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terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Previdenciário

 

A aposentadoria especial e o servidor público

Charlston Ricardo Vasconcelos dos Santos
 
 
Resumo: O presente trabalho visa trazer a lume o direito que o servidor público titular de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, autarquias e fundações desses entes, possui quando labora em condições de risco ou sob condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou a sua integridade física, ou seja, o direito a uma aposentadoria diferenciada, denominada de aposentadoria especial.
Palavras-chave: Aposentadoria. Diferenciada. Especial. Servidor Público.
Sumário: Introdução. 1. O servidor público e o direito à aposentadoria especial. 2. Da norma aplicável para a concessão da aposentadoria especial do servidor público. 3. Do entendimento jurisprudencial sobre a aposentadoria especial do servidor público titular de cargo efetivo. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A aposentadoria Especial é espécie de aposentadoria por tempo de contribuição, pois para a obtenção da mesma também se faz necessário um número mínimo de tempo de contribuição, nesse sentido é o magistério de Carlos Alberto Pereira de Castro, senão veja:
“A aposentadoria especial é uma espécie de aposentadoria por tempo de contribuição, com redução do tempo necessário à inativação física.”[1]
 A aposentadoria especial também pode ser considerada uma aposentadoria diferenciada, pois o legislador constituinte veda a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo Regime Próprio do Servidor Público e pelo Regime Geral da Previdência Social, respectivamente, no § 4º do Art. 40 e no § 1º do Art. 201 da Constituição Federal.
O contribuinte ou o segurado para obter a chamada aposentadoria por tempo de contribuição, integral, via de regra, precisa ter contribuído por um período de 35 (trinta e cinco) anos, se homem, e por 30 (trinta) anos, se mulher.
Contudo, para a aposentadoria especial ou diferenciada, o segurado tem que contribuir por durante 15, 20 ou 25 anos, conforme o caso, nos termos do Art. 57 da Lei 8.213/91, sendo 15 para mineiro de subsolo, 20 para exploradores sub aquáticos e 25 anos para os demais segurados, nos termos do Decreto nº 3.048/1999.
Todavia, esse período de contribuição de 15, 20 ou 25 anos, necessita que seja sob submissão a agentes que prejudiquem a saúde ou a integridade física do segurado, ou seja, para fazer jus a essa espécie de aposentadoria, o segurado não basta ter computado o tempo acima indicado, é preciso que esse lapso de tempo e período de contribuição tenha sido realizado durante o exercício de trabalho que submeta o segurado a determinados agentes físicos, químicos e biológicos, ou a uma combinação destes.
Ao segurado que desejar se aposentar por meio da aposentadoria por tempo de contribuição, que esteja filiado ao Regime Geral da Previdência, ou seja, ao INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, via de regra, não há exigência de idade mínima para a concessão do benefício, nos termos do inciso I, do § 7º, do Art. 201 da Constituição Federal.
No entanto, para o segurado servidor público, titular de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que desejar se valer da aposentadoria por tempo de contribuição para obter a sua aposentadoria integral, será exigido uma idade mínima, dentre outros requisitos, como tempo mínimo no serviço público e no cargo em que se dará a aposentadoria, conforme alínea “a”, do inciso III, do  § 1º, do Art. 40 da Constituição Federal .
Porém, assim como na aposentadoria por tempo de contribuição integral, não se exige idade mínima para a concessão da aposentadoria especial.
Outrossim, atualmente, não é a profissão ou a categoria profissional que caracteriza o exercício da atividade sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, mas sim a comprovação da exposição permanente, não ocasional e nem intermitente a agente nocivo que esteja acima dos limites de tolerância aceitos.
Nada obstando os fundamentos acima, apesar do legislador trazer no Art. 57, da Lei 8.213/91, a previsão da aposentadoria especial, essa previsão diz respeito ao segurado empregado, avulso ou contribuinte individual que esteja vinculado ao Regime Geral da Previdência Geral, ou seja, ao INSS – Instituto Nacional do Seguro Social. Quando o segurado for contribuinte individual, deverá ser cooperado e filiado à cooperativa de trabalho ou de produção, conforme Art. 64 do Decreto 3.048/1999.
Desta feita, o legislador constituinte garantiu a possibilidade da aposentadoria especial ou diferenciada para o servidor público titular de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídos os servidores das autarquias e fundações desses entes federados, porém, mediante a edição de lei complementar, nos termos do § 4º do Art. 40 da Constituição Federal.
Ocorre que, a lei complementar não foi editada até o presente momento, o que tem levado aos servidores públicos que desenvolvem atividade de risco ou sob condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou a sua integridade física (condições insalubres) a, diretamente ou por intermédio de sua entidade de classe, buscar a tutela do Poder Judiciário, para salvaguardar o seu direito a uma aposentadoria diferenciada, ou seja, especial.
1. O SERVIDOR PÚBLICO E O DIREITO À APOSENTADORIA ESPECIAL
O servidor público que labora em condições de risco ou sob condições insalubres não pode ser prejudicado pela inércia do legislador infraconstitucional, a lacuna legal não pode ser óbice ao reconhecimento de um direito de garantia constitucional.
O inciso XXII, do Art. 7º, da Constituição Federal, garante ao trabalhador, urbano ou rural, o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, o que também é garantido ao servidor público, nos termos do §3º, do Art. 39, da Constituição Federal, senão veja:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
Art. 39. (...)
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no artigo 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.”
Destarte, para que a dignidade da pessoa humana seja preservada, preservando-se o inciso III, do Art. 1º, da Constituição Federal, deve-se observar o que preceitua o inciso XXII, do Art. 7º, da Constituição Federal, sob pena de afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Pertinente é destacar ainda que o Art. 7º e o §3º do Art. 39, ambos da Constituição Federal, estão em sintonia com o princípio da isonomia, trazido no caput do Art. 5º, da Constituição Federal, pois, sem dúvida, o servidor público também é trabalhador.
Por isso, não se pode esquecer do princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, princípio esse contemplado no Art. 7º, da Carta Magna, que, por determinação do §3º do Art. 39, desse mesmo diploma constitucional, alcança os servidores públicos. Esse princípio exige tratamento uniforme a trabalhadores urbanos e rurais, exige idênticos benefícios e serviços (uniformidade), para os mesmos eventos cobertos pelo sistema (equivalência). Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazarri diz que “Os critérios para concessão das prestações de seguridade social serão os mesmos”.[2]
A aposentadoria especial tem por objetivo justamente salvaguardar a saúde, a integridade física e mental do trabalhador que laborou durante certo tempo submetido a agentes nocivos.
Maria Lúcia Luz Leiria, preleciona que:
“A finalidade do benefício de aposentadoria especial é de amparar o trabalhador que laborou em condições nocivas e perigosas à saúde, reduzindo o tempo de serviço/contribuição para fins de aposentadoria. “[3]
Desta feita, nas palavras do ilustre professor Edmilson de Almeida Barros Júnior, “O fato gerador de contribuição previdenciária para custeio deste benefício é o trabalho exercido em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, com exposição a agentes nocivos de modo permanente, habitual, não ocasional nem intermitente.”.[4]
