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terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Previdenciário

 

A correlação entre tempo e níveis de exposição ao agente ruído para caracterização da atividade especial

Elsa Fernanda Reimbrecht, Gabriele de Souza Domingues
 
 
INTRODUÇÃO
O presente artigo científico visa a analisar o enquadramento da atividade especial nas situações anômalas em que os trabalhadores ficam expostos ao agente ruído por jornadas superiores a 8 horas diárias. Pretende-se alertar os juristas e doutrinadores para esta questão polêmica que vem sendo tratada com descaso e consequentemente vem tolhendo os trabalhadores de conquistarem seu direito garantido constitucionalmente. Neste contexto, abordar-se-á a evolução legislativa da aposentadoria especial e o enquadramento ao agente ruído pelos decretos e demais normas regulamentadoras e os efeitos danosos da exposição, analisando-se as técnicas utilizadas para medição do ruído e aplicação das tabelas da NR15 e NHO-1 do Ministério do Trabalho.
1. DA PROTEÇÃO À SAÚDE DO TRABALHADOR E OS EFEITOS DANOSOS DO RUÍDO
A aposentadoria especial é uma espécie de aposentadoria por tempo de contribuição que possui o requisito do período contributivo necessário minorado em virtude da exposição a agentes insalubres (físicos, químicos e biológicos) ou à periculosidade, sendo este atingido ao trabalhador completar 25 (vinte e cinco) anos de tempo de serviço especial. Caso o trabalhador não tenha exercido a integralidade de seu labor em serviço considerado insalubre ou periculoso, é possível converter este tempo em comum mediante a utilização de um fator de conversão. No caso do homem, seu tempo comum é multiplicado pelo fator 1.4, enquanto que para a mulher é multiplicado por 1.2.
Ao criar esta espécie de benefício o legislador teve como intuito proteger a saúde daquele trabalhador que teve sua higidez afetada ou ameaçada pela exposição a agentes insalubres ou periculosos. Com isso, houve a preocupação de igualar aquele segurado que exerce atividade potencialmente ensejadora de danos à saúde com os demais trabalhadores, proporcionando-lhe a concessão da aposentadoria em tempo reduzido de trabalho. Tratando-se, pois, de aplicação do princípio constitucional da igualdade.
Como bem salienta Jediael Galvão Miranda (p. 209)[1]:
“A presunção da norma é de que o trabalhador que exerceu atividades em condições especiais teve um maior desgaste físico ou teve sua saúde ou integridade submetidas a riscos mais elevados, sendo merecedor da inatividade voluntária em tempo inferior àquele que exerceu atividades comuns, com o que se estará dando tratamento equânime aos trabalhadores”.
Ela visa, portanto, a equanimidade entre um trabalhador que não ficava exposto a agentes agressores à sua saúde e aquele que não teve sua higidez afetada em razão do labor desenvolvido.
As regras do reconhecimento da especialidade regem-se pela legislação vigente à época da prestação do labor. Assim, o labor desenvolvido em interregno anterior a 05/03/1997 tem sua caracterização de acordo com as atividades profissionais (até 29/04/1995) e agentes previstos nos Decretos 53.831/64 e 83.080/79, sendo que ambos vigem concomitantemente até a edição do Decreto 2.172/97, quando aqueles foram revogados por esse.
Embora nos Decretos supramencionados haja uma relação de agentes que a exposição enseja o enquadramento da especialidade, esta relação não é exaustiva, há especificidades que ensejam a flexibilização de sua análise, podendo ocorrer o enquadramento caso o laudo técnico aponte que há efetivamente o risco de afetar a higidez do segurado embora o agente não esteja previsto.
Neste sentido, a súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos afirmava que é possível a caracterização de uma atividade como especial sempre que a perícia técnica judicial constatar que a função é perigosa, penosa ou insalubre embora esta não esteja prevista nos decretos regulamentadores.
No caso específico do agente físico ruído existe omissão da legislação em relação ao trabalhador que exerce atividades de forma atípica, em jornadas superiores à normal prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (que é de 08 horas), não havendo tratamento equânime em relação a aqueles que exercem longas jornadas, como é o caso do marítimo, do pescador profissional de alto-mar e do maquinista.
Destarte, ao Magistrado julgar um caso deve levar em consideração os princípios da interpretação extensiva da norma previdenciária, da aplicação subsidiária das normas trabalhistas e, sobretudo, o princípio constitucional da igualdade, bem como deve interpretar qual a intenção implícita do legislador ao redigir a legislação e não somente o que a norma preceitua expressamente. Neste sentido, Wladimir Novaes Martinez (p. 318) preceitua que “é importante não esquecer o papel dos princípios e o da interpretação. A extensibilidade referida é imposta quando os instrumentos básicos são obscuros ou omissos.”[2]
Seguindo o mesmo entendimento Manoel Ribeiro (p. 32) colaciona que:
“em caso de conflito entre o princípio geral de direito constitucional e uma disposição de lei, é curial que é a lei que será afastada no ponto que contraria o princípio. Não exercerá, portanto, na hipótese, o princípio, uma função supletiva da lei. Estará por cima dela. Os princípios gerais de direito assim compreendidos completam o sistema de direitos e garantias individuais expressos na Constituição”.[3]
Dessa forma, como a legislação previdenciária faz diferenciação entre o trabalhador que exerce funções potencialmente prejudiciais a sua saúde e aquele que não as exerce, de modo a igualá-los na medida em que eles se desigualam, também o deve fazer com relação a quem efetivamente exerça funções nocivas à saúde, embora os agentes não estejam previstos nos decretos regulamentadores ou caso esses não prevejam a situação atípica de trabalho do segurado. Destarte, restando comprovado que a atividade era efetivamente lesiva, deve ser considerada especial, o que será aventado posteriormente.
Importa destacar os efeitos nocivos do agente físico ruído à saúde.
O primeiro efeito a ser considerado é a perda auditiva, sendo que primeiramente ocorre a lesão com relação às freqüências mais altas (acima de 4.000 Hz) e, após, as frequências mais baixas também são afetadas. Caso não haja avaliação periódica da audição do indivíduo, este somente percebe esta perda quando ela já está nas freqüências de conversação. Dessa forma, por se tratar de sentido irrecuperável do ser humano, ao percebê-la ela já afeta de forma demasiada sua vida e sua capacidade laboral. Pessoas que perdem a audição de forma parcial podem sofrer, ainda, com um zumbido constante ou intermitente em seu ouvido.
Conforme artigo baseado em estudo realizado pelo Instituto Nacional de Seguridad e Higiene en el Trabajo da Espanha publicado pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), a qual é um órgão ligado ao Ministério do Trabalho[4]: “O risco de perda auditiva varia de pessoa para pessoa e começa a ser significativo quando o trabalhador é submetido continuamente a um nível de exposição diária ao ruído superior a 80 dB(A). “
