obter o resultado pretendido. Pior, não estabeleceu qualquer punição para quem deixa de cumprir a norma, apenas impôs que, quem a descumprir obriga-se a pagar um adicional ao trabalhador.
É o que se depreende da leitura do art.191[7] da CLT, que dispõe sobre a eliminação ou a neutralização da insalubridade mediante a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância estabelecidos ou uso de equipamentos de segurança. Questão que demanda mais análise é definir a natureza do adicional de insalubridade. Seria ele de natureza indenizatória, na medida em que reconhece a ocorrência, em potencial, de dano à saúde ou a integridade física do trabalhador; ou compensatória, em razão da possibilidade de prejuízo à saúde ou integridade física, ou ainda, simplesmente de natureza trabalhista? Por ora essa questão fica em aberto por não caber neste opúsculo. Como normalmente acontece quando não se estuda todos os ângulos da questão e nem se avalia as conseqüências do ato que se pretende adota, o ônus dessa inconseqüência social ficou por conta da sociedade na forma de reparos financeiros sobre a forma de assistência médica e benefícios por incapacidade.
Com o passar do tempo percebeu-se que a simples concessão dos adicionais de insalubridade e periculosidade já não satisfaziam os trabalhadores, até porque os valores devidos foram sendo absorvidos pelos reajustes salariais, passando a constituir-se, apenas, em uma parcela da remuneração que o empregador estava disposto a pagar para ter o empregado a seu serviço. O grande número de acidentados e de trabalhadores afetados por doenças ocupacionais preocupava e exigia providências. Assim, sem considerar a insuficiente presença da empresa nas atividades de prevenção de acidentes do trabalho e melhoria das condições do ambiente de trabalho, é que foi incluído, entre os benefícios da previdência social, a aposentadoria especial que será estuda no título seguinte.
2.3 INSTITUIÇÃO DA APOSENTADORIA ESPECIAL
2.3.1 INTRODUÇÃO
A Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS[8], originada de um projeto de lei apresentado em 1947 pelo então Deputado Aluízio Alves e do PL nº 2.119, de 1956, apresentado pelo Poder Executivo, consolidou, numa só, as diferentes leis de Previdência Social que dispunham sobre a administração, o custeio e os benefícios de cada um dos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões então vigentes.
Essa lei, além de unificar a legislação e uniformizar as regras aplicáveis aos contribuintes, segurados e dependentes, instituiu, também, o benefício de aposentadoria especial, devido aos segurados que trabalham sujeitos a agentes nocivos prejudiciais à sua saúde ou integridade física, conforme a agressividade da sujeição, durante 15, 20 ou 25 anos. Para fazer jus ao benefício o trabalhador teria que contar com 50 anos de idade.
Releva registrar que o projeto inicial não contemplava a criação desse benefício. Foi introduzido pelo Congresso Nacional como forma de retirar o trabalhador do ambiente nocivo de trabalho antes que sua saúde fosse afetada.
2.3.2 O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
O benefício previdenciário a que denominou-se aposentadoria especial, não obstante o louvável o objetivo da medida, foi criado sem qualquer estudo técnico que o recomendasse como medida de proteção ao trabalhador exposto, de prevenção e melhoria das condições dos ambientes de trabalho, nem do seu impacto em relação à situação financeira e atuarial do regime. Questões elementares e básicas deixaram de ser consideradas. Tratava-se de um instrumento eficaz de proteção ao trabalhador ou uma medida fundamentalmente compensatória do dano causado? Continha algum estímulo às ações de prevenção de dano e promoção de condições saudáveis? Seria mantido o equilíbrio atuarial e financeiro do regime ou conviria impor alguma contribuição adicional aos respectivos empregadores?
Mais uma vez, preferiu-se a forma mais simples e cômoda de enfrentar o problema: transferi-lo para a sociedade.
A instituição da aposentadoria especial, não obstante tratar-se de um benefício que tem relação com o ambiente de trabalho, foi instituído como benefício previdenciário.
Repete-se aqui o que foi dito em relação à instituição dos adicionais de insalubridade e de periculosidade. Houvesse o legislador sido incisivo na proibição do trabalho em ambiente nocivo e não haveria necessidade desse benefício. Se houvesse estabelecido um prazo para a eliminação ou a neutralização da insalubridade do ambiente de trabalho e punição severa para quem não o cumprisse, em vez de admitir sua continuidade mediante simples pagamento de adicional ao trabalhador exposto, repetimos, não haveria necessidade de instituição do benefício especial. Sua instituição deve ter sido motivo de muitas comemorações por parte dos patrões dos trabalhadores que a ela passaram a ter direito, em razão das inúmeras vantagens por eles usufruídas. Além das vantagens já obtidas quando da instituição dos adicionais tratados no subtítulo anterior, vamos arrolar mais algumas, sem pretender esgotá-las:
- não foi onerado em qualquer contribuição adicional, não obstante o significativo acréscimo das despesas do sistema previdenciário;
- ganhou um novo e poderoso instrumento de barganha com os trabalhadores – a união de esforços nos sentido de convencer o Governo a manter ou até ampliar o universo das categorias de trabalhadores da empresa com direito ao benefício;
- ganhou a possibilidade de liberar-se, sem os ônus próprios da demissão imotivada, dos empregados mais antigos (e por isso com maiores salários) ou mais idosos;
- pôde reforçar a aliança com os trabalhadores e seus representantes no sentido de manter o status ambiental da empresa, livrando-se de cobranças por investimentos em prevenção e melhoria da qualidade do ambiente de trabalho;
- obteve um excelente mecanismo para reestruturação da empresa, mediante o favorecimento de obtenção da aposentadoria especial de trabalhadores que contem tempo de contribuição suficiente; etc. É conhecido, entre os iniciados, a facilidade com que grandes empresas conseguiram reestruturar-se e adequar o seu quadro de pessoal às realidades impostas pela nova ordem mundial, motivadas pela globalização da economia e abertura do mercado interno à competição internacional, mediante o encaminhamento ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, devidamente instruídos com todos os documentos necessários á obtenção da aposentadoria especial, inclusive do laudo técnico adequado à comprovar a exposição, de quantos já contavam com tempo mínimo de contribuição para esse benefício, embora muito distante do mínimo necessário para a aposentadoria comum. Se a função exercida pelo trabalhador durante todo o trabalho na empresa ou os ambientes de trabalho onde foram desenvolvidas davam direito ao benefício especial ou não, era um detalhe facilmente superável por um laudo criteriosamente elaborado e aceito tanto pelo empregador como pelos empregados. Uma solução muito boa para o trabalhador ameaçado de demissão e ótima para a empresa, que com o mecanismo adotado atendeu ao objetivo de redução dos custos sem qualquer ônus, já que estes puderam ser socializados. A legislação imperfeita e a falta de controle institucional muito contribuiu para que o sistema previdenciário assumisse a conta, como se os recursos públicos, em vez de pertencer ao púbico, não pertencesse a ninguém. Mesmo os empregadores de hoje têm muitos motivos para comemorar a manutenção desse benefício, pois seus fundamentos não sofreram grandes alterações.