O Doutor Edmilson de Almeida Barros Júnior, ao comentar sobre a aposentadoria especial, sustenta que “O benefício é previsto na Lei Maior tanto para estatutários (federais, estaduais e municipais), como para celetistas.”.[5]
Por isso, vários servidores públicos titulares de cargos efetivos de todo o Brasil - vinculados ao regime próprio do servidor público da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas autarquias e fundações, que laboram sob condições de risco e insalubres - estão requerendo a aposentadoria especial, tanto na via administrativa como na judicial.
Todavia, a Administração Pública não tem reconhecido o pedido à aposentadoria especial.
Contudo, o Poder Judiciário, inclusive o Supremo Tribunal Federal, tem reconhecido, reiteradamente, o direito à aposentadoria especial ao servidor público titular de cargo efetivo que esteja submetido ao labor em condições de risco e a insalubridade, desde que a submissão seja permanente, não ocasional e nem intermitente.
2. DA NORMA APLICÁVEL PARA A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PÚBLICO
O servidor público ocupante de cargo efetivo tem garantido o direito a uma aposentadoria diferenciada, isto é, especial, conforme se observa no § 4º, do Art. 40, da Constituição Federal, senão veja:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (...)
§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
I portadores de deficiência; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
II que exerçam atividades de risco; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
Esse mesmo mandamento se repete em outras normas de regência, como é o caso da Constituição Estadual do Estado de Pernambuco, que no § 4º, do Art. 171, traz a possibilidade da aposentadoria especial para o servidor público, senão veja:
Art. 171 - Aos servidores públicos do Estado, inclusive de suas autarquias e fundações, titulares de cargos efetivos, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e as disposições deste artigo. (...)
§ 4º É vedada à adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
I portadores de deficiência; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
II que exerçam atividades de risco; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
Corroborando com a garantia constitucional acima demonstrada, ou seja, com o direito do servidor público ocupante de cargo efetivo obter sua aposentadoria de forma diferenciada, ou seja, após o exercício de labor durante menor tempo de serviço, isto é, menor tempo de contribuição, pode-se dizer que se tem, ainda, o §12, do Art. 40, da Constituição Federal, pois, por meio desse dispositivo constitucional, o legislador constituinte diz que o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo deverá observar, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social, conforme abaixo :
“§ 12 - Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social.”
Desta feita, em conformidade com os fundamentos constitucionais acima, para a concessão da aposentadoria especial do servidor público titular de cargo efetivo, dever-se-á adotar o que está previsto nos Arts.  57 e 58 da Lei nº 8.213/91, ou seja, da Lei de regência do regime geral de previdência social, bem como o que prevê o Decreto 3.048/99, em seu anexo IV, desses dispositivos destaca-se abaixo o Art. 57 da Lei de regência do regime geral de previdência social:
“Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.”
Cabe reiterar que 15 (quinze) anos é para mineiro de subsolo, 20 (vinte) anos é para exploradores sub aquáticos e 25 (vinte e cinco) anos é para os demais segurados, por exemplo, para os médicos, nos termos do Decreto nº 3.048/1999.
O regime geral de previdência social é aquele que é administrado pelo INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, que anteriormente era denominado de INPS – Instituto Nacional de Previdência Social.
Assim sendo, subsidiariamente, para se conceder a aposentadoria especial do servidor público titular de cargo efetivo, pode-se adotar a legislação aplicável ao regime geral da previdência geral, conforme acima demonstrado.
A ilustre professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro ao comentar sobre a aposentadoria especial do Servidor Público traz que “na falta da lei complementar prevista no artigo 40, § 4º, foi interposto Mandado de Injunção, no qual o Supremo Tribunal Federal supriu a omissão legislativa, estendendo aos servidores públicos a norma do artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91.[6]
Por isso, o servidor público deve atentar para o que está previsto no Art. 57 e 58 da Lei 8.213/1991, principalmente, ao fixado no § 8º, do Art. 57, haja vista que de acordo com o mesmo, o servidor terá que se afastar da exposição aos agentes nocivos a sua saúde, sob pena de ter a sua aposentadoria cancelada, conforme se depreende da leitura conjugada do § 8º, do Art. 57 com o Art. 46, da Lei 8.213/1991. Waldir Novaes Martinez, ao tratar sobre o trabalhador que se aposenta por aposentadoria especial e continua trabalhando na área de risco diz que: “Este segurado pode ter o benefício cancelado”.[7]
Porém, importante é não olvidar que essa orientação pode ir de encontro ao inciso XVI, do Art. 37, da Constituição Federal, haja vista a possibilidade de alguns servidores públicos poderem acumular até 02 (dois) cargos públicos para determinados cargos, o que torna imperativa a não aplicação do § 8º, do Art. 57, da Lei 8.213/1991, ao servidor público que esteja protegido pelo inciso XVI, do Art. 37, da Constituição Federal, sob pena de patente inconstitucionalidade.
3. DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE A APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PÚBLICO TITULAR DE CARGO EFETIVO
Conforme dito alhures, o Poder Judiciário tem acolhido o pleito para a concessão da aposentadoria especial ao servidor público titular de cargo efetivo que exerça atividade de risco ou que a desenvolva sob condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou integridade.
O Poder Judiciário, atento aos ditames da Lei de Introdução ao Código Civil,  ou seja, aos Arts. 4º e 5º, do Decreto-Lei 4657/1942, tem se valido da analogia para atingir os fins sociais e o bem comum.
Recentemente, no Estado de Pernambuco, o SIMEPE – Sindicato dos Médicos de Pernambuco obteve êxito perante o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, numa demanda impetrada por meio de Mandado de Injunção em face do Estado de Pernambuco, cujo objeto foi garantir o direito a aposentadoria especial a uma médica, servidora pública titular de cargo efetivo do Estado de Pernambuco, que já havia completado 25 (vinte e cinco) anos de trabalho sob condições insalubres.
O Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, ante a inércia do Estado de Pernambuco em promover a edição da Lei Complementar Estadual para regular a aposentadoria especial do servidor em tela, pautou-se no entendimento do Supremo Tribunal Federal para proferir a seguinte decisão em favor da médica servidora:
0191458-9 - Descrição MANDADO DE INJUNÇÃO 
Relator HELENA CAÚLA REIS 
Data 04/02/2010 15:26 