Ademais, cumpre salientar que, embora a lesão auditiva seja a mais conhecida, este não é o único prejuízo da exposição do ser humano em demasia ao ruído, podendo ocasionar, também, problemas cardiovasculares, digestivos e psicológicos.
Conforme refere Bruno Sérgio Portela (p. 34):
“De acordo com a Organização Mundial de Saúde (...) a partir de 55 dB, pode haver a ocorrência de estresse leve, acompanhado de desconforto. O nível de 70 dB é tido como o nível inicial do desgaste do organismo, aumentando o risco de infarto, derrame cerebral, infecções, hipertensão arterial e outras patologias”.[5]
Com relação ao estado psicológico, o ruído altera-o, ocasionando irritabilidade, distúrbio do sono, déficit de atenção e concentração, cansaço crônico e ansiedade, dentre outros efeitos danosos. Pelos poucos estudos relativos a essa área, na maior parte das vezes ao indivíduo procurar auxílio para tratamento de sua patologia psicológica esta não é associada ao ruído, o que impede o correto tratamento e o afastamento de seu estressor, que no caso é o ruído.
O efeito psicológico pode ser considerado mais gravoso do que os demais efeitos, em virtude de sua ação ocorrer em pouco tempo da habitualidade da exposição, o que só ocorre ao longo dos anos com os demais. Além disso, como o estado psicológico de um indivíduo acaba alterando o bom funcionamento de seu organismo, principalmente o que se relaciona à circulação sanguínea e ao coração, a exposição excessiva ao ruído ocasiona diversas modificações em seu estado normal de saúde, podendo modificar, principalmente mudanças na secreção de hormônios, o que influencia em sua pressão arterial e metabolismo, aumentando os riscos de doenças cardiovasculares, como o infarto agudo do miocárdio.[6]
Com relação ao déficit de atenção e concentração provocado pela exposição excessiva ao ruído pode-se destacar que este aumenta sensivelmente o tempo de resposta aos estímulos externos, aumentando o risco de acidentes, inclusive de trabalho.
Além disso, doenças gástricas também podem ser geradas, em virtude da maior excreção de suco biliar, ensejando o aparecimento de gastrite e úlcera nervosa.
2. DA EVOLUÇAO LEGISLATIVA DO ENQUADRAMENTO PELA EXPOSIÇÃO AO RUIDO E A SUBSIDIARIEDADE DA NORMA TRABALHISTA
O enquadramento pelo agente ruído, diferentemente dos demais agentes, sempre exigiu a comprovação de sua exposição, através de laudos técnicos, para permitir o reconhecimento da atividade especial. Tal ocorre devido ao fato de ser imprescindível o conhecimento dos limites de tolerância para definição da atividade prejudicial à saúde. Dessa forma adveio a necessidade de regulamentar estes limites de exposição, sendo que seis (6) decretos foram fundamentais para traçar a trajetória legislativa da exposição ao ruído. Dentre eles: o Decreto nº. 53.831, de 25-03-1964, o Decreto nº. 72.771, de 06-09-1973, o Decreto nº. 83.080, de 24-01-1979, o Decreto nº. 2.172, de 05-03-1997, o Decreto nº. 3.048, de 06-05-1999, e por fim o Decreto n. 4.882, de 18-11-2003.
Primeiramente o Decreto nº 53.831/64 instituiu que a atividade laboral, cuja exposição ao ruído fosse superior a 80dB, deveria ser considerada insalubre. Após, com a vigência dos decretos nº. 72.771/73 e nº 83.080/79, o limite mínimo de exposição foi majorado para 90dB, sendo que tiveram vigência concomitante até o Decreto nº 2.172/97, o qual revogou expressamente as disposições dos decretos anteriores e definiu a necessidade da exposição ao ruído acima de 90dB. O decreto nº 3.048/99, por sua vez, manteve este índice e apenas com o Decreto nº 4.882/2003 que o nível do ruído exigido passou a ser superior a 85dB.
Esta diversidade de normas causou divergências doutrinárias e jurisprudenciais que se estenderam por inúmeros julgados até que o entendimento foi pacificado pelos Tribunais Regionais e admitido pelas instruções normativas do INSS na esfera administrativa, gerando inclusive a conhecida súmula 32 da Turma Nacional de Uinformização, de 04.08.2006, no âmbito dos Juizados Especiais Federais, que assim dispõe:
“O tempo de trabalho laborado com exposição a ruído é considerado especial, para fins de conversão em comum, nos seguintes níveis: superior a 80 decibéis, na vigência do Decreto n. 53.831/64 (1.1.6); superior a 90 decibéis, a partir de 5 de março de 1997, na vigência do Decreto n. 2.172/97; superior a 85 decibéis, a partir da edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003”.
No entanto, este posicionamento adotado apenas coaduna-se com a interpretação literal dos dispositivos legais, o que se destoa do verdadeiro intuito da norma previdenciária, como visto anteriormente, a qual visa à proteção do trabalhador e a preservação de sua saúde e integridade física. Os Tribunais Regionais, em especial o TRF 4ª região, chegaram a introduzir novo entendimento estendendo a exigibilidade de exposição superior a 85dB desde o decreto nº 2.172/97, de 05.03.1997, ao invés de 90dB, mas infelizmente o STJ manifestou-se recentemente mantendo a orientação da aplicação sucessiva dos níveis de ruído conforme a legislação.
Neste ponto, os juristas utilizaram apenas a técnica jurídica processual e esquecendo-se de aplicar o fim que a lei se dispõe. Basearam-se unicamente nos princípios da aplicação imediata da norma e aplicação das leis no tempo para chegar à conclusão exarada na Súmula 32 e a dos demais julgados que se coadunam a ela. Não levaram em consideração a essência da necessidade da norma, sua natureza jurídica e o objetivo do legislador quando percebeu a necessidade de regulamentar as questões adversas à realização da atividade laboral insalubre e suas conseqüências na esfera previdenciária. Percebe-se que não houve a preocupação em entender a inspiração originária para dar vida e seguimento à matéria no âmbito previdenciário.
Cabe aqui esclarecer que a LOPS – lei Orgânica da Previdência Social foi instituída apenas em 26.08.1960 pela Lei nº 3.807, na qual inicialmente trouxe, em seu art. 65, dispositivos acerca da aposentadoria especial. Contudo, somente em 25.03.1964, com o decreto nº 53.831 que a exposição ao agente ruído foi regulamentada e foi fixado o limite de 80dB. Entretanto, esta limitação se deu com base no decreto nº 1.232 de 22.06.1962 e da portaria ministerial nº 262, de 06.08.1962 e no art. 187 da CLT (texto original).
Assim, fica claro que a Previdência utilizou-se de regras trabalhistas para fundamentar suas leis, até porque a CLT data de 01.05.1943, portanto, anterior ao sistema unificado da Previdência Social no país.  O Artigo 180 da CLT garantiu ao trabalhador o direito de evitar a fadiga auditiva. Mais tarde, a Portaria número 607/1965, do Ministério do Trabalho e o Decreto-Lei nº 229/1967 asseguraram outros benefícios relativos ao conforto no ambiente de trabalho. Posteriormente, a Lei nº 6524/1977, alterou o Capítulo V do Título II da CLT e instituiu em todo o país disposições a respeito da segurança e medicina do trabalho. Mais adiante a Portaria nº 3214, de Junho de 1978, aprovou as 39 Normas Regulamentadoras (NRs), responsáveis pelas regras de segurança nas atividades relativas ao trabalho, em nível nacional.
Dessa forma todas as disposições, inclusive a NR15, a qual estipula a tabela de níveis de exposição ao ruído e o tempo mínimo permitido, foram instituídas antes do Decreto nº 2.172/97, conforme a tabela:
 