Para o trabalhador, a possibilidade de aposentar-se precocemente, sem qualquer contribuição adicional, sem prejuízo do complemento remuneratório proporcionado pela insalubridade, periculosidade ou penosidade de seu trabalho, deve ter sido motivo de grande júbilo. A imprevidência natural da maioria dos brasileiros faz com que se considere melhor trabalhar em ambiente insalubre por alguns anos e depois gozar, ainda no início da idade madura, e, portanto, por bastante tempo, de merecida e compensatória aposentadoria, do que exigir ambiente de trabalho, ou o próprio trabalho, capaz de preservar sua integridade em sentido amplo, ou seja, de proporcionar bem-estar físico, mensal e social.
Essa imprevidência tornou-se aliada do patrão, pois fez com que passasse a ser importante para ele, trabalhador, vigiar a empresa para que se mantenha dentro dos padrões que propiciam a concessão dessa aposentadoria. Um incentivo importante para perpetuação no poder dos dirigentes sindicais “profissionais”.
Ao trabalhador interessava aposentar-se o mais rapidamente possível, pois o valor desta passava a constituir-se em renda adicional, já que nada o impedia de continuar a trabalhar, na mesma ou em outra atividade, inclusive na mesma empresa e sem mesmo necessidade de rescindir-se o contrato de trabalho. Só recentemente a legislação impôs restrições, mas ainda assim, de continuidade de trabalho em ambiente insalubre.
Se o objetivo fundamental do benefício era o de retirar o trabalhador do ambiente nocivo de trabalho antes que sua saúde fosse afetada, esse objetivo nem sempre era alcançado, pois a Lei não o proibiu de continuar trabalhando sujeito aos mesmos agentes nocivos que motivaram a sua aposentadoria e, sua imprevidência ou necessidade de obtenção de mais rendas o fazia continuar exposto.
Aos governantes que criaram o benefício os aplausos precipitados dos “beneficiados da hora” e a responsabilidade pelas dores e lágrimas das vítimas da imprevidência.
A medida teria sido muito mais eficaz se tivesse vindo acompanhada de outras que impusesse ou incentivasse a prevenção e melhoria dos ambientes de trabalho. Essas medidas poderiam ser de várias formas, como por exemplo, a instituição de contribuição adicional para custear o benefício, mediante a fixação de alíquota básica, sujeita à acréscimo ou redução consoante à nocividade do ambiente de trabalho. Poder-se-ia determinar avaliação periódica da evolução da saúde do trabalhador para controlar eventual comprometimento e, em caso, positivo, seu imediato afastamento do ambiente causador, garantida a remuneração e a estabilidade no emprego por tempo determinado, tudo por conta da empresa, admitida a contratação de seguro específico. Claro que parte dos custos poderiam ser socializados, mediante o oferecimento de condições especiais de financiamento para substituição de equipamentos obsoletos ou inadequados por outros melhores e mais seguros ou mediante a concessão de outros incentivos fiscais, como isenção ou redução de impostos ou abatimento do valor dos investimentos em prevenção ou melhoria do ambiente de trabalho da base de impostos ou contribuições.
É ilusório pensar que os empresários priorizem investimentos em prevenção e melhoria das condições ambientais de trabalho quando não há qualquer pressão por parte dos trabalhadores ou do Governo para que o faça. Menos ainda se a legislação lhe concede vantagens a longo prazo e se os trabalhadores e seus sindicatos, maiores interessados, os incentivem a manterem suas fábricas em condições ensejadoras, tanto dos adicionais de insalubridade e periculosidade como da aposentadoria especial. A verdade é que sem qualquer contrapartida da empresa ou do empregado o legislador transferiu para a sociedade brasileira o custo da antecipação das aposentadorias dos trabalhadores em empresas que não lhes oferecem ambientes salubres e seguros. A inexistência ou insuficiência de estudos sobre as alternativas existentes e seus efeitos em relação à efetiva proteção do trabalhador e a redução dos riscos inerentes ao trabalho, indicando os pontos positivos e os negativos de cada uma, bem como aquelas que poderiam ser consideradas como as mais adequadas, talvez tenha sido a causa da ausência de medidas complementares para tornar a medida um instrumento não só de amparo ao trabalhador, mas efetivo em relação à busca de ambiente saudável de trabalho.
CONCLUSÃO
O modelo de proteção adotado no Brasil em favor do trabalhador que trabalha sujeito a agentes nocivos prejudiciais à sua saúde ou integridade física encontra-se totalmente superado e deve ser totalmente modificado ou extinto.
Como afirma Celso Barroso Leite, “já não há mais lugar para a aposentadoria especial entre os benefícios de uma previdência racional e atualizada”.
A eventual extinção desse benefício e a incorporação dos adicionais de insalubridade e periculosidade no salário dos trabalhadores que atualmente os recebem e a sua eliminação da legislação trabalhista não trariam quaisquer prejuízos aos trabalhadores, mas sim benefícios.
Eliminados os entraves inibidores da união de esforços para um objetivo comum, todos os atores com interesse na questão do trabalho saudável se uniriam para eliminar os riscos a que os trabalhadores estão expostos e os maiores beneficiados seriam os próprios trabalhadores, que hoje trabalham expostos a condições adversas, e seus familiares.