Fase REGISTRO / PUBLICAÇÃO NO DJ  Texto MANDADO DE INJUNÇÃO N.º 191.458-9 - Recife. Impetrante: Glória Maria Barbosa Bittencourt. Impetrados: Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco. Exmo. Governador do Estado de Pernambuco. Relatora: Desa. Helena Caúla Reis. Órgão Julgador: Corte Especial. EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DE SERVIDOR PÚBLICOESTADUAL. OMISSÃO LEGISLATIVA NA REGULAMENTAÇÃO DO ART. 171, § 4º, PARTE FINAL, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA, SUSCITADA PELA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE PERNAMBUCO. ACOLHIMENTO. PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, SUSCITADA PELO GOVERNO DO ESTADO. REJEIÇÃO. MÉRITO. NORMA DE EFICÁCIA LIMITADA, QUE DEMANDA REGULAMENTAÇÃO POR LEI COMPLEMENTAR. INÉRCIA LEGISLATIVA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI Nº 8.213/91SERVIDORA QUE CUMPRIU A MAIOR CARÊNCIA PREVISTA PARA A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL PELO RGPS. DIREITO A TER O PEDIDO DE APOSENTADORIA ANALISADO PELA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA À LUZ DA LEI Nº 8.213/91. ORDEM INJUNCIONAL PARCIALMENTE CONCEDIDA. DECISÃO UNÂNIME. I - Conforme dispõe o inciso IV do § 1º do art. 19 da Carta Estadual, compete privativamente ao Governador do Estado deflagrar o processo legislativo relativo à matéria que verse sobre servidor público, motivo pelo qual deve ser reconhecida a ilegitimidade da Assembléia Legislativa Estadual para figurar como autoridade impetrada no mandamus. Preliminar de ilegitimidade passiva, suscitada pela Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco, acolhida à unanimidade. II - Contra a abusiva mora legislativa do texto constitucional, a Lei Maior previu a reação injuncional (art. 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal e art. 61, I, "h", da Constituição Estadual), inclusive com a finalidade de impedir o seu próprio desprestígio, outorgando ao Judiciário o poder de declarar a omissão e também, como vem entendendo o Supremo Tribunal Federal, ao adotar uma posição concretista, de implementar o exercício do direito, liberdade ou prerrogativa constitucional, no caso específico, até que sobrevenha regulamentação pelo poder competente. Portanto, considerando que a impetrante alega omissão legislativa que estaria inviabilizando o exercício de direito subjetivo seu, assegurado constitucionalmente, descabe cogitar-se de impossibilidade jurídica do pedido. Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, suscitada pela autoridade impetrada, rejeitada à unanimidade. III - Sendo o art. 171, § 4º da Constituição Estadual norma de eficácia limitada, demanda, por isso, regulamentação por lei complementar, a fim de dar concretude ao texto constitucional. IV - Na hipótese em tela, por inexistir lei complementar estadual regulamentadora do direito à aposentadoria especial, conclui-se que a inércia legislativa vem frustrando a eficácia de situações subjetivas, reconhecidas constitucionalmente, traduzindo, portanto, séria ofensa à Carta Estadual. V - É possível o Tribunal de Justiça remover, no caso concreto, o obstáculo consistente na inexistência de lei complementar que discipline a concessão de aposentadoria especial dos servidores públicos estaduais estatutários que desempenhem atividades exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. VI - Os documentos juntados com a impetração comprovam que a autora contava, em 19/12/2008, com 26 (vinte e seis) anos, 4 (quatro) meses e 17 (dezessete) dias de serviço como médica da Secretaria de Saúde do Estado, tendo, assim, cumprido a maior carência prevista para a concessão de aposentadoria especial pelo Regime Geral de Previdência Social, conforme se observa do caput do art. 57 da Lei 8.213/91. VII - É de ser garantido à impetrante o direito de ter seu pedido de aposentadoria especial analisado à luz da Lei 8.213/91, pela autoridade administrativa competente, desde que não sobrevenha a edição da lei complementar reclamada, tendo em vista a mora legislativa, o pacífico entendimento adotado pelo STF sobre a matéria e a necessidade de se dar eficácia às normas constitucionais. IX - Ordem parcialmente concedida. Decisão unânime. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do Mandado de Injunção n.º 191.458-9, em que figuram como impetrante Glória Maria Barbosa Bittencourt, e como impetrados a Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco e o Exmo. Governador do Estado de Pernambuco, ACORDAM os Desembargadores componentes da Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, na sessão do dia 11/01/2010, por decisão unânime, em acolher a preliminar de ilegitimidade passiva, suscitada pela Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco, rejeitar a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, arguida pelo Governador do Estado de Pernambuco e, no mérito, em conceder parcialmente a ordem injuncional, para garantir à impetrante o direito de ter seu pedido de aposentadoria especial analisado à luz da Lei 8.213/91, pela autoridade administrativa competente, desde que não sobrevenha a edição da lei complementar reclamada, tudo nos termos do Relatório, Votos e Parecer Ministerial, digitados anexos, que passam a integrar este aresto. Recife, 27 de janeiro de 2010. Desa. Helena Caúla Reis Relatora PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE PERNAMBUCO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO Gabinete Desa. Helena Caúla Reis Praça da República, lfcs Mandado de Injunção nº 191.458-9 “
O acórdão acima coaduna com os ditames constitucionais e legais supra indicados, bem como com a posição balizadora exarada pelo Supremo Tribunal Federal, quando dos julgamentos dos Mandados de Injunções de nº  721/DF e 758/DF, cujo relator foi o Min. Marco Aurélio, ementado abaixo:
“MANDADO DE INJUNÇÃO - NATUREZA. Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada. MANDADO DE INJUNÇÃO - DECISÃO - BALIZAS. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada. APOSENTADORIA - TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR - ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral - artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91.”
Atualmente, tramita no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco um Mandado de Injunção Coletivo, também impetrado pelo SIMEPE – Sindicato dos Médicos de Pernambuco, em face do Estado de Pernambuco, a fim de salvaguardar o direito a aposentadoria especial dos demais médicos que são servidores públicos titulares de cargos efetivos do Estado de Pernambuco, e que laboram sob as condições especiais supra indicadas. Ao mesmo tempo se busca garantir igual direito aos médicos da rede municipal. Esse Mandado de Injunção está na fase de julgamento.
As constantes demandas judiciais propostas pelos servidores públicos em busca da aposentadoria especial fez com que a Administração Pública editasse a Orientação Normativa SRH/MP No- 6, de 21 de junho de 2010 e a Instrução Normativa MPS/SPS Nº 1, de 22 de julho de 2010, exaradas, respectivamente, pelo Secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e pelo Secretário de Políticas de Previdência Social, o que é fruto das constantes conquistas perante o Poder Judiciário.
Paralelamente as demandas judiciais em busca da aposentadoria especial para o servidor público acima enquadrado, tramitam, no Congresso Nacional, dois Projetos de Leis que pretendem regulamentar a aposentadoria especial do servidor público, são o PLP 554-10 e PLP 555-10.
No entanto, ao contrário das normas que estão sendo consideradas pelo Poder Judiciário para deferir a aposentadoria especial, o legislador está exigindo, em um dos projetos de lei acima indicado, idade mínima e, além disso, ele está majorando o tempo de serviço/contribuição a ser cumprido.
CONCLUSÃO
Portanto, ainda que a Constituição Federal garanta a possibilidade de uma aposentadoria diferenciada, ou seja, especial, para os servidores públicos titulares de cargos efetivos que laborem sob condições de risco ou especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, a mesma deixa a regulação desse direito ao legislador infraconstitucional, ao estabelecer a necessidade de edição de lei complementar.
Contudo, a inércia do legislador infraconstitucional não pode servir de óbice para a concessão da aposentadoria diferenciada ou especial trazida na Constituição Federal, bem como na Constituição Estadual do Estado de Pernambuco, como tem sido reconhecido pelos Tribunais Pátrios, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.
Nesse diapasão, até que se supra a lacuna legal com a edição de uma lei complementar para disciplinar a aposentadoria especial do servidor público, nos termos do §4º, do Art. 40, da Constituição Federal, impõe-se, por analogia, a aplicação da lei de regência do regime geral da previdência social, ou seja, a incidência do Art. 57 da Lei 8.213/91.

