As modificações no benefício da pensão por morte e sua flagrante inconstitucionalidade
As alterações da MP 664 à pensão por morte são inconstitucionais, em virtude da violação aos princípios da proibição do retrocesso social e da universalidade de cobertura.
O Governo Federal, no apagar das luzes do ano de 2014, editou a Medida Provisória n.º 664, de 30 de dezembro, reduzindo a cobertura de alguns benefícios sociais, sob o pretexto de corrigir “distorções” e com isso “economizar” alguns bilhões de reais.
Neste escrito, vamos nos abster de tecer considerações sobre a inconstitucionalidade formal por afronta ao art. 62 da Carta Magna. Apontaremos apenas as gritantes inconstitucionalidades de ordem material, especialmente no que diz respeito a pensão por morte.
A vigente Constituição Federal, de forma clara e evidente, veda o retrocesso em termos de cobertura proporcionada pela seguridade social. Nossa Lei Suprema, ao ser promulgada, ofertou as fontes de custeio necessárias para a manutenção da seguridade social com os benefícios sociais e previdenciários preexistentes. Na hipótese comprovada de risco para a manutenção desse sistema, bem como para sua expansão, autorizou a criação de outras fontes de custeio (§ 4.º, do art. 195). Para evitar a instituição ou incremento irresponsável de novos benefícios, o legislador constituinte determinou que isso só é possível mediante a existência de fonte de custeio para tanto (§ 5.º, do art. 195).
Por sua vez, se constitui objetivo precípuo da seguridade social a universalidade da cobertura (art. 194, I, CF). Segundo o conceito dos doutrinadores Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, “por universalidade da cobertura entende-se que proteção social deve alcançar todos os eventos cuja reparação seja premente, a fim de manter a subsistência de quem dela necessite.” (Manual de Direito Previdenciário, 4.ª ed. rev. e atual. Conforme o Novo Código Civil e a legislação em vigor até 20.5.2003. – São Paulo: LTr, 2003, p. 80.)
A interpretação sistemática e harmônica dos dispositivos constitucionais há pouco invocados leva à conclusão de que a cobertura da seguridade social jamais pode ser mitigada, reduzida. Como se vê, até com facilidade confortável, o legislador constituinte se preocupou apenas com a manutenção e/ou expansão da seguridade social, não cogitando, em nenhuma hipótese, no seu retrocesso, sequer sob o fundamento de escassez de recursos.
Desse modo, restringir o alcance da cobertura, criar óbices, antes inexistentes, para a fruição de certos benefícios previdenciários, caminha na contramão do objetivo da universalidade de cobertura consagrada no Texto Maior.
Feitas essas considerações gerais e preliminares, vejamos as alterações perpetradas na pensão por morte.
A Medida Provisória n.º 664/2014, de uma bordoada só, trouxe as seguintes inovações para que um dependente possa obter e fruir da pensão por morte:
a) redução do valor da pensão por morte de cem por cento para cinquenta por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data do seu falecimento, acrescido de tantas cotas individuais de dez por cento do valor da mesma aposentadoria, quantos forem os dependentes do segurado, até o máximo de cinco;
b) carência de vinte e quatro contribuições mensais, deixando de excetuar, inclusive, a morte oriunda de acidente de qualquer natureza, a exemplo do que ocorre no auxílio-doença e aposentadoria por invalidez;
c) transformação da pensão por morte de vitalícia em temporária para o cônjuge, companheiro ou companheira, desde que este tenha expectativa de sobrevida igual ou inferior a 35 anos;
d) requisito de dois anos de casamento ou união estável, para fazer jus ao benefício, salvo óbito decorrente de acidente ou no caso do cônjuge, companheiro ou companheira for considerado definitivamente incapaz.
e) fim da reversibilidade da cota daquele que perde a condição de dependente.
O arcabouço constitucional da previdência social ofertado pela Constituição da República não admite uma proteção capenga, pela metade, temporária, ao evento morte. Tanto é assim que o art. 201 prescreve que o regime geral da previdência social atenderá, nos termos da lei, entre outros, ao evento morte. O inciso V, do art. 201, do Texto Maior privilegia, sem peias ou temperamentos, a pensão por morte e, ainda, tem o cuidado de lembrar que esse benefício não poderá ter valor inferior ao salário-mínimo. O Texto Constitucional sobre esse evento se fez e se quer amplo para cumprimento da função de amparo ao cônjuge, companheiro ou companheira e dependentes.
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