A sociedade e governo devem unir esforços para encontrar uma solução mais criativa e que seja eficaz em relação ao seu objetivo. Pode ser que a solução seja a extinção desse tipo benefício que, antes de dignificar, estigmatiza o trabalhador. Nesse caso, todo o esforço deve ser canalizado para a proteção do trabalhador enquanto em atividade, acompanhando e avaliando periodicamente o comportamento do seu organismo em relação aos agentes nocivos presente no seu ambiente de trabalho. Se a solução não for a sua extinção, seja por razões técnicas ou seja por razões políticas, então precisa ser profundamente reformulado, não só porque assim determina a CF mas, também, porque demonstrou ser totalmente ineficaz enquanto instrumento de política de prevenção e melhoria do ambiente de trabalho. É preciso ampliar a luta para que o ambiente de trabalho seja salubre. Defender o modelo atual é admitir como lícita e moral a venda da saúde do trabalhador.
A sociedade e trabalhador brasileiro já atingiu um nível de desenvolvimento e compreensão que exige mudanças capazes de nos tirar dos desconfortáveis primeiros lugares nas estatísticas de acidentes de trabalho fatais ou graves. Com vontade política, e um pouco de determinação técnica, não será difícil adequar a legislação aos reais interesses dos trabalhadores e da sociedade.
A exposição a temperaturas acima de valores admitidos legalmente como compatíveis com o exercício das atividades laborais se constitui em condição que propicia a aposentadoria especial conforme o que preceitua o Anexo IV do Regulamento da Previdência Social (Decreto 3048/99) 
CÓDIGO AGENTE NOCIVO TEMPO DE EXPOSIÇÃO
2.04 TEMPERATURAS ANORMAIS
a) trabalhos com exposição ao calor acima dos limites de tolerância estabelecidos na NR 15, da Portaria 3.214/78
25 anos
É oportuno nos reportarmos ao que estipula o Anexo 3 da NR 15 citado no Regulamento antes referido.
- para ambientes, internos ou externos, sem carga solar IBUTG = 0,7tbn + 0,3 tg
- para ambientes externos com carga solar IBUTG = 0,7tbn +0,1tbs + 0,2 tg
onde:
tbs = temperatura de bulbo seco
tbn = temperatura de bulbo úmido natural
tg = temperatura de globo
 Ocorre que a Instrução Normativa INSS/84, de 17/12/2002 (atualmente em vigor), restringiu, em seu art. 181, o campo de abrangência fixado pelo Dec. 3048/99, passando a considerar apenas as exposições "originadas exclusivamente por fontes artificiais" ( ou seja, aquelas em que não haja participação do calor oriundo do sol) determinando ainda que somente a fórmula para ambientes sem carga solar seja utilizada.
Segundo consta do livro "PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário", do eminente professor e médico, Dr. Paulo Gonzaga, louvou-se a IN nº 84 do INSS na Orientação Jurisprudencial nº 173, do TST, a qual abaixo se transcreve:
Adicional de Insalubridade. Raios Solares: Indevido.
"Em face da ausência de previsão legal, indevido o adicional de insalubridade ao trabalhador em atividade a céu aberto ( art.195 da CLT e NR 15 MTb Anexo 7)"
COMO A QUESTÃO É TRATADA EM OUTROS PAÍSES
A aposentadoria especial, nos moldes em que foi concebida no Brasil não encontra similar na legislação dos países mais desenvolvidos, certamente, porque não tem sustentação técnica e nem doutrinária. Nem por isso há menos preocupação quanto à segurança e condições ambientais de trabalho nesses países. Casos em que não há tecnologia para evitar o prejuízo à saúde do trabalho implicam, não raro, o banimento da atividade, como é o caso do amianto, cuja exploração e uso foram banidos de vários países.
Primeiramente, é bom lembrar que a aposentadoria é um seguro de renda destinado àqueles que perderam sua capacidade de trabalho e está relacionado, essencialmente, à velhice. O limite de idade para a concessão desse benefício é, portanto, um dos princípios universais em que se baseiam os sistemas previdenciários em todo o mundo. A quase totalidade dos países o adota. E, na maioria dos casos, a concessão da aposentadoria pressupõe o não-retorno do trabalhador ao mercado de trabalho.
O limite de idade é um critério adotado pelos sistemas previdenciários de quase todos os países do mundo. Em 1995 eram, apenas, sete países que não o utilizavam: Benin, Brasil, Egito, Equador, Irã, Iraque e Kuwait. Esses países adotavam a aposentadoria por tempo de serviço. Em 1999, tão-somente quatro países não a adotavam: Brasil, Irã, Iraque e Equador. Dessas listas, somente o Brasil não condiciona a aposentadoria por tempo de contribuição ao afastamento do mercado de trabalho. São raros os países que adotam procedimento diferenciado para a concessão de aposentadoria aos trabalhadores em atividades insalubres e, ainda assim, salvo raras exceções, mediante a redução do limite mínimo de idade para aposentadoria. A legislação da República da Eslovênia admite redução de até 3 anos de idade, enquanto que as da Ucrânia, de Azerbaijão, da Romênia, da China, Moldova e de Cuba dispõem que, satisfeitas as demais condições para a concessão da aposentadoria comum, esta é reduzida em até 5 anos. A da Armênia, em até 10 anos, sendo a redução superior a 5 anos somente é admitida em casos de condições extremamente insalubres. Também as legislações da Bulgária e da Argélia permitem alguma redução da idade para aposentadoria. A Rússia reduz a idade de aposentadoria se o trabalho for exercido na região norte do país ou em atividades penoso ou perigosa, enquanto o Uruguai credita anos adicionais em razão de trabalho em atividades penosas. As legislações da Alemanha, da África do Sul, dos Estados Unidos da América, da Estônia, da Franca e do Reino Unido nada dispõem sobre a questão.
 A legislação do Kuwait prevê aposentadoria mediante comprovação de 20 anos contribuição em atividade penosa, exceto se o segurado mudar do setor público para o setor privado.
 Em Portugal os riscos profissionais estão afetos ao Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais (CNPRP), e não ao Regime Geral de Seguridade Social. Cabe ao CNPRP, assegurar a prevenção, o tratamento, a recuperação e a reparação de doença profissional. Tanto o diagnóstico como o reconhecimento de incapacidades resultantes de doença profissional e a concessão dos benefícios são de sua exclusiva responsabilidade. Os benefícios relativos a doenças profissionais são constituídos por indenizações, enquanto a vítima se encontra em processo de reabilitação, e pensões, quando verificada a incapacidade parcial ou absoluta para o trabalho habitual, ou incapacidade absoluta para qualquer trabalho.