Por isso, o servidor público titular de cargo efetivo que labore sob condições de risco ou especiais que prejudiquem a sua saúde ou a sua integridade física, que desejar se valer das condições atuais para obter a aposentadoria especial, deverá requerer a mesma o quanto antes, sob pena de ter que cumprir com os requisitos trazidos no Projeto de Lei acima suscitado.

Previdenciário

 

O FUNRURAL após o RE 363.852/MG: As normas declaradas inconstitucionais, a contribuição previdenciária após o advento da Lei n. 10.256/2001 e o posicionamento jurisprudencial incipiente

Julio Cezar Pessoa Picanço Junior
 
 
Resumo: As considerações aqui apostas partem do julgamento proferido pelo STF no RE 363.852/MG, buscando identificar especificamente as normas prejudicadas pelo vício da inconstitucionalidade reconhecido na decisão; individualizando-se tais normas, explicitar-se-ão as dificuldades a serem enfrentadas pelos contribuintes que buscarem o Poder Judiciário para o ressarcimento dos valores recolhidos com base no comando normativo inconstitucional, notadamente no que se refere ao prazo prescricional para a repetição. Será demonstrado também que a declaração de inconstitucionalidade tem um alcance limitado, notadamente após a publicação da Lei n. 10.256, de 9 de julho de 2001, observadora da EC 20/98, por isso atualmente impositiva da contribuição previdenciária devida pelos empregadores rurais, pessoas naturais, e que não teve sua inconstitucionalidade analisada pelo STF. Por fim, restará indicada a atual posição jurisprudencial sobre o tema, mitigadora da decisão proferida no recurso extraordinário, haja vista o correto entendimento sobre as normas efetivamente declaradas inconstitucionais.
Palavras-chave: Funrural, Contribuição Previdenciária, Empregador Rural, RE 363.852/MG, Lei 10.256.
ABSTRACT: The considerations are based on the betting judgement rendered by the Supreme Court in RE 363.852/MG in order to specifically identify the rules affected by the defect of unconstitutionality; individualizing such standards will be explaining the difficulties to be faced by taxpayers who seek the Judiciary for the reimbursement of the amounts collected as unconstitutional legislative command, especially with regard to the time limitation for the replay. It will be demonstrated also that the declaration of unconstitutionality is of limited scope, notably after the publication of Law No. 10256 of July 10, 2001, Observer of the EC 20/98, so now imposing social security contribution payable by rural employers, individuals, and that its constitutionality was not considered by the Supreme Court. Finally, there will indicate the current position on the subject of jurisprudence, the decision rendered in mitigating extraordinary appeal, given the correct understanding of the rules effectively declared unconstitutional.
Key words: Funrural, Social Security Contributions, Rural Employer, RE 363.852/MG, Lei 10.256.
Sumário: 1. Considerações Iniciais. 2. O leading case representado pelo RE 363.852/MG. 3. A delimitação do conteúdo normativo analisado pelo STF: alteração no arcabouço legislativo. 4. A limitação temporal do eventual direito à repetição do indébito. 5. A emenda constitucional 20/98: o amparo à Lei n. 10.256/01. 6. O posicionamento da jurisprudência quanto à questão. 7. Conclusão.
1. Considerações Iniciais
O presente artigo traz breves considerações envolvendo importante precedente jurisprudencial relativo à decisão proferida pelo E. STF no RE 363.852/MG. Em artigo anterior, buscou-se delimitar o objeto da inconstitucionalidade declarada no acórdão, esclarecendo equívocos quanto à terminologia apresentada (FUNRURAL), definindo claramente qual contribuição deixou de ser exigida dos contribuintes.
Já nas presentes considerações o enfoque será dado estritamente com base na legislação analisada pelo STF no controle difuso de constitucionalidade, admitindo-se que o voto condutor do acórdão em comento entendeu especificamente pela inconstitucionalidade do artigo 1º. da Lei nº 8.540/92, que alterou dispositivos da Lei nº 8.212/91 (Lei de Custeio da Previdência Social).
Sem retirar a importância do precedente, demonstrar-se-á abaixo que a decisão do STF, da forma como exposta, aborda arcabouço jurídico não mais vigente, o que, em primeiro momento, teria o condão de limitar os efeitos da decisão em relação aos contribuintes que buscarem o Poder Judiciário no intuito de se restituírem do tributo declarado inconstitucional.
Também serão indicados posicionamentos jurisprudenciais que mitigam a declaração do STF, considerando que admitindo que a alteração da legislação impositiva da exação restringe os efeitos do controle difuso de constitucionalidade verificado no recurso extraordinário em comento.
2. O leading case representado pelo RE 363.852/MG
O Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado em fevereiro deste ano (ainda não finalizado, haja vista recurso de embargos de declaração oposto pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), entendeu pela inconstitucionalidade da contribuição previdenciária cobrada dos empregadores rurais pessoas naturais (ou pessoas físicas, como prefere a legislação fiscal), cuja sistemática de cobrança foi alterada pela Lei nº 8.540/92, que por sua vez alterou a chamada Lei de Custeio da Previdência Social. A essa exação deu-se o nome equivocado de FUNRURAL[1].
O precedente jurisprudencial originou-se de Mandado de Segurança impetrado em 1998, ou seja, 12 anos antes da leitura dos votos de todos os Ministros componentes do pleno do tribunal[2]. O writ foi interposto por pessoa jurídica responsável pela retenção, quando da aquisição da produção rural, de percentual de 2,1% (dois vírgula um por cento) calculados sobre o valor total da transação comercial.
Como sabido, no recurso extraordinário o Supremo Tribunal Federal, em processo subjetivo, debruçou-se sobre a contribuição previdenciária a cargo dos produtores rurais, pessoas físicas, com empregados (Lei 8.212/91, art. 12, V, letra “a”) incidente sobre a “receita bruta proveniente da comercialização de sua produção”(mesma lei, art. 25, inciso I) e cujo respectivo recolhimento está cometido, nos termos do art. 30, incisos III e IV, ainda da chamada “lei de custeio”, à empresa adquirente, consumidora ou consignatária, a qual deve reter na fonte a aludida contribuição e repassá-la ao cofres da Seguridade Social, mais precisamente da previdência social[3].
Questionou-se a alteração feita pelo art. 1º. da Lei n. 8.540/92 no art. 25 da Lei n. 8.212/91, cuja redação ficou a seguinte:
Lei nº 8.212/91
Art. 25. A contribuição da pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta lei, destinada à Seguridade Social, é de: (Redação dada pela Lei nº 8.540, de 1992).
I – dois por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; (Incluído pela Lei nº 8.540, de 1992).
II – um décimo por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento de complementação das prestações por acidente de trabalho. (Incluído pela Lei nº 8.540, de 1992).
Imperioso frisar que a redação modificada previa apenas o segurado especial como sujeito passivo da incidência tributária representada pela comercialização da produção rural, de sorte que a contribuição previdenciária devida pelo empregador rural, pessoa natural (referido pelo artigo 12, inc. V, alínea “a” do texto modificado) tinha como base de cálculo a folha de salários, com alíquota de 20% - aliás, como todos os empregadores, nos termos do art. 22, inc. I, lido em conjunto com o art. 15, inc. I, da mesma norma.
mandamus teve a segurança concedida pelo STF, que elencou, dentre as principais inconstitucionalidades (extraídas a partir da leitura do voto condutor acórdão, proferido pelo Ministro Marco Aurélio):
a) por não terem sido instituídas por lei complementar, apesar de caracterizar-se como nova fonte de custeio da seguridade social;
b) ofender a regra do art. 195, § 8º da Carta Magna quanto ao tratamento a ser dispensado ao segurado especial;
c) ofensa ao princípio da isonomia, pela instituição de desarrazoada distinção entre empregadores urbanos e rurais, e entre estes e os segurados especiais; e
d) bis in idem com relação à COFINS, cuja base de cálculo seria a mesma, sem autorização constitucional para isso.
A decisão inegavelmente ocasionou uma corrida dos contribuintes da referida contribuição previdenciária aos tribunais, para fins de repetição dos valores recolhidos com base na legislação tida por inconstitucional.
Entretanto, longe de negar a importância do precedente jurisprudencial, que inequivocamente confere certeza ao direito alegado, necessárias algumas ponderações sobre o exato alcance da decisão em exame.
3. A delimitação do conteúdo normativo analisado pelo STF: alteração no arcabouço legislativo
Como se depreende da leitura do voto condutor da decisão em comento, a análise de constitucionalidade proferida pelo Excelso Pretório envolveu a contribuição previdenciária do produtor rural pessoa natural prevista no art. 25 da Lei 8.212/91, dispositivo incluído pela Lei n.º 8.540/92, que permaneceu em vigor até 11/01/1997, com redação atualizada pela Lei n. 9.528/97. 
Dessa forma, não foi posta à análise a constitucionalidade da atual norma que rege a matéria, qual seja, a Lei n. 10.256/2001 que, dentre outras alterações na forma de tributação previdenciária do setor rural, deu nova redação ao art. 25 da Lei 8.212/91.
A súmula do julgamento é esclarecedora neste sentido:
“O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário para desobrigar os recorrentes da retenção e do recolhimento da contribuição social ou do seu recolhimento por subrrogação sobre a “receita bruta proveniente da comercialização da produção rural” de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate, declarando a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei nº 9.528/97, até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição, tudo na forma do pedido inicial, invertidos os ônus da sucumbência. (..) Plenário, 03.02.2010”. (grifos e destaques nossos)
Como se vê, apesar de proferida recentemente, a decisão analisou realidade jurídica diversa da atual, na qual vigoram as alterações determinadas pela EC 20/98, sendo que a imposição tributária da contribuição previdenciária discutida é fixada pela Lei n. 10.256/01.
4. A limitação temporal do eventual direito à repetição do indébito
Do fato acima demonstrado, conclui-se claramente que o último recolhimento feito com base na legislação determinada inconstitucional pelo STF ocorreu há cerca de 9 anos, mais precisamente antes de 10 de julho de 2001, data na qual entrou em vigor a Lei 10.256/01.