Foi com base nesta tabela que o legislador modificou o limite para exposição ao ruído. Inicialmente, com o decreto 53.831/64, o índice de 80dB foi aplicado sem apreciação técnica, mas com base apenas numa correlação com as atividades profissionais que eram consideradas especiais. Mas a partir de 1978, com a regulamentação da exposição do ruído pela portaria 3.214/78, o legislador possuía base técnica para apuração dos níveis. Inclusive a fixação do limite de 85dB pelo decreto nº 4.882/03 foi apurado em consonância com a tabela, já que a jornada de trabalho normal consiste em 8 horas diárias, vindo ao encontro dos dados estabelecidos pela norma trabalhista.
Não se pode subestimar os estudos em que a norma trabalhista se baseou para determinar os limites de exposição do ruído. O limite de 85db foi calculado porque se estima que abaixo deste nível o trabalhador não sofreria danos com a exposição ao agente. Assim, se a norma se destina a proteger a saúde do trabalhador, obviamente deve-se buscar este fim.
O que se pretende aqui é dar o devido valor à norma trabalhista, eis que é inconteste o fato que ela subsidia a norma previdenciária. Os legisladores, bem como o Judiciário, insistem em ignorar a importância e a influência que a legislação trabalhista exerce sobre a previdenciária. Não é segredo que as duas matérias estão correlacionadas, principalmente no que tange aos direitos dos trabalhadores. Dessa forma, devemos nos render à técnica trabalhista, a qual precede as manifestações legais no âmbito previdenciário, pois dessa forma a Justiça estaria encaminhando-se para unificar o direito, assim como o decreto nº 4.882/03 o fez, conforme citado.
Assim, a tese de que a exposição ao ruído superior a 85dB enquadraria a atividade como insalubre desde o Decreto nº 2.172/97 parece ser a mais adequada, quando se tem uma jornada de trabalho de 8 horas diárias. Todavia, visto que o STJ tem como superada esta possibilidade, pretende-se que a norma trabalhista seja absorvida pelo entendimento jurisprudencial e doutrinário, a fim de que o enquadramento pelo agente ruído respeite a correlação existente entre o tempo de exposição e o nível em decibéis, para que o trabalhador possa ter sua atividade realmente avaliada e enquadrada para fins de aposentadoria especial, conforme será discutido no item a seguir. 
3. DA NECESSIDADE DA CORRELAÇÃO TEMPO X NÍVEL DE EXPOSIÇÃO AO AGENTE RUÍDO
A grande desvantagem do tecnicismo processual seguido pelos juristas e legisladores é o fato destes ignorarem a relação que o direito faz com as outras áreas, tais como a engenharia aplicada para a segurança do trabalho. Ao se fixar um limite em decibéis para exposição ao ruído, o Magistrado se limita na aplicação literal da norma, quando que na verdade deveria sopesar sua aplicação, valorando os princípios a serem seguidos e o fim que a que se destinam.
Conforme explicado no item anterior, a tendência incontestável da legislação previdenciária em aplicar os preceitos trabalhistas considerou a tabela de diferentes níveis de ruído conforme o tempo de exposição da NR15. A LBPS em nenhum momento delimita como deve ser feita esta análise, mas à medida que aceita algumas determinações da Norma Regulamentadora, abre precedente para o entendimento de que podemos sim utilizar a técnica pericial que levou o legislador trabalhista às conclusões acerca da exposição ao ruído. Não há porque ignorar os fatos. Repisa-se que a Lei de Benefícios, bem como os decretos regulamentadores não especificam a técnica a ser utilizada para averiguar a exposição ao ruído. Neste contexto, várias decisões[7] vêm se manifestando a favor da aplicação da dosimetria como técnica a ser utilizada para medição do ruído. Neste ponto não há contrariedade à lei, eis que é omissa. Não há lei que vete expressamente esta possibilidade e assim sendo é perfeitamente admissível que as técnicas utilizadas para enquadramento da atividade especial se assimilem às utilizadas pela Justiça do Trabalho, uma vez que baseadas em estudo técnico aperfeiçoado por especialistas.
Assim, conforme preleciona brilhantemente Tufi Messias Saliba[8], se durante a jornada de trabalho ocorrer dois ou mais períodos de exposição a ruído de diferentes níveis, devem ser considerados os seus efeitos combinados, no qual deverá ser verificado o tempo de exposição do trabalhador no quadro de limite de tolerância.
A perícia deve ser feita através de um audiodosímetro. Deve-se analisar o posto de trabalho, a função desempenhada, o ciclo das operações, sua freqüência e a estimativa do tempo de cada uma delas.[9]Juntamente com essa análise, devem ser medidos os níveis de ruído instantâneo nas operações ou fontes geradoras de ruído no posto de trabalho em questão. Com base nestes dados, estimam-se a dose e o nível equivalente de ruído esperado.
Depois de realizados todos os procedimentos anteriores, passa-se à dosimetria. A estratégia de avaliação dependerá do tipo de exposição no posto de trabalho analisado, isto é se é fixo ou itinerante, e se os níveis de ruído são variáveis em função das operações. No entanto, ocorrem, na maioria dos casos, exposições a níveis de ruídos variáveis, em situações tais como: trabalhadores itinerantes (mecânicos de manutenção, encarregados, etc); operações em que os níveis de ruído são variáveis (lixadeiras manuais, tratores, empilhadeiras, etc).
Nesses casos o perito deverá medir o nível de ruído instantâneo, determinar o tempo de exposição para cada nível e, em seguida, efetuar o cálculo dos efeitos combinados. Como exemplo, temos um trabalhador que se expõe durante a jornada de trabalho de 8 horas aos seguintes níveis de ruído:
90 dB – 4 horas
95 dB – 2 horas
80 dB – 2 horas
Calculando-se a equação dos efeitos combinados temos:
4/4 + 2/2 = 2
Portanto, embora isoladamente cada tempo de exposição seja compatível com o respectivo nível de ruído, quando combinados, as somas das frações é superior a 1, e a atividade, consequentemente, é insalubre. Do resultado da soma destas frações, podemos obter também o nível equivalente de ruído (Leq), que é igual a 90dB(A), significando que o empregado ficou exposto a um nível de ruído continuo de 90dB(A) durante a sua jornada.
A partir dessas premissas, observa-se o quão é necessário que se estabeleça uma metodologia, ou melhor, que se aproveite a técnica já utilizada, pois caso contrário estar-se-ia prejudicando o trabalhador que consideravelmente esteve exposto a condições insalubres. Isso porque se a Lei exige a permanência e habitualidade para caracterização da especialidade, necessário que esta análise do ruído também leve em consideração o tempo integral que o trabalhador exerceu sua atividade laboral.
Outro aspecto interessante e que também o Decreto nº 3.048/99 não atinge, diz respeito à qual tabela deverá ser seguida para determinar o tempo máximo permitido para a exposição ao ruído, de acordo com o incremento em decibéis.
O quadro de tolerância adotado pela NR 15 é de 85 a 115db (A), sendo o incremento igual a 5, ou seja, a cada aumento de 5dB(A) o tempo máximo diário de exposição reduz-se a metade. Atualmente a ACGIH e outros órgãos internacionais utilizam o incremento igual a 3dB(A), isto é, a energia sonora irá duplicar ou reduzir á metade a cada aumento ou decréscimo de 3dB. Esse método é mais utilizado no meio científico para avaliar o comprometimento auditivo em função do nível e duração do ruído[10].