No Chile, os benefícios concedidos em razão do seguro contra acidentes de trabalho e doenças profissionais são os subsídios de incapacidade laboral, indenizações, pensão por invalidez parcial, pensão por invalidez total e grande invalidez. Em relação aos acidentes ou doenças de origem não-profissional, são assegurados a pensão por invalidez e a aposentadoria por invalidez.
Na Espanha, a gestão dos acidentes do trabalho e das doenças profissionais são de responsabilidade das Mútuas de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais. As mútuas são associações constituídas por empresários que assumem responsabilidade conjunta em relação a essas questões, colaborando de forma significativa na gestão da seguridade social.
 No México, os sucessos relativos aos riscos profissionais dão direito a pensões (ramo Invalidez e Vida) ou subsídios financeiros. O financiamento do ramo de Riscos Profissionais é realizado apenas pela contribuição patronal, enquanto nos outros ramos, o financiamento é tripartite (contribuição patronal, do Estado e dos trabalhadores). Os subsídios constituem a prestação por incapacidade temporária para trabalhar, equivalente ao nosso “auxílio-doença”, que deverá durar, no máximo, 52 semanas. Se neste prazo o segurado não tiver recuperado a capacidade para retomar o trabalho anterior será declarado total ou parcialmente incapaz

Previdenciário

 

O aposentado que permanece ou retorna à atividade remunerada e a inconstitucionalidade do artigo 18, § 2º, da Llei nº 8.213/91

Alexandre Simões Lindoso
 
 

1. Introdução
Com vistas a complementar os respectivos rendimentos mensais, diversos trabalhadores aposentados pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) vêem-se compelidos a permanecer ou regressar à atividade remunerada, oportunidade em que são enquadrados como segurados obrigatórios, com a conseqüente sujeição ao recolhimento da contribuição previdenciária, na forma prevista pelo artigo 12, § 4º, da Lei nº 8.212/91, que assim dispõe:
Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: [...]
§ 4º. O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata esta Lei, para fins de custeio da Seguridade Social.”
A despeito da condição de segurado obrigatório, os valores recolhidos a título de contribuição previdenciária, por ocasião desse retorno ou permanência na atividade remunerada, não repercutem para o fim de novo cálculo dos respectivos proventos de aposentadoria. Isto é o que categoricamente dispõe o artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91:
Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços: [...]
§ 2º. O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ela retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário família, à reabilitação profissional e ao auxílio-acidente, quando empregado.”.
Analisando-se os dispositivos legais acima, de maneira conjunta, identifica-se claramente o objetivo buscado pelo legislador, de aumentar a arrecadação, fomentando as fontes de custeio da seguridade social, em prol do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema. Para atingir essa finalidade, portanto, é que se impôs ao aposentado que permanece ou retorna à atividade abrangida pelo RGPS a condição de segurado obrigatório, privando-o, porém, do direito de perceber qualquer tipo de contraprestação, exceto a reabilitação profissional, o salário-família e o auxílio-doença, quando empregado.
Embora o contexto legislativo acima tenha se originado com a edição da Lei nº 9.032/95, a questão atualmente assume especial relevância. E isto porque se encontra aguardando julgamento no plenário do Supremo Tribunal Federal o Recurso Extraordinário nº STF-RE-381.367-6, que tem por objetivo aferir a inconstitucionalidade do artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, frente ao disposto no artigo 201, § 11, da Constituição Federal.
Este é o tema que se pretende examinar no presente trabalho, com vistas a investigar se a norma legal, à luz do texto constitucional, tem ou não o condão de obstar a pretensão do aposentado de obter a repercussão dos valores recolhidos a título de contribuição previdenciária, por ocasião da permanência ou retorno à atividade remunerada, para o fim de recálculo dos proventos de aposentadoria.
2. Evolução da situação jurídica do aposentado que permanece ou volta a exercer atividade abrangida pelo RGPS
Quando do advento da Constituição de 1988, a situação jurídica do aposentado que permanecesse ou voltasse a exercer atividade abrangida pelo RGPS era regida pela Lei nº 6.243/75, cujos artigos 1º e 3º estabeleciam que:
Art. 1º O aposentado pela Previdência Social que voltar a trabalhar em atividade sujeita ao regime da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, terá direito, quando dela se afastar, a um pecúlio constituído pela soma das importâncias correspondentes às suas próprias contribuições, pagas ou descontadas durante o novo período de trabalho, corrigido monetariamente e acrescido de juros de 4% (quatro por cento) ao ano, não fazendo jus a outras prestações, salvo as decorrentes de sua condição de aposentado. [...]
Art. 3º O segurado que tiver recebido pecúlio e voltar novamente a exercer atividade que o filie ao regime da Lei Orgânica da Previdência Social somente terá direito de levantar em vida o novo pecúlio após 36 (trinta e seis) meses contados da nova filiação.”
Tem-se, portanto, que, caso permanecesse ou retornasse à atividade, o aposentado, quando dela se afastasse, era detentor do direito a um pecúlio, constituído pela soma das importâncias correspondentes às suas próprias contribuições efetuadas durante o novo período de trabalho.
Essa situação foi mantida com o advento da Lei nº 8.213/91, cujos artigos 81 e 82 dispunham de maneira categórica:
Art. 81. Serão devidos pecúlios: [...]
II – ao segurado aposentado por idade ou por tempo de serviço pelo Regime Geral de Previdência Social que voltar a exercer atividade abrangida pelo mesmo, quando dela se afastar; [...]
Art. 82. No caso dos incisos I e II do art. 81, o pecúlio consistirá em pagamento único de valor correspondente à soma das importâncias relativas às contribuições do segurado, remuneradas de acordo com o índice de remuneração básica dos depósitos de poupança com data de aniversário no dia primeiro.”