Dado esse lapso temporal, o contribuinte que buscar seus direitos terá que combater a invariável alegação de prescrição dos créditos tributários que pretende repetir, já que todos os eventuais recolhimentos da contribuição previdenciária prevista no art. 25 da Lei 8.212/91, com a redação dada pelo art. 1º da Lei 8.540/92, ocorreram há mais de cinco anos – lembrar que a prescrição do crédito tributário é quinquenal, nos termos do art. 168, inc. I, do CTN, com a interpretação autêntica que lhe conferiu o art. 3º da Lei Complementar 118/2005.
Dessa forma, com base eminentemente na declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF, o empregador rural, pessoa natural, não teria mais condições de repetir a sua contribuição previdenciária, haja vista o decurso do prazo prescricional, salvo reconhecimento da tese prescricional[4] cognominada “5 + 5”, sedimentada no Superior Tribunal de Justiça; entretanto, mesmo admitindo o prazo prescricional que lhe é mais favorável, o contribuinte teria um prazo mínimo para repetir suas contribuições previdenciárias, que seriam aquelas recolhidas anteriormente a julho de 2001, limitadas a dez anos anteriores à propositura de eventual ação de repetição de indébito.
A não ser que o contribuinte intente a demanda buscando debater a inconstitucionalidade da Lei n. 10.256,   o que é possível, mas cujo resultado é difícil de prever, haja vista que o argumento de autoridade consubstanciado no RE 363.852/MG é inaplicável ao caso, podendo ser utilizado apenas como argumento subsidiário.
Veja-se, portanto, as inúmeras dificuldades do contribuinte para ressarcir-se do que pagou indevidamente, caso seja considerado apenas a força do procedente consubstanciado no RE n. 363.852/MG, de modo que a corrida aos tribunais verificada após a publicação da referida decisão não está moldada em bases sólidas.
5. A emenda constitucional 20/98: o amparo à Lei n. 10.256/01
Como visto em trecho acima transcrito, o julgado que declarou a inconstitucionalidade do art. 1º. da Lei n. 8.540/92 deixou bem claro quais as normas tidas como nulas, bem como estabeleceu a condição para a constitucionalidade da cobrança da contribuição previdenciária dos empregadores rurais pessoas físicas, tendo como base de cálculo a comercialização da produção: a edição de lei nova, tendo por base a EC 20/98.
Assim, após a EC 20/98, que incluiu o vocábulo “receita ou faturamento” no art. 195, I, b da CF/88 e acrescentou o §9º ao mesmo artigo, a Lei 10.256/01 deu nova redação ao art. 25 da Lei 8.212/91:
“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: (Redação dada pela Lei nº 10.256, de 2001).
I - 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97).
II - 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho.” (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97).
Este dispositivo legal ampara a cobrança da contribuição incidente sobre o resultado proveniente da comercialização da produção e, como demasiadamente demonstrado acima, não foi objeto de análise pelo STF no RE 363.852.
Não há como negar que a exigência da contribuição previdenciária a cargo do empregador rural pessoa física é feita atualmente pela lei de 2001. E nesse sentido, necessário assinalar que a inconstitucionalidade identificada pelo STF no artigo 25 da Lei 8.212/91 já foi superada por legislação superveniente. Não é demais lembrar que o aludido RE 363.852 foi interposto nos autos do Mandado de Segurança nº 1998.38.00.033935-3, distribuído em27/08/1998; ora, a impetração ocorreu antes da alteração procedida pela Lei 10.256/2001, motivo pelo qual a lide, na instância extraordinária, foi decidida à luz da legislação vigente à época, sem o influxo da alteração normativa verificada.
No contexto normativo atual, resta evidente que a modificação procedida pela Lei 10.256/2001 adequou os ditames do art. 25 da Lei 8212/91 às regras da Emenda Constitucional nº 20/98, de modo a explicitar que os produtores rurais pessoas físicas com empregados passaram, em substituição à contribuição sobre a folha de salários, a contribuir em favor da Previdência Social somente sobre a “receita bruta decorrente da comercialização da produção” – base imponível legítima e possível, sobremaneira após a EC 20/98 – razão pela qual, encontrando suporte na própria Constituição de 1988, há dispensa de veiculação mediante lei complementar, afastando-se, assim, a regra do §4º do art. 195 da CF.
Dispensa-se a lei complementar pois a sua fonte já está prevista na Constituição, qual seja, a receita bruta, o que invariavelmente corresponde ao resultado da comercialização da produção rural – ora, a EC 20/98 introduziu o vocábulo “receita” como possível base de cálculo das contribuições destinadas à Seguridade Social. Por esse motivo, como leciona Ricardo Alexandre,
“a exigência de utilização de lei complementar só é aplicável para a criação de novas contribuições (não previstas expressamente na Constituição Federal de 1988). Para a criação daquelas cujas fontes já constam da Constituição, vale a regra geral: a utilização de lei ordinária. Esse entendimento é pacífico no STF.” (ALEXANDRE, 2007, p. 72, destaques no original)
Sobre o posicionamento do STF relativamente à questão, elucidativo o seguinte excerto, extraído da ementa do RE 150.755/PE:
“(...) 7. Conforme já assentou o STF (RREE 146733 e 138284), as contribuições para a seguridade social podem ser instituídas por lei ordinária, quando compreendidas nas hipóteses do art. 195, I, CF, só se exigindo lei complementar, quando se cuida de criar novas fontes de financiamento do sistema (CF, art. 195, par. 4) (...).”
6. O posicionamento da jurisprudência quanto à questão
O entendimento acima narrado, sobremaneira acerca da inaplicabilidade do precedente jurisprudencial às atuais contribuições previdenciárias devidas pelo empregador rural pessoa física vem sendo admitido pelos Tribunais Regionais Federais, notadamente da 1ª., 3ª. e 4ª Regiões. Salienta-se que todas as decisões não analisaram o mérito da demanda, sendo proferidas em sede de agravo de instrumento ou suspensão de liminar.  
Nesse sentido, o Desembargador Federal Cotrim Guimarães, do TRF/3ª. Região, exarou seu posicionamento da seguinte forma:
“(...) Portanto, após a edição da Emenda Constitucional nº 20/98 e da Lei nº 10.256/01, não se pode mais falar em violação à isonomia ou de necessidade de lei complementar, posto que o empregador rural não contribui mais sobre a folha de salários, contribuição esta substituída pelo valor da receita proveniente da comercialização da sua produção, fonte de custeio trazida pela emenda constitucional anteriormente citada, o que afasta a aplicação do disposto no §4º do artigo 195.”
O TRF/4ª Região segue na mesma toada, como verificamos na seguinte ementa, já contemplando julgamento do mérito da demanda, que analisa inclusive o prazo prescricional para repetição do indébito:
“EMENTA: TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA EMPREGADOR. PRESCRIÇÃO. LC 118/05. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. 1- O STF, ao julgar o RE nº 363.852, declarou inconstitucional as alterações trazidas pelo art. 1º da Lei nº 8.540/92, eis que instituíram nova fonte de custeio por meio de lei ordinária, sem observância da obrigatoriedade de lei complementar para tanto. 2- Com o advento da EC nº 20/98, o art. 195, I, da CF/88 passou a ter nova redação, com o acréscimo do vocábulo "receita". 3- Em face do novo permissivo constitucional, o art. 25 da Lei 8.212/91, na redação dada pela Lei 10.256/01, ao prever a contribuição do empregador rural pessoa física como incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção, não se encontra eivado de inconstitucionalidade. 4- O prazo prescricional para a repetição do indébito tributário é de 5 (cinco) anos, contados da extinção do crédito tributário, consoante previsto no art. 168, caput, e inciso I, do CTN. 5- Segundo o disposto no artigo 3º da LC 118/05, para fins de interpretação da regra do prazo prescricional da repetição de indébito de tributo sujeito a lançamento por homologação, a extinção do crédito tributário deve ser considerada como ocorrida na data do pagamento antecipado do tributo. 6- Para os recolhimentos ocorridos até 08/06/2005, aplica-se o prazo prescricional de 10 anos anteriores ao ajuizamento, limitado ao prazo máximo de cinco anos a contar da data da vigência da lei nova, e para os pagamentos havidos após 09/06/2005, o prazo prescricional é de cinco anos.” (TRF4, AC 0002422-12.2009.404.7104, g.n.)
Ainda sobre as decisões vinculadas ao TRF/4ª. Região, importante citar julgado que determinou a improcedênciaprima facie do pedido (Código de Processo Civil, art. 285-A) de repetição da contribuição previdenciária ora analisada, processo de autos nº 2010.71.56.000710-1, prolatado pelo Juizado Especial Federal de Santana do Livramento/RS.
Por fim, mas não menos importante, o TRF/1ª. Região proferiu decisão suspendendo a medida liminar concedida num caso que envolvia associação representativa de mais de dois mil produtores (Suspensão de Liminar n. 291310620104010000/MT), liminar essa que autorizava os filiados da entidade a não recolher o Funrural – contribuição previdenciária devida pelos empregadores rurais, pessoas físicas. A cassação da liminar levou em conta os argumentos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional no sentido de que a norma de 2001 não foi atingida pela decisão do Supremo, restando claro que o contexto e extensão da decisão do STF devem ser analisados e entendidos em seus limites e circunstâncias. Recomenda-se a leitura deste acórdão, sendo imprescindível para a correta compreensão da disputa que se trava perante os tribunais.
7. Conclusão
A declaração de inconstitucionalidade proferida em sede de controle difuso no RE 363.852/MG deve ser vista com ressalva pelo contribuinte que pretende buscar o Poder Judiciário para tentar reaver os tributos pagos indevidamente, pois o STF enfrentou a inconstitucionalidade de normas não mais vigentes. Em suma, considerou-se realidade jurídica não mais verificada, ou melhor, que foi alterada desde a publicação da Lei n. 10.256/2001.
Assim, a repetição do indébito, levando-se em consideração apenas o RE 363.852/MG, terá que enfrentar alegações no sentido de sua prescrição qüinqüenal. Mesmo o improvável reconhecimento da conhecida tese dos “5+5” determinará a repetição de pequena parte do período onde os recolhimentos deveriam ter sido feitos.
Nada impede que os interessados demandem ao Poder Judiciário uma nova arguição de inconstitucionalidade, qual seja, a da Lei 10.256/2001; entretanto, acreditamos na inviabilidade dessa tese, haja vista que esta norma introduziu validamente a contribuição previdenciária dos empregadores rurais, pessoas naturais, tendo como base de cálculo a receita bruta da comercialização da produção rural.