Observe a tabela abaixo instituída pela norma NHO-1 (avaliação da exposição ocupacional ao ruído), estudo realizado pela Fundacentro, órgão ligado ao Ministério do Trabalho:
Esse critério é mais rigoroso, pois, para o mesmo nível de ruído, o tempo de exposição permitido é bem menor. Assim, por exemplo, para um nível e 91dB, pela tabela da NR 15, o tempo máximo permitido é de 3 horas e 30 minutos enquanto que pela NHO-1 o tempo máximo é de 2 horas.
Nota-se que as Normas de Higiene Ocupacional da Fundacentro (NHO-01) e a NR-15 são ambas de responsabilidade do Ministério doTrabalho e Emprego e, mesmo assim, apresentam divergências sobre a avaliação do ruído ocupacional[11].
Dessa forma, mais aceitável o entendimento de que é possível adotar estas normas de avaliação, porquanto os decretos não determinam como se deve proceder a análise, nem veda expressamente os métodos a serem utilizados, não havendo impedimentos para a utilização desta ou outra tabela. Não há motivos para não aplicar a norma levando em consideração a complexidade da relação entre tempo e níveis de exposição de ruído se somente assim será avaliada a insalubridade do labor do segurado.
Neste ponto deve-se ater para o principio da proteção ao segurado. As relações interpessoais evoluíram e com elas o direito. Não se pode interpretar várias situações da mesma forma, pois cada vez é mais freqüente se deparar com situações anômalas, as quais exigem ser visualizadas sob óticas diferentes. O propósito da Constituição Federal de 1988 vem ao encontro do trabalhador e busca garantir-lhe os seus direitos sociais e fundamentais. Por isso, diferenciou o trabalhador exposto a agentes insalubres, pois percebeu que não poderia tratar igualmente aqueles que se encontrassem em situações diferentes. Cabe ao legislador ordinário seguir esta orientação e aplicar aos casos excepcionais em que trabalhadores ficam expostos a uma carga diária acima de 8 horas, mas que talvez não atinjam o limite de 85dB estabelecido em lei. Há de se ponderar esta situação específica em que o tempo de exposição é o diferencial para o enquadramento da atividade especial pela exposição ao ruído. 
4. A ESPECIALIDADE DA ATIVIDADE DOS TRABALHADORES EXPOSTOS AO AGENTE RUÍDO EM JORNADA DE TRABALHO EXTRAORDINÁRIA
De acordo com tudo que foi exposto acima, cabe fazer algumas considerações a respeito de algumas atividades atípicas, em que não é possível que o trabalhador exerça seu labor apenas em jornadas normais de trabalho de 08 (oito) horas. Pode-se citar como exemplo desse tipo de labor o do marítimo, o do pescador profissional de alto-mar e do maquinista ferroviário, em que esses profissionais, em virtude do tipo de labor prestado, exercem obrigatoriamente longas jornadas, ficando permanentemente exposto a ruído excessivo prejudicial à saúde.
Embora realizado de acordo com o método da dosimetria, o índice aferido é inferior ao requerido pelos decretos regulamentadores da atividade especial. No entanto, deve-se atentar que o período laboral deve ser considerado especial em virtude de o ruído efetivamente afetar a higidez do indivíduo, pois, de acordo com os estudos supramencionados, o índice de ruído máximo que o indivíduo pode ficar exposto é variável de forma inversamente proporcional ao tempo de exposição.
Corrobora esse entendimento, a análise técnica realizada pelo Engenheiro Civil Carl F. W. Tröger (CREA/RS 23.636) nos autos do processo judicial nº 5001546-17.2010.404.7110 que tramita perante a 2ª Vara Federal de Pelotas/RS, no qual este afirma que o Autor da ação, ao exercer suas funções de marinheiro de convés e de comandante de embarcação teve sua função exercida em condições insalubres, embora não prevista na legislação previdenciária, devido ao fato de ser prestada de forma anômala, por permanecer inclusive nos períodos de “descanso” (almoço, sono) exposto aos mesmos índices de ruído do que durante sua efetiva atividade laboral.
Cabe destacar que um barco, em virtude de necessitar de energia para navegar e para manter os geradores de energia elétrica funcionando, precisa permanecer ligado durante toda a viagem, em virtude disto, caracteriza-se a função como anômala.
Para melhor elucidação cumpre transcrever trecho do laudo técnico supramencionado:
“O Perito de Vossa excelência se sentiu exageradamente exausto ao final do percurso. Foram 23 horas e 40 minutos de exposição a níveis de ruído que variam alguns decibéis de um local para outro (passadiço, banheiro, refeitório, corredor, cabina). Não encontramos na legislação vigente, considerações sobre a condição anômala de labor analisada.(...)
Acontece que, ao contrário de outras profissões, o local de trabalho do Autor é o mesmo local de fazer refeições e de descanso.
A viagem entre Rio Grande e Porto Alegre demora 23:40h; se seguisse para Taquari, seriam mais de 6 h. e, se o destino final fosse o porto de Estrela, mais outras 5 h. Uma viagem de Rio Grande a estrela demora 35 (trinta e cinco) horas, tempo durante o qual o trabalhador estará sujeito ao nível de ruído sempre superior a 78 dB(A). Os Srs. Legisladores não levaram tais condições em consideração ao elaborarem a lei.”
Diante disso, observa-se na prática o prejuízo que a norma regulamentadora cria ao prever um índice fixo de ruído médio para que a atividade do segurado seja enquadrada como especial, não considerando situações anômalas de trabalho como a mencionada acima.
No caso em comento, o índice médio de ruído aferido pelo expert foi o de 83,1 dB(A), não podendo o labor ser enquadrado como especial em virtude de o Decreto previdenciário vigente atualmente que trata sobre ruído (nº 4.882/2003) prever que o índice médio de ruído da atividade deve ser o de 85 dB.
Entretanto, de acordo com o laudo técnico, o segurado permanecia exposto de 23 horas e 40 minutos a 35 horas de modo permanente a ruído médio no índice de 83,1 dB e, conforme a NHO-01 elaborada pela FUNDACENTRO o tempo máximo que um indivíduo pode permanecer exposto a este índice são 12 horas e 41 minutos para que sua higidez física e psicológica não sejam afetadas, conforme quadro transcrito anteriormente.
Dessa forma, restando comprovado que, nesses casos, também ocorre um potencial prejuízo à saúde do trabalhador e que o preceito base da criação da aposentadoria especial é a proteção desse bem jurídico, entende-se que o legislador não pode utilizar essa idéia ultrapassada de índice fixo de ruído para enquadramento da atividade como especial. Devendo relacionar o índice a que permanecia exposto ao tempo de sua jornada de trabalho, de modo que seja protegido o princípio constitucional da igualdade. E, enquanto não houver essa modificação legislativa, deve o Magistrado utilizar deste método supramencionado para formar sua decisão, valendo-se dos princípios norteadores do Direito e da interpretação para fundamentar seu posicionamento, de modo a dar um tratamento equânime entre todos que permaneceram expostos a um risco potencial à sua saúde ao desenvolver sua atividade laboral.
CONCLUSÃO
Ao final desta análise acerca dos efeitos danosos do ruído, sua evolução legislativa e aplicação excepcional, percebe-se que a matéria é cercada de peculiaridades que passam despercebidas pelos operadores do direito que, muito embora encarem essas situações diariamente, não perceberam sua importância e complexidade e principalmente não mensuraram quantos trabalhadores são prejudicados diariamente.