Com o advento da Lei nº 8.870/94, o pecúlio previsto no inciso II do artigo 81 da Lei nº 8.213/91 foi extinto. Em contrapartida, porém, o aposentado que permanecesse ou retornasse à atividade regida pelo RGPS foi contemplado com isenção no tocante à contribuição para o sistema de seguridade social. Nesse sentido:
Art. 24. O aposentado por idade ou por tempo de serviço pelo Regime Geral da Previdência Social que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida pelo mesmo, fica isento da contribuição a que se refere o art. 20 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. [...]
Art. 29. Revogam-se as disposições em contrário, especialmente o § 4º do art. 12, com a redação dada pela Lei nº 8.861, de 25 de março de 1994, e o § 9º do art. 29, ambos da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991; a alínea i , do inciso I do art. 18; o inciso II do art. 81; o art. 84; o art. 87 e parágrafo único, todos da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.”
A partir da edição da Lei nº 9.032/95, contudo, o cenário jurídico acima sofreu significativo retrocesso, na medida em que o aposentado voltou à condição de segurado obrigatório, mas sem a possibilidade de usufruir de qualquer contrapartida por parte do sistema.
3. Análise da questão à luz do sistema constitucional. Pertinência da regra disposta no artigo 201, § 11, da Constituição
Presentes as circunstâncias expostas no tópico anterior, o artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91 revela-se inconstitucional, porquanto contrário ao que dispõe o artigo 201, § 11, da Lei Magna, cujo teor é o seguinte:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: [...]
§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei.”
A norma em questão, outrora situada no § 4º do artigo 201, foi remanejada para o § 11, pela Emenda Constitucional nº 20/98, guardando, entretanto, a mesma redação desde a promulgação da Constituição Federal.
De seu teor extrai-se, conforme o comando emanado do caput, o caráter contributivo inerente ao Regime Geral de Previdência Social, voltado à preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema. E essa finalidade foi plenamente atendida pelo legislador infraconstitucional, ao situar, na condição de segurado obrigatório, o aposentado que permanecer ou retornar à atividade abrangida pelo RGPS.
Sucede que o § 11 do dispositivo constitucional, para além de determinar a integração ao salário dos ganhos habituais percebidos pelo segurado empregado, para fins de contribuição, estipula também que essa integração produza a conseqüência de repercutir no cálculo dos benefícios.
Em outras palavras, a Constituição confere ao segurado empregado o direito fundamental de obter uma contrapartida decorrente da contribuição para o Regime Geral de Previdência Social incidente sobre seus ganhos habituais, percebidos a qualquer título, que é a repercussão dessa mesma base de cálculo, com vistas à fixação do respectivo benefício previdenciário.
Essa repercussão tem por finalidade, no que toca ao aposentado, conferir-lhe uma existência digna, mediante a percepção de proventos que permitam sua subsistência, com satisfação de suas necessidades básicas, em evidente concretização do comando inserto no artigo 230 da Constituição, expresso ao determinar à família, à sociedade e ao Estado “o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.
A Constituição, entretanto, remete ao legislador infraconstitucional a fixação dos parâmetros para o exercício do direito outorgado ao segurado empregado no artigo 201, § 11. É o que se extrai da determinação ali contida, no sentido de que a repercussão em benefícios decorrente da integração dos ganhos habituais do empregado ao salário se dará “nos casos e na forma da lei”.
A edição dessa legislação, porém, não observou os limites constitucionalmente impostos ao legislador ordinário, com vistas a proceder à restrição de direitos fundamentais. Por essa simples e definitiva razão, resulta configurada a inconstitucionalidade do artigo 18, § 4º, da Lei nº 8.213/91, já que:
a) produz o esvaziamento do núcleo essencial do artigo 201, § 11, da Constituição;
b) atenta contra o princípio da proporcionalidade; e
c) ofende o princípio constitucional da proibição de retrocesso.
4. Lei restritiva de direitos fundamentais. Impossibilidade de esvaziamento do núcleo essencial do artigo 201, § 11, da Lei Maior
Determina o § 11 do artigo 201 da Constituição que, “nos casos e na forma da lei”, “os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios”.
Embora a Constituição tenha destinado à legislação infraconstitucional a nobre e relevante missão de concretizar o mandado de otimização previsto no § 11 do artigo 201, não o fez de maneira totalmente discricionária, mediante a concessão de amplos e irrestritos poderes ao legislador.
O dispositivo constitucional, ao contrário, antecipa e preordena o conteúdo da legislação futura, compelindo o legislador a não seguir caminho diverso daquele ali previamente estabelecido. É lícito afirmar, portanto, que do artigo 201, § 11, da Constituição emana um efeito condicionador da atividade legislativa ordinária.[1]
Por essa razão, o legislador, ao dispor sobre os ganhos habituais do empregado “para efeito de contribuição previdenciária”, não poderia deixar de prever, em contrapartida, a “conseqüente repercussão em benefícios”, sob pena de seguir trilha diversa daquela previamente imposta pela ordem constitucional.
Importante observar que os ganhos habituais considerados para efeito de contribuição e conseqüente repercussão em benefícios são aqueles percebidos pelo empregado “a qualquer título”, pouco importando que essa percepção ocorra antes ou após a aposentadoria.
Cabe salientar, nesse particular, que a legislação anterior à Lei nº 9.032/95 sempre atuou, no que concerne ao caso, em absoluta conformidade com a diretriz constitucional. É o que evidenciam a instituição do pecúlio, previsto nas Leis nºs 6.243/75 (arts. 1º e 3º) e 8.213/91 (art. 81) – que funcionava como contrapartida à contribuição paga pelo aposentado que regressava ou permanecia em atividade – e a isenção prevista na Lei nº 8.870/94 (art. 24), concedida ao aposentado como contrapartida à extinção do pecúlio.
Nesse contexto, o artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91 incide em exuberante eiva de inconstitucionalidade, porquanto impede que as contribuições efetivadas pelo aposentado que permanece ou retorna à atividade repercutam no cálculo da respectiva aposentadoria, em descompasso com a diretriz expressamente traçada pela Lei Maior.