Esse, aliás, representa o entendimento de parcela significativa da jurisprudência afeta ao julgamento da matéria, no sentido de que a Lei 10.256/01 extirpou quaisquer vícios, porventura existentes, relativamente ao art. 25 da Lei 8212/91, motivo pelo qual entendemos, salvo melhor juízo, que não se mostra viável a pretensão do afastamento da contribuição ali prevista, a incidir sobre a “receita bruta decorrente da comercialização da produção”, já que a base imponível – ainda que se argua a distinção entre “faturamento” e “receita” e que essa base seria equiparável a esta última – está em conformidade com o texto do art. 195 da CF, com a redação que lhe foi dada pela EC 20/98, tendo sido veiculada pelo instrumento normativo adequado: a lei ordinária.

Previdenciário

 

Da contribuição do empregador rural pessoa física - Análise do recém julgado RE 363.852/MG

João Paulo Giordano Fontes
 
 
Resumo: O presente artigo analisa criticamente os fundamentos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 363.852/MG, abordando o histórico e a constitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física, comumente conhecida como contribuição ao FUNRURAL.
Palavras-chave: Contribuição Empregador Rural Pessoa Física – FUNRURAL – RE 363.852/MG.
Sumário: 1. Introdução - decisão do STF no RE 363.852/MG. 2. Da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física. 3. Limites da decisão do STF e críticas ao posicionamento adotado. 4. Conclusão.
Introdução - decisão do STF no RE 363.852/MG
Recentemente, na decisão do RE 363.852/MG, noticiada em fevereiro de 2010 no informativo de jurisprudência nº 573, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da contribuição previdenciária incidente sobre a produção do produtor rural pessoa física (ordinariamente referida como “novo FUNRURAL”). O acórdão foi publicado com a seguinte ementa:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PRESSUPOSTO ESPECÍFICO - VIOLÊNCIA À CONSTITUIÇÃO - ANÁLISE - CONCLUSÃO. Porque o Supremo, na análise da violência à Constituição, adota entendimento quanto à matéria de fundo do extraordinário, a conclusão a que chega deságua, conforme sempre sustentou a melhor doutrina - José Carlos Barbosa Moreira -, em provimento ou desprovimento do recurso, sendo impróprias as nomenclaturas conhecimento e não conhecimento. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - COMERCIALIZAÇÃO DE BOVINOS - PRODUTORES RURAIS PESSOAS NATURAIS - SUB-ROGAÇÃO - LEI Nº 8.212/91 - ARTIGO 195, INCISO I, DA CARTA FEDERAL - PERÍODO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98 - UNICIDADE DE INCIDÊNCIA - EXCEÇÕES - COFINS E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - PRECEDENTE - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. Ante o texto constitucional, não subsiste a obrigação tributária sub-rogada do adquirente, presente a venda de bovinos por produtores rurais, pessoas naturais, prevista nos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com as redações decorrentes das Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97. Aplicação de leis no tempo - considerações.”
(RE 363852, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 03/02/2010, DJe-071 DIVULG 22-04-2010 PUBLIC 23-04-2010 EMENT VOL-02398-04 PP-00701 RET v. 13, n. 74, 2010, p. 41-69)
A análise do julgado aponta três fundamentos como determinantes às conclusões do STF, quais sejam: a) necessidade de lei complementar para instituição da contribuição, à luz do art. 195, §4º, da Constituição; b) configuração de bis in idem, porquanto haveria duas contribuições incidentes sobre a base de econômica prevista na alínea “b” do inciso I do art. 195 da CRFB (receita ou faturamento); e c) violação ao princípio da isonomia, quando comparada a situação do produtor rural pessoa física empregador e a do segurado especial (produtor rural sem empregados – art. 195, §8º, CRFB/88).
Declarada a inconstitucionalidade da norma, a União provocou o plenário do STF visando a que fosse realizada a modulação dos efeitos da decisão, tendo em vista os vultosos recursos da seguridade social envolvidos, quando considerada a repercussão do caso concreto na coletividade.
É dizer, mesmo que ainda prevaleça em nosso ordenamento o entendimento que atribui eficácia inter partes à decisão proferida pelo Supremo em sede de Recurso Extraordinário, é inegável o efeito multiplicador decorrente dessa decisão, com o ajuizamento de inúmeras demandas idênticas por todo país.
Denegado o pleito de modulação, declarou-se a inconstitucionalidade da norma com efeitos ex tunc, acarretando, como já se previa, o ajuizamento de milhares de ações em todo o território nacional, as quais objetivam, justamente, o afastamento da contribuição incidente sobre a comercialização da produção do empregador rural pessoa física e a restituição dos valores indevidamente recolhidos, respeitado o prazo prescricional.
Em virtude da enorme relevância da questão – fruto da inundação do Judiciário com um sem-número de demandas – e da atualidade do tema, tratar-se-á de aspectos básicos acerca da vulgarmente conhecida contribuição ao FUNRURAL, buscando-se, ainda, analisar criticamente os fundamentos adotados pelo Supremo Tribunal Federal.
2. Da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física 
Antes de se adentrar na análise da decisão do STF no RE 363.852, importante esclarecer brevemente as origens da contribuição do empregador rural pessoa física. Ao contrário do que comumente se repete, tal contribuição não se destina ao FUNRURAL – Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural –, o qual, desde a edição das Leis 8.212 e 8.213, ambas de 1991, não mais subsiste.
Dessa forma, a conhecida contribuição ao FUNRURAL, na verdade, hoje constitui apenas uma das diversas contribuições previdenciárias destinadas ao custeio do Regime Geral de Previdência Social.
Até o advento da Constituição de 1988, havia uma separação entre o regime de previdência dos empregados rurais e urbanos. Enquanto a previdência urbana era custeada pelas contribuições habituais (empregados, empregadores, autônomos, etc.), a previdência rural era mantida pela contribuição ao FUNRURAL, a qual, nos termos da Lei Complementar nº 11/71, já incidia sobre o valor comercial dos produtos rurais. Além dela, o custeio da previdência rural era garantido pelo recolhimento de contribuição incidente sobre folha de salários, a cargo da empresa.
A citada LC 11/71 instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural - PRORURAL, cuja execução foi incumbida ao FUNRURAL, com o intuito de fornecer ao trabalhador rural amparo previdenciário e social.
Com a entrada em vigor do novo texto constitucional, houve a recepção da Lei Complementar nº 11/71, nos termos do art. 34 do ADCT, o que garantiu a permanência da contribuição ao FUNRURAL (ou PRORURAL). Posteriormente, com a edição da Lei 8.213/91, suprimiu-se, em seu art. 138, a contribuição ao FUNRURAL, que assim dispõe:
“Art. 138. Ficam extintos os regimes de Previdência Social instituídos pela Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, e pela Lei nº 6.260, de 6 de novembro de 1975, sendo mantidos, com valor não inferior ao do salário mínimo, os benefícios concedidos até a vigência desta Lei.” (grifou-se)
Como se nota, com a efetiva regulamentação do Regime Geral de Previdência Social pelas Leis 8.212 e 8.213, a contribuição ao FUNRURAL, programa de previdência e assistência rural, foi extinta, dando cumprimento ao inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que previu a uniformidade do regime de previdência do empregador rural e urbano.
Na redação original da Lei 8.212/91, apenas em relação ao produtor rural em regime de economia familiar foi instituída contribuição semelhante à destinada ao FUNRURAL, ou seja, incidente sobre os valores obtidos com a comercialização da produção rural.
Importante notar que, até a entrada em vigor da CRFB/88, o ordenamento pátrio tratava indistintamente todos os produtores rurais. Apenas a partir da edição da Lei 8.212/91 é que se passou a diferenciar três categorias, quais sejam, o produtor rural pessoa física com empregados, aquele que trabalha em regime de economia familiar e o produtor rural pessoa jurídica.
No ano seguinte, em 1992, foi editada a Lei 8.540, alterando-se o artigo 25 da Lei 8.212/91. O dispositivo modificou a contribuição devida pelo empregador rural pessoa física, substituindo as contribuições incidentes sobre a folha de pagamento por aquela incidente sobre a comercialização da produção rural.
Justamente essa Lei – 8.540/92 – foi objeto da decisão proferida no RE 363.852, tendo decidido o Supremo Tribunal Federal pela sua inconstitucionalidade. Ocorre que o Tribunal, tendo em vista que o mandado de segurança objeto do Recurso Extraordinário se referia a contribuições cobradas até o final da década de 90, não se pronunciou sobre a atual redação do art. 25 da Lei 8.212/91 a qual, hodiernamente, dá suporte para a cobrança da contribuição.  
Portanto, atualmente, a contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física é recolhida com base na redação do art. 25 da Lei 8.212 conferida pela Lei 10.256/01 – cuja constitucionalidade não foi apreciada pelo STF. Tal contribuição, em que pese à semelhança com aquela destinada ao FUNRURAL, com ela não se confunde, sendo destinada ao custeio do Regime Geral de Previdência Social, em observância ao princípio da “equidade na forma de participação no custeio” (Art. 194, V, CRFB/88).
3. Limites da decisão do STF e críticas ao posicionamento adotado
Conforme já se adiantou, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 363.852 declarou a inconstitucionalidade do art. 1ª da Lei 8.540/92, que modificara a redação do art. 25 da Lei 8.212/91, afastando, no caso concreto, a contribuição previdenciária incidente sobre a comercialização da produção do empregador rural pessoa física.
Quanto aos efeitos de tal decisão, mister que se façam algumas considerações.
A despeito do crescente movimento de objetivação dos efeitos de decisão proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade pelo STF, o qual, naquele Tribunal, é capitaneado pelo Ministro Gilmar Mendes, permanece o entendimento majoritário de que a decisão prolatada em sede de Recurso Extraordinário apenas tem eficácia inter partes.
Não obstante, é inegável que mesmo não decorrendo efeito jurídico direto sobre os demais casos semelhantes, a decisão proferida pelo Supremo gera um importantíssimo precedente, o qual, naturalmente, tende a ser observado pelas demais cortes do país.