Com este estudo passou-se a entender a importância da dosimetria para avaliação do agente ruído e como as situações reais vivenciadas pelo trabalhador no exercício de sua atividade laboral poderão levar a conclusões diferentes acerca da exposição à insalubridade. É necessária a conscientização no sentido de que se a Lei exige a permanência e habitualidade para caracterização da especialidade, necessário que esta análise do ruído também leve em consideração o tempo integral que o trabalhador exerceu sua atividade laboral. Igualmente, se os decretos não delimitam como se deve proceder a análise, nem vedam expressamente os métodos a serem utilizados, entende-se que não há óbice para a utilização da regra que for mais benéfica ao trabalhador, em consonância aos princípios que norteiam a Seguridade Social.

Previdenciário

 

A aposentadoria dos servidores públicos titulares de cargos efetivos

Hálisson Rodrigo Lopes
 
 
Resumo: A aposentadoria permite ao trabalhador passar à inatividade recebendo certa remuneração, levando em consideração certas circunstâncias previstas em lei. A aposentadoria é o direito à inatividade remunerada garantido pela Constituição Federal, nos termos do § 1º do art. 40, consoante a redação que lhe atribui a Emenda Constitucional 41/2003. Logo, imperiosa a análise do art. 40, da Constituição Federal, que delimita e regulamenta a matéria em exame, atribuindo condições, requisitos e direitos aos servidores ocupantes de cargos efetivos, junto à Administração Pública.
Palavras-chave: aposentadoria; servidor; cargo; efetivo.
Abstract: The retirement allows workers to spend some downtime receiving remuneration, taking into account certain circumstances prescribed by law. Retirement is the right to unpaid downtime guaranteed by the Constitution, pursuant to § 1 of Art. 40, depending on the wording it by the Constitutional Amendment 41/2003. Therefore, compelling analysis of art. 40 of the Federal Constitution, which defines and regulates the matter under review, giving conditions, requirements and rights to the servers actual officeholders, with the Public Administration.
Keywords: retirement; server; office; effective.
Sumário: 1. Conceito e previsão legal da aposentadoria; 2. Natureza contributiva e solidária da aposentadoria; 3. Modalidade de aposentadoria dos servidores ocupantes de cargos efetivos; 4. Cálculo do valor do benefício previdenciário; 5. Referências.
1. CONCEITO E PREVISÃO LEGAL DA APOSENTADORIA.
A aposentadoria permite ao trabalhador passar à inatividade recebendo certa remuneração, levando em consideração certas circunstâncias previstas em lei, “podendo tal remuneração ser idêntica à que o trabalhador recebia quando em serviço ativo, ser proporcional em relação ao tempo de serviço que o trabalhador prestou, ou ainda ser proporcional às contribuições previdenciárias por ele efetuadas na ativa.” (ARAÚJO, 2010, p. 325)
A aposentadoria é o direito à inatividade remunerada que a Constituição Federal, nos termos do § 1º do art. 40, consoante a redação que lhe atribui a Emenda Constitucional 41, de 2003, “garante aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações.” (GASPARINI, 2008, p. 204)
Diogenes Gasparini (2008, p. 204) distingue os conceitos de proventos e pensão, senão vejamos:
“A remuneração recebida pelo servidor aposentado é denominada de proventos. Assim, o servidor, mesmo sem desempenhar suas funções, percebe os devidos proventos. Também assim é denominada a remuneração recebida pelo servidor colocado em disponibilidade. Já a remuneração recebida pelos dependentes do servidor morto em atividade ou o servidor falecido quando desfrutava da aposentadoria é chamada de pensão.
Para Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 273), “a aposentadoria é um direito fundamental, de natureza social, à inatividade remunerada, assegurado ao servidor em caso de invalidez, idade ou a pedido, se satisfeitas, neste último caso, certas condições.” Visando elucidar o tema, o autor supracitado classifica os regimes previdenciários da seguinte forma:
“Regime Geral de Previdência Social (RGPS), aplicável a todos os trabalhadores da iniciativa privada (CF, art. 201); Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), aplicável aos servidores titulares de cargo efetivo (CF, art. 40); Regime de Previdência Complementar (RPC), que nos termos do § 15 do art. 40 da Constituição, será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida” (CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 273-274).
Vale frisar que “a idéia de previdência encerra a de precaução, previsão, vista ou conhecimento do futuro, indicando a necessidade de serem tomadas cautelas presentes para enfrentar, no futuro, problemas e adversidades encontrados pelos servidores e seus familiares no curso de sua relação de trabalho com o Poder Público.” (CARVALHO FILHO, 2009, p. 647)
Logo, imperiosa a análise do art. 40, da Constituição Federal, que delimita e regulamenta a matéria em exame, atribuindo condições, requisitos e direitos aos servidores ocupantes de cargos efetivos, junto à Administração Pública.
2. NATUREZA CONTRIBUTIVA E SOLIDÁRIA DA APOSENTADORIA.
O art. 40, da Constituição Federal, em seu caput, é cristalino em aduzir que aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 650) explica que:
“Não há a menor dúvida de que os benefícios previdenciários são, como regra, caracterizados pela onerosidade, o que significa que sua concessão implica utilização de recursos públicos, normalmente vultosos em face do quantitativo de beneficiários. Sendo assim, é natural que tais benefícios devam refletir a contraprestação pelos valores que o servidor vai paulatinamente pagando a título de contribuição. Por essa razão, a Constituição foi bem clara ao estabelecer, para os servidores públicos, “regime de previdência de caráter contributivo”, de forma a ser preservado o equilíbrio financeiro e atuarial, como consta do art. 40, caput, da CF, com a redução da EC nº 20/98”.
Diante de tais considerações, nota-se que o sistema da contributividade cria um dever aos servidores de pagar as contribuições, durante o período de atividade, de forma paulatina e sucessiva, visando sua qualidade de futuro beneficiário. No entanto, após a inatividade remunerada, em gozo dos benefícios previdenciários, tais contribuições também serão necessárias, pois visa o equilíbrio financeiro e atuarial, de forma que haja a maior correspondência possível entre o ônus da contribuição e o valor dos benefícios. O art. 1º, caput e inciso II, da Lei nº 9.717/98, dispõe expressamente que os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal deverão ser organizados, baseados em normas gerais de contabilidade e atuária, de modo a garantir o seu equilíbrio financeiro e atuarial, observado o financiamento mediante recursos provenientes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das contribuições do pessoal civil e militar, ativo, inativo e dos pensionistas, para os seus respectivos regimes.
No âmbito da União, de acordo com o art. 4º, da Lei nº 10.887/04, a contribuição social do servidor público, incluídas suas autarquias e fundações, para a manutenção do respectivo regime próprio de previdência social, será de 11% (onze por cento), incidente sobre a totalidade da base de contribuição. Entende-se como base de contribuição o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os adicionais de caráter individual ou quaisquer outras vantagens, excluídas: as diárias para viagens; a ajuda de custo em razão de mudança de sede; a indenização de transporte; o salário-família; o auxílio-alimentação; o auxílio-creche; as parcelas remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho; a parcela percebida em decorrência do exercício de cargo em comissão ou de função de confiança; e o abono de permanência de que tratam o § 19 do art. 40 da Constituição Federal, o § 5o do art. 2o e o § 1o do art. 3o da Emenda Constitucional no 41, de 19 de dezembro de 2003.