Trata-se, assim, de verdadeiro processo de erosão do núcleo essencial previsto no artigo 201, § 11, da Lei Magna, que deve ser repelido, pois não se pode conferir ao legislador ordinário o poder atuar de forma a abolir direito fundamental, por se tratar de conduta vedada até mesmo ao Poder Constituinte Reformador (CF, art. 60, § 4º, inciso IV).[2]
5. Ofensa ao princípio da proporcionalidade
Porém, não é só. O artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91 revela-se ainda inconstitucional, porque, ao pretender dar concreção ao comando exarado pelo artigo 201, § 11, da Constituição, afrontou o principio da proporcionalidade, na medida em que se utilizou de meios excessivos e, por isso mesmo, inadequados, desnecessários e desproporcionais à consecução de seus fins.
Com efeito, conforme o magistério de Konrad Hesse, “a limitação de direitos fundamentais deve [...] seradequada para produzir a proteção do bem jurídico, por cujo motivo ela é efetuada. Ela deve ser necessáriapara isso, o que não é o caso, quando um meio mais ameno bastaria. Ela deve, finalmente, ser proporcional no sentido restrito, isto é, guardar relação adequada com o peso e o significado do direito fundamental”.[3]
Seguindo essa mesma diretriz, Canotilho afirma que qualquer limitação a direito fundamental “feita por lei ou com base na lei, deve ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (com justa medida)”.[4]
E, nessa linha, prossegue o jurista português: “A exigência da adequação aponta para a necessidade de a medida restritiva ser apropriada para a prossecução dos fins invocados na lei (conformidade com os fins). A exigência da necessidade pretende evitar a adopção de medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias que, embora adequadas, não são necessárias para se obterem os fins de proteção visados pela Constituição ou a lei. Uma medida será então exigível ou necessária quando não for possível escolher outro meio igualmente eficaz, mas menos «coactivo», relativamente aos direitos restringidos. O princípio da proporcionalidade em sentido restrito (= princípio da «justa medida») significa que uma lei restritiva, mesmo adequada e necessária, pode ser inconstitucional, quando adopte «cargas coactivas» de direitos, liberdades e garantias «desmedidas», «desajustadas», «excessivas» ou «desproporcionadas» em relação aos resultados obtidos”.[5]
Fixadas essas premissas, cumpre examinar as linhas mestras traçadas pela Constituição com vistas à organização a previdência social. São elas (CF, art. 201, caput):
a) regime de caráter contributivo;
b) filiação obrigatória;
c) preservação do equilíbrio financeiro e atuarial.
Em estrita harmonia com essas diretrizes, o mesmo artigo 201, em seu § 11, estabelece que “os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária”.
Sucede que a contribuição arrecadada por meio da contribuição dos segurados obrigatórios e a preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário destinam-se a atender a uma finalidade específica, também expressamente estabelecida na Constituição: a proteção do segurado.
É o que se extrai dos múltiplos incisos do artigo 201 da Lei Magna, categóricos ao consignar que a previdência social tem por finalidade atender a: (I) cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (II)proteção à maternidade; (III) proteção do trabalhador em situação de desemprego involuntário etc.
Por essa razão, o mesmo § 11 do artigo 201 da Constituição estabelece que “os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário”, não só “para efeito de contribuição previdenciária”, mas também para efeito da “conseqüente repercussão em benefícios”.
Ao organizar o sistema previdenciário, portanto, a Constituição adota uma postura de equilíbrio, estipulando a obrigatória coexistência entre a necessidade de arrecadação e de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial e a finalidade de proteção do segurado. No caso do artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, porém, o legislador desviou-se desse princípio.
E isso porque impõe a condição de segurado obrigatório ao aposentado que permanecer ou retornar à atividade abrangida pelo RGPS, superestimando a necessidade de arrecadação, mas priva-o do direito de perceber a respectiva repercussão em outros benefícios, exceto o salário-família, a reabilitação profissional e o auxílio-doença, quando empregado, esvaziando a finalidade de proteção.
É importante observar, nesse particular, que o aposentado só permanece ou retorna à atividade em razão dainaptidão do Estado para outorgar-lhe a devida e satisfatória cobertura previdenciária na idade avançada. E isto ocorre, dentre outras razões, pela circunstância de o valor máximo dos benefícios decorrentes do Regime Geral de Previdência sofrer significativa limitação, por força de expressa disposição constitucional (EC nº 20/98, art. 14).[6]
Nesse contexto, o artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91 configura uma medida legislativa inadequada porquanto se mostra parcialmente desconforme com a finalidade trançada pela Constituição, já que privilegia integralmente a arrecadação, em total detrimento da proteção. Mas além de inadequada, a legislação revela-se igualmentedesnecessária e desproporcional.
Com efeito, considerado o universo de aposentados existentes no Brasil, não é elevado o número daqueles que permanecem ou retornam ao trabalho. Realmente, de acordo com estudo elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, com o objetivo de divulgar a síntese dos indicadores sociais pertinentes ao ano de 2006, o coeficiente de idosos[7] no Brasil é da ordem de 19 milhões de pessoas, representando 10,2% da população brasileira. Deste universo, extrai-se que 76,6% são aposentados ou pensionistas, dos quais apenas 19,2% continuam no mercado de trabalho.[8]
Frente ao exposto, verifica-se que o artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, ao suprimir o direito à repercussão em benefícios, na forma em que assegurado pelo artigo 201, § 11, da Constituição, adota medida excessiva, e, por isso mesmo, desnecessária e desproporcional para que seja alcançada a finalidade de preservar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema. Em termos percentuais, não é significativa a influência nas contas previdenciárias, provocada pelo aposentado que permanece ou retorna ao mercado de trabalho, de modo que não se justifica, em nenhuma hipótese, a supressão integral do direito fundamental examinado.
Por outro lado, não há diferença substancial entre os trabalhadores que ainda não se aposentaram, mas que já se encontram em condição de fazê-lo e os aposentados que permanecem ou retornam à atividade. Ambos são trabalhadores, gozam da mesma condição de segurados obrigatórios e igualmente contribuem para o sistema previdenciário. O artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, porém, não confere a ambos igualdade de direitos. A estes últimos, tão-só em razão da condição de aposentado, afasta o direito às mesmas prestações legalmente concedidas aos primeiros, mediante aplicação de uma lógica perversa e antiisonômica, que convola a aposentadoria, de benefício constitucionalmente assegurado, na qualidade e estatura de direito fundamental (CF, art. 6º), em verdadeiro malefício que se volta contra o seu titular.