Assim, ainda que todos aqueles detentores de situação jurídica similar àquela decidida em sede de controle difuso de constitucionalidade tenham que ajuizar suas próprias demandas para terem seus direitos observados, nos termos da decisão do STF, impossível negar que, havendo precedente da Corte Suprema favorável, dificilmente seu pedido será julgado improcedente.
Destarte, mesmo que não se admita ainda um efeito vinculante e eficácia erga omnes das decisões proferidas pelo STF em sede de controle difuso, é notória a força pragmática dos precedentes da Corte Suprema brasileira.
Em face dessa constatação, tem-se que apenas a apresentação de fundamentação relevante, apta a ensejar a revisão do entendimento proferido pelo STF ou a demonstrar a sua inaplicabilidade aos casos concretos semelhantes, mostrar-se-ia como mecanismo adequado para que as demandas futuras tivessem sorte diferente daquela decida pelo Supremo, quando submetidas à apreciação do Poder Judiciário.
Todavia, como bem se sabe, a modificação de posicionamentos adotados pelo plenário do STF não é expediente comum, sendo, normalmente, fruto da mudança da composição da Corte. Ainda assim, caso se demonstre uma das hipóteses acima, entende-se cabível nova análise da questão constitucional pelo plenário do STF.
Fixadas essas premissas, realizar-se-á em seguida a análise das razões de decidir adotadas pelo STF no julgamento do RE 363.852, apontando-se fundamentos pelos quais se entende que uma nova apreciação da constitucionalidade da contribuição incidente sobre a comercialização da produção do empregador rural, à luz da Lei 10.256/01 – responsável pela redação atual do art. 25 da Lei 8.212/91 –, poderá gerar uma decisão em sentido diverso daquela do RE supracitado.     
O primeiro e principal argumento adotado pelo eminente relator, Ministro Marco Aurélio, para a pronúncia da nulidade do texto legal em razão da sua inconstitucionalidade, foi de que seria necessário lei complementar para a instituição da contribuição incidente sobre a comercialização da produção do empregador rural pessoa física.
Tal exigência decorreria do art. 195, §4º, da CRFB, uma vez que se entendeu que a base econômica sobre a qual incide a contribuição não estaria prevista na Constituição na data de sua instituição pela Lei Ordinária 8.540/92 (redação original do texto constitucional). Sendo assim, por se tratar de exercício da competência tributária residual da União, imprescindível a utilização de lei complementar para instituição da contribuição previdenciária.
Especificamente, aduziu-se que o texto constitucional, até a edição da Emenda Constitucional nº 20 de 1998, não previa a receita como base tributável, existindo tão somente a alusão ao faturamentolucro e folha de salários no inciso I do art. 195.
Portanto, como a Lei 8.540/92, alterando o disposto no art. 25 da Lei 8.212/91 (Lei do Custeio), fixou a base de cálculo da contribuição como sendo a “receita bruta proveniente da comercialização” da produção rural, teria havido afronta ao texto constitucional, “até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição[i].
O fundamento jurídico adotado pelo Relator demonstra que apenas foi abordado no julgamento a constitucionalidade da redação do art. 25 da Lei 8.212/91 conferida pela Lei 8.540/92. Como no caso concreto se tratava de impetração ocorrida no final da década de noventa, não houve a apreciação da constitucionalidade da redação atual do art. 25 da Lei de Custeio, conferida pela Lei 10.256/01.
Levando-se isso em consideração, entende-se que a inconstitucionalidade apontada pelo Relator não mais subsiste, pois, conforme consignado pelo próprio Ministro Aurélio, a superveniência de lei ordinária, posterior à EC 20 de 1998, seria suficiente para afastar a pecha de inconstitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física (ao menos quanto à necessidade de Lei Complementar para sua instituição). Com a edição da Lei 10.256, no ano de 2001, sanou-se o referido vício.
Nesse sentido, confira-se decisão do Egrégio Tribunal Regional da 4ª Região, proferida posteriormente ao julgamento do RE 363.852:
“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA EMPREGADOR. PRESCRIÇÃO. LC 118/05. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. 1- O STF, ao julgar o RE nº 363.852, declarou inconstitucional as alterações trazidas pelo art. 1º da Lei nº 8.540/92, eis que instituíram nova fonte de custeio por meio de lei ordinária, sem observância da obrigatoriedade de lei complementar para tanto. 2- Com o advento da EC nº 20/98, o art. 195, I, da CF/88 passou a ter nova redação, com o acréscimo do vocábulo "receita". 3- Em face do novo permissivo constitucional, o art. 25 da Lei 8.212/91, na redação dada pela Lei 10.256/01, ao prever a contribuição do empregador rural pessoa física como incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção, não se encontra eivado de inconstitucionalidade.” (Apelação nº 0002422-12.2009.404.7104, Rel. Des. Fed. Mª de Fátima Labarrère, 01ª Turma do TRF-4, julgada em 11/05/10) (grifou-se)
O segundo argumento adotado no voto condutor afasta a constitucionalidade da contribuição por considerar configurada no caso, bis in idem, ou seja, dupla instituição de uma mesma espécie tributária, por um mesmo ente federativo, sobre uma mesma hipótese de incidência (já no caso da bitributação, entes políticos diversos são responsáveis pela dupla tributação).
Afirmou o Ministro Marco Aurélio que a instituição da contribuição teria feito com que o empregador rural pessoa física fosse submetido ao recolhimento de duas contribuições, ambas instituídas por lei ordinária, com base na mesma alínea “b” do inciso I do art. 195 da Constituição da República: a contribuição incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção rural e a COFINS.
A propósito, asseverou o ilustre Ministro que apenas a “Constituição Federal é que, considerado o mesmo fenômeno jurídico, pode abrir exceção à unicidade de incidência de contribuição” [ii], a exemplo do ocorrido com o PIS, previsto no art. 239 da CRFB/88, e com as contribuições destinadas a terceiros (sistemas “S” – SESI, SESC, etc.), previstas no art. 240.
Quanto a esse argumento utilizado, data venia, o posicionamento da Suprema Corte parece decorrer de equívoco. É que, ao contrário do que afirmou o Relator em seu voto, o empregador rural pessoa física não se sujeita ao recolhimento da COFINS, não havendo que se falar na existência de duas contribuições incidentes sobre uma mesma hipótese de incidência.
A equiparação do produtor rural a empresa, trazida no artigo 15, parágrafo único, da Lei n. 8.212/91, é restrita ao âmbito de aplicação da própria Lei de Custeio, não expandindo sua ficção jurídica aos demais tributos.
Destarte, o produtor rural pessoa física, apesar de equiparado a empresa pela legislação de custeio da previdência, não é contribuinte de outra contribuição à seguridade social incidente sobre faturamento ou receita, pois, nos termos do artigo 1º da LC 70/91, somente se submete à COFINS a pessoa jurídica ou as a ela equiparadas pela legislação do Imposto de Renda.
Também sobre o ponto o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já se debruçou, tendo afastado a alegação da dupla tributação pelos motivos acima expostos, veja-se:
“EMENTA: TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA EMPREGADOR. EXIGIBILIDADE. FATO GERADOR. BASE DE CÁLCULO. COFINS. DUPLA TRIBUAÇÃO. INEXISTÊNCIA. 1. A Constituição de 1988 e a legislação posterior mantiveram a contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural, prevendo tratamento distinto entre o produtor rural que trabalha em regime de economia familiar, o produtor rural pessoa física empregador e o produtor rural pessoa jurídica. 2. Para o produtor rural pessoa física empregador e o consórcio simplificado de produtores rurais, a contribuição sobre a comercialização da produção rural é indevida apenas de 25 de julho de 1991 (extinção do PRORURAL) até 22 de março de 1993 (prazo nonagesimal da Lei n.º 8.540/92, que recriou a contribuição). 3. O fato gerador da contribuição debatida é a comercialização da produção rural e ocorre com a venda ou a consignação da produção rural; a base de cálculo é a receita bruta proveniente da comercialização de tal produção, elementos da hipótese de incidência previstos nas Leis n.º 8.212/91 e n.º 8.540/92. 4. O art. 25 da Lei 8.212/91, na redação da Lei 8.540/92, prevê a contribuição do empregador rural pessoa física como incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção. Tal base ajusta-se ao conceito de faturamento definido para a COFINS no RE 346084, pois o resultado da comercialização da produção rural é, evidentemente, a venda das mercadorias, a atividade desenvolvida pelo produtor rural. A discussão que se travou quanto ao conceito de faturamento diz respeito à inclusão de "outras receitas", como receitas financeiras, royalties, aluguéis, entre outros. Note-se que, a título de "receita bruta proveniente da comercialização da produção rural" jamais se cogitou de tributar referidas "outras receitas" do produtor rural pessoa física empregador, mas somente a venda das mercadorias agropecuárias. 5. Ausência de dupla tributação sobre o mesmo fato, pois o produtor rural pessoa física empregador, porque não atende aos requisitos do art. 1.º da LC 70/91 (ser equiparado a pessoa jurídica pela legislação do Imposto de Renda), não é contribuinte da COFINS. 6. Limitada a pretensão ressarcitória aos fatos geradores ocorridos desde julho de 1993 e sendo a contribuição devida desde março de 1993, nada há a ser repetido.” (TRF4, AC 2003.71.00.039228-0, Segunda Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 18/06/2008) (grifou-se)
Por fim, decidiu o STF pela violação ao princípio constitucional da isonomia, que, segundo o Ministro Marco Aurélio, decorreria do bis in idem acima mencionado.
Segundo o raciocínio, enquanto o produtor rural sem empregados apenas recolheria contribuição incidente sobre a comercialização da produção, aquele que tem empregados recolheria sobre a folha de salários e sobre o faturamento/receita – COFINS. Portanto, não se poderia exigir que estes contribuíssem sobre o resultado da comercialização da produção.
Por oportuno, cumpre ressaltar que o produtor rural sem empregados mencionado é o conhecido “segurado especial” – produtor rural em regime familiar –, o qual teve tratamento constitucional no §8º do art. 195 da Constituição.