Quanto à solidariedade, mais uma vez, José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 652-653) salienta que:
“A solidariedade em relação ao regime está a indicar que a contribuição previdenciária não se destina apenas a assegurar benefício do contribuinte e à sua família, mas, ao contrário, assume objetivo também de caráter social, exigindo-se que pessoa já beneficiadas, pelo regime continuem tendo a obrigação de pagar a contribuição previdenciária, agora não mais para o exercício do direito próprio, mas sim em favor do sistema do qual são integrantes, ainda que já tenham conquistado seu direito pessoal. É exatamente nesse aspecto, em que o contribuinte socorre o sistema, que se deve entender ser solidário o regime de previdência”.
 Ora, é a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, a principal justificativa para a solidariedade da pessoa federativa, dos servidores ativos, inativos e pensionistas, no que tange às contribuições previdenciárias.
3. MODALIDADES DE APOSENTADORIA DOS SERVIDORES OCUPANTES DE CARGOS EFETIVOS.
Três são as modalidades de aposentadoria, conforme disposto nos incisos I a III, do art. 40 da Constituição Federal, abaixo explicitadas:
Aposentadoria por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei. Tais condições decorrem de fato mórbido que impede o servidor de desempenhar as funções previstas para o cargo provido.
No caso das exceções acima, “os proventos serão integrais, sendo absolutamente irrelevante a idade do servidor e o seu tempo de contribuição.” (GASPARINI, 2008, p. 206)
A Lei nº 8.112, de 11 de dezembro 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, informa no art. 186, § 1º, quais as doenças que justificam a invalidez permanente, visando à aposentadoria, senão vejamos: tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - AIDS, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada.
Já no art. 212, da legislação supracitada, salienta que: configura acidente em serviço o dano físico ou mental sofrido pelo servidor, que se relacione, mediata ou imediatamente, com as atribuições do cargo exercido, equiparando ao acidente em serviço o dano decorrente de agressão sofrida e não provocada pelo servidor no exercício do cargo; sofrido no percurso da residência para o trabalho e vice-versa.
Outra modalidade de aposentadoria é a compulsória, com proventos proporcionais ao tempo de serviço, quando o servidor completar setenta anos de idade, “proventos estes que, não obstante, poderá atingir aritmeticamente a remuneração integral da ativa se já houver atingido o servidor o referido tempo máximo de contribuição.” (ARAÚJO, 2010, p. 329)
Alexandre de Moraes (2011, p. 395) destaca que “o Supremo Tribunal Federal alterou seu posicionamento anterior, pacificando a inaplicabilidade das regras da aposentadoria compulsória em virtude de idade aos notários referidos no art. 236 da Constituição Federal.”
Por fim, a aposentadoria voluntária, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições: a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher. Os requisitos de idade e de tempo de contribuição serão reduzidos em cinco anos, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio; b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição.
Por sua vez, Alexandre Mazza (2011, p. 450) adverte que “em relação aos servidores que cumpriram todos os requisitos até a data de promulgação da Emenda nº 42/2003, a aposentadoria será calculada, integral e proporcionalmente, de acordo com a legislação vigente antes da emenda. Entretanto, quanto aos demais servidores públicos, não há mais possibilidade de aposentadoria com proventos integrais, passando seu valor a sujeitar-se aos patamares do regime geral de previdência.”
4. CÁLCULO DO VALOR DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
Os servidores abrangidos pelo regime próprio de previdência de que trata o art. 40, da Constituição Federal, serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17 do referido artigo.
No entanto, os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão.
Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam o art. 40 e o art. 201, ambos da Constituição Federal, na forma da lei.
A Constituição Federal proíbe a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos servidores públicos efetivos, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores portadores de deficiência; que exerçam atividades de risco; cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
Ficou reservada à lei a disposição sobre a concessão do benefício de pensão por morte, que será igual ao valor da totalidade dos proventos do servidor falecido, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, da Constituição Federal, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite, caso aposentado à data do óbito; ou ao valor da totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se deu o falecimento, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o artigo acima aduzido, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite, caso em atividade na data do óbito.
É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142, todos da Constituição Federal, com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.
Além disso, aplica-se o limite fixado no art. 37, XI, da Constituição Federal, à soma total dos proventos de inatividade, inclusive quando decorrentes da acumulação de cargos ou empregos públicos, bem como de outras atividades sujeitas à contribuição para o regime geral de previdência social, e ao montante resultante da adição de proventos de inatividade com remuneração de cargo acumulável na forma desta Constituição, cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, e de cargo eletivo.
Alexandre Moraes (2011, p. 398-399), com sabedoria ímpar, relaciona as hipóteses de fixação das regras de aposentadoria, levando em consideração as regras de reajuste e atualização dos valores em face das Emendas Constitucionais nº 41/03 e 47/05, conforme abaixo explicitado:
“ Servidores públicos aposentados ou em atividade, porém com todos os requisitos cumpridos para a obtenção da aposentadoria à data da publicação da EC nº 41/03: mantém a integralidade dos proventos, que corresponderão à totalidade da remuneração do servidor em atividade no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, garantindo-se, plenamente, a paridade com os servidores ativos, ou seja, os proventos de aposentadoria serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração do servidor em atividade, sendo também estendidos aos aposentados quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividades – MANUTENÇÃO DE INTEGRALIDADE E PARIDADE;”
“Servidores públicos em atividade na data da publicação da EC nº 41/03, que preencham, cumulativamente, as condições estabelecidas no art. 6º da EC nº 41/03: assim como na hipótese anterior, mantém-se a INTEGRALIDADE e a PARIDADE, agora devidamente reconhecidas pelo art. 2º da EC 47/05, que determina a aplicação do art. 7º da EC nº 41/03 a essa hipótese;”
“Servidores públicos em atividade, que tenham ingressado no serviço público até 16 de dezembro de 1998 (EC nº 20/98) e preencham os requisitos já analisados (EC nº 47/05): ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas regras do art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas nos arts. 2º e 6º da EC nº 41/03, terão direito à MANUTENÇÃO DE INTEGRALIDADE e PARIDADE;”
“Servidores públicos em atividade na data da publicação da EC nº 41/03 que não optem pela regra de transição do art. 6º da EC nº 41/03: a EC 41/03 somente mantém a integralidade dos proventos, que corresponderão à totalidade da remuneração do servidor em atividade no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, caso seja feita a opção pelos requisitos do art. 6º da EC 41/03, anteriormente tratada. (...)”
“Servidores públicos cujo ingresso na Administração Pública seja posterior a publicação da EC nº 41/03: não houve a manutenção nem da integralidade, nem da paridade. (...) “