Nesse contexto, emerge ainda mais evidente a desproporção da medida consagrada pelo diploma legal impugnado que, para além de ferir a norma inscrita no artigo 201, § 11, da Constituição, institui ainda situação discriminatória e, por isso mesmo, em tudo contrária ao princípio da isonomia.
6. Ofensa ao princípio da proibição de retrocesso
Por fim, é importante observar que os direitos fundamentais, uma vez concretizados pela via legislativa, saem da esfera de disponibilidade do legislador, que não pode mais reduzi-los ou suprimi-los[9], sob pena de promover o retorno a um estado de inconstitucionalidade por omissão parcial ou total, que deve ser repelido, por impedir a aplicação dos postulados e princípios constantes da Lei Fundamental.
Nesse sentido, conduz-se o magistério de Canotilho, materializado na citação de paradigmático julgado do Tribunal Constitucional de Portugal, in verbis: “a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcialmente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixa de consistir apenas) numa obrigação positiva, para se transformar ou passar também a ser uma obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a actuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social”.[10]
No caso em exame, o artigo 201, § 11, da Constituição já teve a sua concreção plenamente deflagrada pelas Leis nºs 6.243/75, 8.213/91 e 8.870/94, que, respectivamente, contemplavam o aposentado que regressasse ou se mantivesse em atividade com o direito ao pecúlio ou à isenção em relação à contribuição previdenciária.
Nesse contexto, o artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, ao erigir o aposentado que permanece em atividade à condição de segurado obrigatório, sem, no entanto, assegurar-lhe a conseqüente repercussão em benefícios, incorre em afronta ao princípio da proibição de retrocesso, porquanto promoveu a eliminação de direitos já consagrados pela via legislativa, em evidente e inegável esvaziamento do conteúdo protetivo inserto no artigo 201, § 11, da Constituição.
7. Conclusão
Expostas as premissas desenvolvidas ao longo do presente trabalho, cremos estar demonstrada a evidente inconstitucionalidade em que incide o artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91.
Realmente, para além de instaurar um verdadeiro processo de erosão do núcleo essencial previsto no artigo 201, § 11, da Lei Magna, o dispositivo legal adota medida desproporcional, prendendo-se, unicamente, à finalidade de preservar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema. Acresça-se a isso a circunstância de o dispositivo haver promovido a eliminação de direitos já consagrados pela via legislativa, em inegável lesão ao postulado constitucional atinente à proibição de retrocesso.
Frente a essa perspectiva, revela-se conclusivo que ao aposentado que permanece ou retorna à atividade remunerada abrangida pelo RGPS assiste o direito de obter a repercussão da contribuição previdenciária recolhida ao longo desse novo período de trabalho, para efeito de recalcular os valores atinentes ao respectivo benefício de aposentadoria.
Trata-se de solução que prestigia o caráter contributivo inerente ao sistema, voltado à preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, mas que não se afasta da finalidade expressamente estabelecida na Constituição para o regime de seguridade social: a proteção do segurado.

Previdenciário

 

Regime previdenciário e direito de opção dos servidores egressos de outros entes da Federação: uma questão em aberto

Artur Barbosa da Silveira
 
 

Resumo: O presente artigo discute a possibilidade de os servidores oriundos de outro ente federativo que, sem solução de continuidade, ingressarem em cargo público federal, estadual, municipal ou distrital, poderem optar pela manutenção do regime previdenciário anterior.
Palavras-chave: Regime Previdenciário. Servidor. Direito. Opção.
Abstract: This article discusses the possibility of the servers coming from another federal entity, without interruption, they join in federal, state, municipal or district, public office may choose to maintain the previous pension scheme.
Keywords: Pension Scheme. Server. Right. Option.
1. Previdência Complementar: evolução constitucional e legal.
A Emenda Constitucional n. 20, de 15/12/1998, modificou o art. 40 da Constituição Federal de 1988, que passou a prever, no §14, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituíssem regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderiam fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata aquele artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Carta Magna. Já o §§ 15 do art. 40 determinou que, observado o disposto no art. 202, lei complementar disporá sobre as normas gerais para a instituição de regime de previdência complementar pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para atender aos seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo. Em arremate, o §§ 16º da CF estabeleceu que, somente mediante sua prévia e expressa opção, o disposto nos  §§ 14 e 15 poderá ser aplicado ao servidor que tiver ingressado no serviço público até a data da publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar.
Seguindo o comando constitucional, no Estado de São Paulo, a Lei n. 14.653, de 22/12/2011 instituiu o regime de previdência complementar a que se refere o artigo 40, §§ 14 e 15, da Constituição Federal, de caráter facultativo, aos que ingressaram no serviço público estadual a partir da data da publicação da referida lei, sendo que a São Paulo Previdência - SPPREV passou a ser entidade gestora única, tendo por finalidade administrar o Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos titulares de cargos efetivos - RPPS e o Regime Próprio de Previdência dos Militares do Estado de São Paulo - RPPM.
Em relação à União, tal regime complementar foi instituído por meio da lei 12.618, de 30/4/12, que, além de instituir o regime de previdência complementar para os servidores públicos federais titulares de cargo efetivo, fixou o limite máximo para a concessão de aposentadorias e pensões pelo regime de previdência de que trata o art. 40 da Constituição Federal e autorizou a criação de 3 (três) entidades fechadas de previdência complementar, denominadas Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp-Exe), Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Legislativo (Funpresp-Leg) e Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Judiciário (Funpresp-Jud).
Com o decreto 7.808/2012 foi criada a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo - Funpresp-Exe para administrar o plano de previdência dos servidores públicos do Executivo - ExecPrev. O Poder Legislativo optou por não ter uma fundação própria delegando à Funpresp-Exe a administração do plano de previdência para os servidores da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Tribunal de Contas da União, o LegisPrev. 
Em 04 de fevereiro de 2013, a partir de autorização da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), a Funpresp-Exe iniciou a administração do ExecPrev que atualmente conta com 202 patrocinadores, entre órgãos da administração direta, autarquias e fundações públicas federais. 