O fundamento de violação da isonomia também não mais prospera, uma vez que a redação atual do art. 25 da Lei 8.212/91, conferida pela lei 10.256/01, afasta expressamente a obrigação de recolhimento da contribuição sobre folha de pagamentos do empregador rural pessoa física, in verbis:
"Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: (Redação dada pela Lei nº 10.256, de 2001)." (grifou-se)
Portanto, o que se tem é a mera substituição da contribuição incidente sobre a folha de salários por aquela incidente sobre a comercialização da produção rural, obrigação tributária idêntica àquela exigida do segurado especial (195,8º, CRFB).
A única diferença de tributação entre o produtor pessoa física com regime de produção familiar e aquele com empregados decorre da necessidade de este último também recolher como contribuinte individual para a seguridade social. Todavia, não há neste fato qualquer violação ao princípio da isonomia, pois enquanto a contribuição sobre a comercialização é instituída em substituição à incidente sobre folha de salários, para custeio da previdência dos empregados, a contribuição como contribuinte individual destina-se ao custeio da própria previdência do empregador rural pessoa física.
Como se nota, não há a tripla incidência tributária (COFINS, comercialização da produção e folha de salários) sugerida pelo Ministro Marco Aurélio como caracterizadora de violação da isonomia tributária, razão pela qual não se vislumbra ofensa ao referido princípio pela instituição de contribuição idêntica àquela estabelecida em face do segurado especial.
A propósito, cumpre trazer as considerações do Desembargador Federal Cotrim Guimarães, proferida no AI nº 0008022-76.2010.4.03.0000/MS:
“(...) Os vícios de inconstitucionalidade declarados pela Suprema Corte foram corrigidos com a edição da Lei nº 10.256/01, que deu nova redação ao caput do artigo 25, de forma que a contribuição do empregador rural pessoa física substituiu a contribuição tratada nos incisos I e II da Lei nº 8.212, cuja base de cálculo era a folha de salários, passando a incidir apenas sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção, disciplina compatível com as alterações constitucionais levadas a efeito pela Emenda Constitucional nº 20/98.
Portanto, após a edição da Emenda Constitucional nº 20/98 e da Lei nº 10.256/01, não se pode mais falar em violação à isonomia ou de necessidade de lei complementar, posto que o empregador rural não contribui mais sobre a folha de salários, contribuição esta substituída pelo valor da receita proveniente da comercialização da sua produção, fonte de custeio trazida pela emenda constitucional anteriormente citada, o que afasta a aplicação do disposto no §4º do artigo 195.” (AI nº 0008022-76.2010.4.03.0000/MS, Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, julgamento realizado em 16/04/10) (grifou-se)
Sobre as relevantes razões que levaram a União à instituição da contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural, em lugar da contribuição das empresas e equiparadas sobre a folha de salários, bem como acerca da alegação da violação da isonomia, cumpre trazer à colação trechos do voto proferido pelo Ministro Eros Grau, no julgamento do mesmo RE 363.852:
 “(...)Os maiores focos de sonegação de contribuição previdenciária ocorriam, naquela época, no meio rural. Decorriam da dificuldade de fiscalização e controle das atividades exercidas pelos trabalhadores, bem assim da impossibilidade de acesso dos rurícolas ao sistema e da falta de recursos financeiros daqueles cuja produção era afetada por intempéries.
A Lei n. 8.212/91 corrigiu essa distorção, instituindo contribuição diferenciada para o produtor rural pessoa física e para o segurado especial, de mo do que passassem efetivamente a contribuir para o sistema, reduzindo-se a sonegação.
(...) Os recorrentes alegam violação ao princípio da igualdade, uma vez que o preceito do art. 25 da Lei n. 8.212/91 institui tratamento diferenciado entre o e pregador rural e urbano.
A lei, no entanto, como observei, volta-se à correção de uma distorção, estimulando os empregadores rurais ao recolhimento da contribuição social. A alíquota de 20%, elevada, induzia a sonegação fiscal.[iii](grifou-se)
As lições valiosas do preclaro Ministro revelam que, além de não haver qualquer violação ao princípio da isonomia, relevantes razões de ordem pragmática justificam a substituição da contribuição sobre a folha de salários pela incidente sobre a comercialização da produção rural.
Além de se mostrar como forte mecanismo de combate ao emprego informal no campo – vez que a não incidência de contribuição sobre a folha de pagamentos estimula a contratação formal dos rurícolas –, a contribuição sobre a comercialização protege o produtor rural do pagamento da contribuição previdenciária naqueles períodos em que a produção rural fica aquém do esperado.
Ora, enquanto a contribuição sobre a folha deve ser recolhida independentemente da produção obtida no campo, a incidente sobre a comercialização apenas será recolhida se e quando houver o ingresso de receitas nos cofres do empregador rural pessoa física.
Assim, diante de tais considerações, entende-se que a contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural se mostra mais adequada às vicissitudes do cotidiano rural do que aquela incidente sobre a folha de pagamentos.
Demonstrada a possibilidade de superação dos fundamentos expostos no julgamento do RE 363.852, conclui-se, com a devida vênia, que deveria ser afastada a alegação de inconstitucionalidade da contribuição prevista no art. 25 da Lei 8.212/91, ao menos a partir da edição da Lei 10.256/01, que conferiu ao dispositivo sua atual redação.
4. Conclusão
No decorrer do presente artigo buscou-se traçar as linhas gerais da contribuição do empregador rural pessoa física, abordando um pouco de seu histórico legislativo.
Ademais, tentou-se abordar, de forma crítica, os principais fundamentos encampados pelo STF para a declaração da inconstitucionalidade da Lei 8.540/92, demonstrando-se a aplicação restrita do julgado – em face da ausência de análise da Lei 10.256/01, norma base da contribuição em comento –, bem como a possibilidade de superação da linha argumentativa adotada pelo Supremo.
Não se tem a pretensão de afirmar que o entendimento adotado pelo STF deverá ser revisto; apenas se tem o intuito de demonstrar que a posição jurídica defendida pela União apoia-se em fortes bases, devendo ser analisada com cautela pela jurisprudência. De outro lado, não tendo o Supremo apreciado a constitucionalidade da atual redação do art. 25 da Lei 8.212/91, conferida pela Lei 10.256/01, será indispensável nova e definitiva manifestação do STF acerca da constitucionalidade da contribuição.
Todavia, ainda que o Poder Judiciário decida por manter a declaração de inconstitucionalidade da contribuição incidente sobre a receita obtida na comercialização da produção rural, já se considerando as alterações e a época de edição da Lei 10.256/01, indispensável ressaltar que a pronúncia da nulidade dará ensejo à repristinação da contribuição incidente sobre a folha de pagamentos, a qual voltará a incidir em relação aos empregadores rurais pessoas físicas.
Com a redação atual do art. 25 da Lei 8.212/91 houve a revogação parcial da contribuição incidente sobre a folha de salários, a qual foi substituída pela incidente sobre a produção rural em relação ao produtor pessoa física. Declarada a inconstitucionalidade, os efeitos decorrentes da declaração de nulidade afastam a lei inconstitucional, retirando todo e qualquer efeito que esta tenha produzido no ordenamento (salvo no excepcional caso de modulação dos efeitos da decisão), inclusive a revogação parcial do dispositivo que submetia também o empregador rural pessoa física à incidência da contribuição sobre a folha de salários.
Tal efeito restaurador da norma anterior é assente no STF:
“(...) A declaração de inconstitucionalidade "in abstracto", considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente (RTJ 120/64 - RTJ 194/504-505 - ADI 2.867/ES, v.g.), importa em restauração das normas estatais revogadas pelo diploma objeto do processo de controle normativo abstrato. É que a lei declarada inconstitucional, por incidir em absoluta desvalia jurídica (RTJ 146/461-462), não pode gerar quaisquer efeitos no plano do direito, nem mesmo o de provocar a própria revogação dos diplomas normativos a ela anterioresLei inconstitucional, porque inválida (RTJ 102/671), sequer possui eficácia derrogatóriaA decisão do Supremo Tribunal Federal que declara, em sede de fiscalização abstrata, a inconstitucionalidade de determinado diploma normativo tem o condão de provocar a repristinação dos atos estatais anteriores que foram revogados pela lei proclamada inconstitucional. Doutrina. Precedentes (ADI 2.215-MC/PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO, "Informativo/STF" nº 224, v.g.) (...).” (trecho da ementa da ADI 3148 / TO, julgada em 13/12/2006) (grifou-se)
Portanto, um efeito pragmático indesejável que talvez seja verificado é que, a depender do número de empregados do produtor rural, o julgamento procedente de sua ação poderá, no futuro, render-lhe prejuízos, pois a contribuição de mais de 20%, incidente sobre a folha de salários, poderá ser maior do que os 2,1% calculados sobre a receita bruta da comercialização da produção, previstos no art. 25 da Lei 8.212/91.
Por fim, aproveita-se a oportunidade para se trazer à tona uma última questão: como garantir ao empregador rural o direito de restituição das contribuições se este já repassou o encargo financeiro ao longo da cadeia comercial? Se o comprador da produção foi quem arcou economicamente com as contribuições, em virtude do natural aumento de preço decorrente da carga tributária, admitir que o produtor rural possa receber da União os valores referentes às contribuições gerará o enriquecimento sem causa do empregador rural, o qual será reembolsado duas vezes (questão que envolve a sempre controvertida interpretação do art. 166 do CTN).

Assim, encerra-se com as pertinentes reflexões trazidas pela Ministra Ellen Gracie no julgamento do RE 363.852: “o pagamento desse tributo já foi absorvido e incorporado ao preço cobrado por essas mercadorias. De modo que, estabelecer o Tribunal, nesse momento, a possibilidade de recuperação desses valores, consistiria em admitir um enriquecimento indevido, parece-me[iv].