No que tange à pensão por morte, a Emenda Constitucional nº 41/03 disciplinou no art. 3º, o direito ao montante estabelecido em consonância com as normas anteriores a sua entrada em vigor. Por outro lado, para as pensões cujo direito foi ou vier a ser adquirido após a entrada da referida emenda constitucional, aplica-se o art. 40, § 7º, que será igual: ao valor da totalidade dos proventos do servidor falecido, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da CF, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite, caso aposentado à data do óbito; ou ao valor da totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se deu o falecimento, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da CF, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite, caso em atividade na data do óbito.

Previdenciário

 

Parecer: Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social

Jair Teixeira dos Reis
 
 
1) Resolva a questão abaixo com a devida fundamentação legal.
José Carlos, 65 anos; casado com Maria da Silva que é aposentada por tempo de contribuição nos termos do art. 18 da Lei n° 8.213/91, com benefício de R$ 600,00 reais mensais; tem dois filhos menores (Alex de 17 anos e Gustavo de 15 anos). Apresentou junto ao órgão responsável da Seguridade Social requerimento de Benefício de Prestação Continuada.
Apresente o parecer administrativo de concessão ou não do benefício.
PARECER
Ementa: Benefício de Prestação Continuada. Art. 20, § 3º da Lei nº 8.472/93. Não preenchido o requisito quanto à percepção de ¼ do salário mínimo por membro da família, indevida a concessão do benefício.
Trata-se de Procedimento Administrativo instaurado perante o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, a fim de garantir a prestação de benefício assistencial (Benefício de Prestação Continuada) em favor de José Carlos, 65 anos; casado com Maria da Silva que é aposentada por tempo de contribuição nos termos do art. 18 da Lei n° 8.213/91, com benefício de R$ 600,00 reais mensais.
Dos autos, verifica-se, ainda, que o requerente é pai de dois filhos menores (Alex de 17 anos e Gustavo de 15 anos) configurando um grupo familiar de quatro membros.
Analisando o pedido, é de se considerar que o Benefício de Prestação Continuada – BPC, instituído pelo art. 20 da Lei nº 8.742, de 07/12/1993, e regulamentado pelo Decreto nº 6.214, de 26/09/2007, corresponde à garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso, e que somente será devido após o preenchimento de alguns requisitos legais e regulamentares exigidos para sua concessão[1].
Para o idoso, a concessão do benefício é condicionada ao implemento da idade de 65 (sessenta e cinco) anos. Já a concessão do benefício à pessoa com deficiência sujeita-se a exame médico pericial e laudo realizados pelos serviços de perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Em ambos os casos, exige-se, ainda, a comprovação de que o requerente não possui meios para prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família[2].
Nesse contexto, o Superior Tribunal já sedimentou entendimento de que os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada do LOAS devem ser interpretados restritivamente:
“11695659 - PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N.º 10.741/2003. ESTATUTO DO IDOSO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N.º 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. É firme o entendimento no âmbito desta Corte Superior no sentido de que o art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/2003 deve ser interpretado restritivamente, ou seja, somente o benefício assistencial porventura recebido por qualquer membro da família pode ser desconsiderado para fins de averiguação da renda per capita familiar, quando da concessão do benefício assistencial a outro ente familiar. 2. No caso concreto, as instâncias ordinárias consideraram a Autora hipossuficiente já com a inclusão da renda percebida por um dos membros da família. Assim, modificar o entendimento adotado pelas instâncias ordinárias demandaria, invariavelmente, o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula n.º 7 do Superior Tribunal de Justiça. 3. Inexistindo qualquer fundamento relevante que justifique a interposição de agravo regimental ou que venha a infirmar as razões consideradas no julgado agravado, deve ser mantida a decisão por seus próprios fundamentos. 4. Agravo regimental desprovido”. (STJ; AgRg-Ag 1.342.633; Proc. 2010/0152400-0; SP; Quinta Turma; Relª Minª Laurita Hilário Vaz; Julg. 17/02/2011; DJE 09/03/2011)
Observa-se que, apesar de não ser caso de percepção conjunta do benefício de prestação continuada por dois membros da mesma família, visto que a esposa do requerente é beneficiária da Previdência e não da Assistência Social, o julgado aplica-se perfeitamente à questão.
Apesar da difícil situação em que, possivelmente, se encontra o senhor José Carlos, não há o devido enquadramento na hipótese do art. 20, § 3º da Lei nº 8.472/93 — LOAS[3], pois o salário mínimo vigente é de R$ 545,00, tendo em vista que, a senhora Maria da Silva, sua esposa, recebe um benefício previdenciário de R$ 600,00, configurando assim, uma renda per capita  de R$ 150,00 que é superior aos R$ 136, 25 (545,00/4)[4].

Ante o exposto, é de se concluir que a situação descrita nos autos não habilita o requerente ao recebimento do Benefício de Prestação Continuada. Em conclusão, sugerimos o arquivamento do presente procedimento administrativo. Salvo melhor juízo (ou S.M.J).

Previdenciário

 

As contribuições previdenciárias e sua execução na Justiça do Trabalho - Alguns aspectos