Assim, todos os servidores públicos que ingressaram no Poder Executivo Federal a partir de 4/2/2013 passaram a ter duas opões: contribuir apenas para o RPPS - Regime Próprio de Previdência Social e ter sua aposentadoria limitada ao teto do RGPS ou vincular-se à previdência complementar, sendo tal opção irretratável. Ressalte-se que foi assegurado aos servidores que, sem solução de continuidade com a Administração, ingressaram no serviço público Federal antes da vigência do novo regime, o direito de aderir à previdência complementar ou permanecer no sistema previdenciário anterior.
2. Opção de manutenção do regime previdenciário para os servidores egressos de outros entes da Federação: a posição da Administração Pública sobre o tema.
A questão que se coloca é: os servidores oriundos de outro ente federativo que, sem solução de continuidade, ingressarem em cargo público federal, estadual, distrital ou municipal, têm direito à manutenção do regime previdenciário anterior?
Administrativamente, a reposta parece ser negativa aos servidores, tanto em relação à União, quanto em relação ao Estado de São Paulo.
No tocante à União, recentemente, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão publicou orientação normativa nº 17, de 23 de dezembro de 2013, publicada na edição extra do DOU 249, de 24/12/2013, no sentido de que os servidores estaduais, municipais e distritais que ingressaram em cargo público efetivo, do Poder Executivo Federal, a partir de 04/02/2013, estão submetidos ao regime de Previdência Complementar, independente de solução de continuidade entre os cargos.
Segundo referida orientação normativa, estão sujeitos ao regime de previdência complementar de que trata a Lei nº 12.618, de 2012, e consequentemente, terão suas contribuições previdenciárias submetidas ao limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social: a) os servidores federais que ingressaram ou ingressarem em cargos públicos efetivos no Poder Executivo Federal a partir de 04 de fevereiro de 2013; e b) os servidores egressos de órgãos ou entidades de qualquer dos entes da federação mencionados no parágrafo único do art. 1º desta Orientação Normativa que tenham ingressado ou ingressarem em cargo público efetivo do Poder Executivo Federal a partir de 04 de fevereiro de 2013.
Ou seja, o MPOG conferiu interpretação totalmente restritiva à expressão "serviço público" do art. 40, par. 16º, Constituição Federal.
Desse modo, os servidores que se encaixam na situação acima e que aderirem à previdência complementar terão garantido apenas um benefício especial, que equivale a uma compensação, a título de incentivo, dos valores já pagos ao RPPS durante o período de contribuição, nos termos do art. 4º da orientação normativa.
No Estado de São Paulo, a Administração ainda não emitiu parecer conclusivo sobre o tema, porém, a tendência é que também seja dada uma interpretação restritiva ao comando do art. 40, § 16 da Constituição Federal, porquanto, sob a ótica administrativa, o referido parágrafo deve ter interpretado à luz dos §§ 14 e 15 do mesmo artigo.
Explica-se: de acordo com o art. 40, § 14 da CF, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e a União, desde que instituam regime de previdência complementar para seus servidores, poderão fixar para os benefícios concedidos pelo regime de que fala o artigo 40 (regime próprio de previdência) o teto do regime geral de previdência social (art. 201 da Constituição Federal); o § 15 do art. 40, por sua vez, estabelece que o regime de previdência complementar será instituído por lei do respectivo ente federativo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Portanto, quando o art. 40, § 16 da Carta Magna diz “serviço público”, tal expressão contém implicitamente os termos “federal”, “estadual”, “municipal” e “distrital”, não sendo todo tipo de serviço público que garante o direito de opção do servidor, mas somente aquele serviço público prestado ao mesmo ente federativo.
3. A nossa opinião sobre o assunto.
Ora, com todo respeito ao posicionamento da Administração, tal tese está fadada ao fracasso perante o Poder Judiciário.
Não há lógica e tampouco fator de discriminação que possibilite conferir tratamento diferenciado entre servidores públicos de diferentes entes federativos, sob o risco de violação ao princípio da isonomia, previsto expressamente na Carta Magna. Assim, independentemente do ente federativo originário, se o indivíduo já era servidor público anteriormente à instituição da previdência complementar e, posteriormente a tal instituição assumiu cargo público federal, estadual, municipal ou distrital, sem quebra de vínculo com a Administração Pública, deve ter a opção de permanecer no regime previdenciário antigo.
Isso porque a própria Constituição Federal prevê que, para se definir o regime previdenciário, o que vale é condição de titular de cargo público, sem estabelecer restrição quanto à natureza do vínculo contraído – federal, estadual, municipal ou distrital –, o que impede que lei assim o faça. Nem a interpretação conjunta entre o § 16 do art. 40 e os parágrafos anteriores leva a uma conclusão diferente dessa. Pelo contrário: quisesse a Constituição Federal restringir o direito do servidor público de outra esfera, teria feito expressamente, seja no próprio art. 40, § 16, seja em disposição transitória (ADCT).
4. A posição do Poder Judiciário: questão ainda em aberto.
O Poder Judiciário ainda não se manifestou de forma definitiva sobre o tema, mas a tendência é que seja dada interpretação favorável aos servidores públicos egressos de outros entes federativos.
O Tribunal Regional Federal da 1ª região, com sede em Brasília/DF, atendendo ao pedido liminar formulado por associação de classe (ANAUNI – Associação Nacional dos Advogados da União), garantiu o direito de opção dos seus associados pelo regime da previdência complementar de forma retratável e revogável, até que o Poder Judiciário se manifeste de forma definitiva sobre o mérito do pedido.
Já no Estado de São Paulo, a APESP (Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo), em razão de decisão tomada em assembleia de classe, decidiu por aguardar um posicionamento conclusivo da Administração Pública paulista para, se for o caso, ingressar com medida judicial que garanta o direito dos servidores vindos de outros entes federativos de optarem pelo regime previdenciário anterior.
5. Conclusão
Conclui-se que, embora tal questão ainda esteja em aberto, há uma tendência da Administração Pública de dar intepretação restritiva ao comando constitucional, limitando o direito dos servidores públicos egressos de outros entes federativos, em flagrante ofensa aos princípios da isonomia e da eficiência, já que, se a posição da Administração fosse favorável aos servidores, tal fato evitaria um enorme número de demandas judiciais vindouras. Cabe ao Poder Judiciário, como órgão constitucional ao qual foi atribuído o poder de solucionar as controvérsias, dar a palavra final sobre o tema.