Juliana Ferreira Inhan
 
 
Resumo: Este artigo pretende discorrer sobre alguns aspectos da execução das contribuições previdenciárias perante a Justiça do Trabalho, tais como o histórico desse tipo de execução, a questão das contribuições devidas a terceiros e poucas palavras sobre o procedimento de execução das contribuições previdenciárias propriamente dito.
Palavras-chaveContribuições previdenciárias - Execução – Justiçado Trabalho.
Sumário: 1. Histórico da competência da Justiça do Trabalho na execução de contribuição previdenciária decorrente das lides trabalhistas. 2. Incompetência da Justiça do Trabalho para execução das contribuições devidas a terceiros. 3. Procedimento de execução das contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho. Referências bibliográficas.
1 Histórico da competência da Justiça do Trabalho na execução de contribuição previdenciária decorrente das lides trabalhistas.
A competência da Justiça do Trabalho em matéria de execução de contribuições previdenciárias há muito tem sido objeto de alterações.
Inicialmente, a execução das contribuições previdenciárias era regulamentada por meio dos artigos 43 e 44 da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991.
As ações previdenciárias eram de competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso I, da Constituição da República, posto que, nessas causas, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS – atuava na condição de autor, réu ou assistente.
Em 30 de março de 1989, com a Lei n. 7.787, o recolhimento das contribuições previdenciárias passava a ser feito de imediato sempre que ocorresse a extinção dos processos trabalhistas de qualquer natureza, inclusive quando decorrente de acordo entre as partes (art. 12). Para Sérgio Pinto Martins[1]
“a idéia inicial de quem deu subsídios à edição do referido art. 12 da Lei 7.787 era de que houvesse um fiscal do trabalho em cada Junta de Conciliação e Julgamento, visando verificar o recolhimento das contribuições previdenciárias na própria fonte de onde eram deferidas as verbas trabalhistas”.
Para dar cumprimento à referida Lei, o Tribunal Superior do Trabalho – TST - editou o Provimento nº 1, de 20 de janeiro de 1990. Porém, o artigo 43 da Lei nº 8.212, de 1991, revogou tacitamente o art. 12 da Lei n. 7.787, de 1989. O dispositivo, juntamente com o art. 44, buscava comunicar ao INSS a existência de débitos previdenciários para que este tomasse as providências cabíveis.
Com a Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998 foi modificado o disposto no artigo 114, §3º, da Constituição Federal, passando o mesmo a vigorar da seguinte forma:
"Art. 114 - ...
§ 3º - Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, "a", e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir."
Assim, ampliou-se a competência material trabalhista para também executar, de ofício, as contribuições previdenciárias devidas, decorrentes de suas sentenças, resultantes de condenação ou homologação de acordo.
A fim de regulamentar essa alteração promovida na Constituição, foi editada a Lei n. 10.035, de 25 de outubro de 2000, que alterou “a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, para estabelecer os procedimentos, no âmbito da Justiça do Trabalho, de execução das contribuições devidas à Previdência Social”. De acordo com o art. 889 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, a matéria de execução da contribuição previdenciária seria por esta regulada, salvo em sua omissão, quando seria aplicada a Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980.
Importa destacar que somente as contribuições previdenciárias declaradas expressamente pelas sentenças trabalhistas seriam de competência da Justiça do Trabalho. Por sua vez, os débitos previdenciários que deveriam ter sido recolhidos durante a vigência do contrato de trabalho e que não integrassem a sentença teriam sua execução promovida pela Justiça Federal.
Entretanto, para o Tribunal Superior do Trabalho, competiria à Justiça Trabalhista executar, inclusive de ofício, as contribuições previdenciárias decorrentes do reconhecimento do vínculo empregatício. Tal entendimento foi consubstanciado no item I da Súmula 368 daquele Tribunal Superior:
“A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições previdenciárias e fiscais provenientes das sentenças que proferir. A competência da Justiça do Trabalho para execução das contribuições previdenciárias alcança as parcelas integrantes do salário de contribuição, pagas em virtude de contrato de emprego reconhecido em juízo, ou decorrentes de anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS, objeto de acordo homologado em juízo.”
O Tribunal Pleno do TST, posteriormente, decidiu alterar essa Súmula, que passou a vigorar com a seguinte redação:
DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS. COMPETÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO. FORMA DE CÁLCULO (conversão das OJs ns. 32, 141 e 228 da SBDI-1).
I – A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integram o salário de contribuição.
II – É do empregador a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias e fiscais, resultante de crédito do empregado oriundo de condenação judicial, devendo incidir, em relação aos descontos fiscais, sobre o valor total da condenação, referente às parcelas tributáveis, calculado ao final, nos termos da Lei n. 8.541/1992, art. 46, e Provimento da CGJT n. 03/2005.
III – Em se tratando de descontos previdenciários, o critérios de apuração encontra-se disciplinado no art. 276, §4º, do Decreto n. 3.048/99, que regulamenta a Lei n. 8.212/91 e determina que a contribuição do empregado, no caso de ações trabalhistas seja calculada mês a mês, aplicando-se as alíquotas previstas no art. 198, observado o limite do salário de contribuição.”
A controvérsia, pensava-se, era finda. Mas tal assertiva não era verdadeira, como veremos.
Com a Emenda Constitucional n. 45, de 30 de dezembro de 2004, alterou a competência da Justiça do Trabalho, passando a prever no inciso VIII do art. 114 da Constituição competência para a Justiça do Trabalho processar e julgar a “execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir”.
A Lei n. 11.457, de 16 de março de 2007, que alterou alguns artigos da CLT passou a prever, por meio da alteração promovida no parágrafo único do art. 876, a execução, de ofício, das contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido. Assim, restaurou-se a celeuma. Porém, mesmo com a discussão, o TST prosseguiu com o entendimento do item I da Súmula 368.
O tema foi objeto do julgamento do RE 569056-PA, redação do Ministro Menezes Direito, no qual o Plenário do STF, em decisão unânime, optou pela edição de súmula vinculante, seja redação teria, basicamente, os seguintes termos: “Não cabe à Justiça do Trabalho estabelecer, de ofício, débito de contribuição social para com o Instituto Nacional do Seguro Social com base em decisão que apenas declare a existência de vínculo empregatício”. Infelizmente, até a elaboração deste artigo, não houve a edição de tal súmula.
2 Incompetência da Justiça do Trabalho para execução das contribuições devidas a terceiros.
O art. 876, parágrafo único, da CLT, com a redação dada pela Lei n. 11.457/2007 dispõe que “serão executadasex officio as contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes da condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido”.
Assim, a competência da Justiça do Trabalho está restrita às contribuições sociais, incidentes sobre as folhas de salário e demais rendimentos do trabalho, pagos ou creditados, a qualquer título, a pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício, bem como a do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre a aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral da previdência social de que trata o art. 201 da CF.
Segundo Marco Aurélio Marsiglia Treviso[2], as contribuições sociais diferem-se das contribuições de terceiros. Para ele, alicerçado nas idéias de Sérgio Pinto Martins, a “contribuição previdenciária seria uma obrigação tributária, uma prestação pecuniária compulsória paga ao ente público, com a finalidade de constituir um fundo para ser utilizado em eventos previstos em lei”. Possuem, assim inequívoca natureza jurídica tributária e destinação específica, o custeio da seguridade social.
As contribuições de terceiros, por sua vez, são exações “destinadas a entidades privadas que estão fora do sistema de seguridade social, mas são arrecadadas pelo INSS[3]. Seriam direcionadas às entidades de prestação de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, como disposto no art. 240 da Constituição.
Assim, dadas as naturezas distintas da contribuição social e da contribuição de terceiros temos que a Justiça do Trabalho é incompetente para a execução destas últimas.
Isso porque as contribuições de terceiros não se enquadram nos limites do art. 876, parágrafo único da CLT, com a redação dada pela Lei n. 11457/2007. Segundo Manoel Antônio Teixeira Filho, o legislador constitucional[4] “se ocupou, unicamente, com as contribuições devidas, por empregados e empregadores, à Previdência Social, não se preocupando, assim, com as contribuições de terceiros”.
Ainda de acordo com Treviso
“Outro fator de extrema importância deve ser levado em consideração: o artigo 832, parágrafo 4º, da CLT, dispõe que a União será intimada das decisões homologatórias de acordos que contenham parcela indenizatória, na forma do artigo 20 da Lei 11.033/2004, facultada a interposição de recurso relativo aos tributos que lhe forem devidos (grifos nossos). Isso significa, no contexto jurídico atual, que a União, representada perante a Justiça do Trabalho pela Procuradoria-Geral Federal, apenas poderá praticar atos processuais relacionados aos tributos que lhe sejam devidos. Em outras palavras: falece à União a possibilidade de pretender executar parcelas que são devidas a outras entidades de natureza privada, como ocorre com as contribuições de terceiro.”[5]
Assim, levando em consideração os argumentos expostos, defendemos a incompetência da Justiça do Trabalho para a execução das contribuições de terceiros.
Há que se lembrar, ainda, que o Enunciado n. 74, aprovado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada em Brasília-DF, em 23.11.2007, dispõe sobre o tema nos seguintes termos:
“Contribuições devidas a terceiros. Incompetência da Justiça do Trabalho. A competência da Justiça do Trabalho para a execução das contribuições à Seguridade Social (CF, art. 114, §3º) nas ações declaratórias, condenatórias ou homologatórias de acordo cinge-se às contribuições previstas no art. 195, inciso I, alínea a e inciso II, da Constituição, e seus acréscimos moratórios. Não se insere, pois, em tal competência, a cobrança de “contribuições para terceiros”, como destinadas ao “sistema S” e “salário-educação”, por não se constituírem em contribuições vertidas para o sistema de Seguridade Social.”
3 Procedimento de execução das contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho.
A execução das contribuições previdenciárias é feita nos próprios autos do processo. O juiz determinará a execução da contribuição de ofício e impulsionará o andamento do processo.
A Justiça do Trabalho, agora, possui competência para dizer sobre a incidência ou não incidência da contribuição. O juiz considerará as verbas salariais (art. 28 da Lei n. 8.212, de 1991) e as verbas não salariais (§9º do art. 28 da Lei n. 8.212, de 1991). Também possui competência para exigir os acréscimos legais, pelo não recolhimento da contribuição no prazo legal. Seriam os juros, a correção monetária e a multa.
O termo de conciliação eventualmente lavrado vale como decisão irrecorrível, salvo para a Previdência Social, quanto às contribuições que lhe forem devidas (art. 831, p.u. da CLT). Destacamos que mesmo em caso de acordo, a União poderá recorrer da decisão que o homologue, porém, apenas em relação às contribuições que lhe forem devidas, conforme art. 832, §4º, da CLT.
Por referência do art. 114, VIII, da CR/88 ao art. 195, a contribuição a ser exigida será:
a) a do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada, incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe presta serviço, mesmo sem vínculo empregatício. Nos dizeres de Sérgio Pinto Martins[6]
“isso significa a exigência da contribuição da empresa sobre os pagamentos feitos a empregados, domésticos, trabalhadores avulsos e até autônomos. É o que acontece quando a Justiça do Trabalho não reconhece o vínculo de emprego, considerando o trabalhador autônomo, ocasião em que serão devidas as contribuições da empresa incidentes sobre a remuneração do autônomo.”
b) a do trabalhador e dos demais segurados da previdência social. Segundo o mesmo autor[7]
“Aqui, a exigência será da contribuição do próprio empregado ou do autônomo que não tiverem sido recolhidas, e não da empresa. A execução será, portanto, feita tanto em relação à contribuição da empresa, na forma acima especificada, como do próprio trabalhador ou executar as duas ao mesmo tempo. Não será executada, porém, contribuição incidente sobre a receita, o faturamento ou o lucro da empresa, hipóteses previstas nas alíneas b e c do inciso I do art. 195 da Lei Maior.”
É importante ressaltar que a União intervirá no processo de execução para cobrar a contribuição previdenciária. Incluiu-se um incidente no processo trabalhista, pois a União não fez parte do processo de conhecimento, mas passará a atuar na execução.

Por fim, salientamos que a contribuição previdenciária que decorra da sentença trabalhista não é título executivo judicial, mas apenas a sentença trabalhista o será.