De acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a população brasileira terá cada vez menos jovens para mais idosos. A proporção do “superidosos”, aqueles com 80 anos ou mais, estará entre os mais numerosos. Em 2060, esse grupo etário representará 10,5% do total de mulheres, e 8,76% do total de habitantes no país.
Do ponto de vista previdenciário, a população com 60 anos ou mais é especialmente relevante. Isso porque, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2012, 8 em cada 10 beneficiários da Previdência Social são representados por essa faixa etária.
Crescimento versus despesas
Estatísticas do Ipea mostram que, entre 2011 e 2012, houve relativa estabilidade na necessidade de financiamento do pagamento dos benefícios do INSS, assim como o crescimento considerável das despesas com os respectivos benefícios.
O gasto mensal do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) engloba aproximadamente 26 milhões de benefícios, dos quais 25 milhões são estritamente previdenciários. No âmbito do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que compreende os servidores públicos, a União paga, mensalmente, cerca de 1 milhão de benefícios.
Segundo Marcelo Caetano, especialista em previdência e pesquisador do Ipea, os brasileiros estão se aposentando muito cedo e, com a esperança de vida crescendo cada vez mais, os gastos do INSS tendem a ser ainda maiores. “É necessário adotar um conjunto de ajustes, como o Governo Federal tem feito agora com a pensão por morte e outros benefícios, para que não haja um desarranjo no sistema previdenciário público no futuro”, pontua.
A advogada e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Adriane Bramante, não considera que estes gastos tenham sido ruins, muito pelo contrário. “Temos hoje uma população maior e mais protegida. Antes essas pessoas encontravam-se abaixo da linha da pobreza e atualmente podem contar com o benefício previdenciário. É um avanço”, acredita. Para ela, é preciso olhar além do aspecto econômico. “É imprescindível analisar a situação sob o viés social, cujo objetivo da universalidade e da cobertura previdenciária é o principal foco da Seguridade Social”, afirma.
Segundo o advogado Thiago Luchin, especialista em Direto Previdenciário e sócio do Aith, Badari e Luchin Sociedade de Advogados, os números indicam que os brasileiros vão receber benefícios por períodos mais longos de tempo, enquanto aqueles que contribuem com o sistema vão diminuir. “Acredito que, infelizmente, será necessário aumentar o período de contribuição para aposentadoria, contudo, também é necessário criar incentivos aos trabalhadores que vão se aposentar, com correções justas e salários dignos, fazendo com que a população recupere o interesse em ter um benefício um dia, ou seja, demonstrar a importância de pagar a previdência”, diz.
Já na opinião do professor e autor de obras de Direito Previdenciário, Marco Aurélio Serau Jr., a preocupação maior é no sentido de que a gestão das contas públicas não anule a ideia de que o Estado deve proporcionar ao cidadão a cobertura previdenciária. “É certo que alguns ajustes são necessários, mas não se deve deixar predominar o argumento de insuficiência financeira. Até porque há enormes gargalos na gestão previdenciária, como a concessão de isenções tributárias, falhas estruturais na arrecadação em virtude da informalidade no mercado de trabalho, entre outros”, avalia.
Serau Jr. acredita que “deve haver um equilíbrio na redução da cobertura previdenciária, em virtude dessa alteração social importante, mas também aprimoramento das bases de financiamento da Seguridade Social, senão apenas a população é quem perde com isso.”
Fator previdenciário
O aumento da esperança de vida também afeta o bolso dos brasileiros. Quando as pessoas vivem mais, o desconto do fator previdenciário nas aposentadorias é maior, ou seja, menor é o valor do benefício. O fator é utilizado somente no cálculo do valor da aposentadoria por tempo de contribuição. Na aposentadoria por invalidez não há utilização do cálculo e, na aposentadoria por idade, a fórmula é utilizada opcionalmente, apenas quando aumentar o valor do benefício.
Pelas regras da aposentadoria por tempo de contribuição, se o fator for menor do que 1, haverá redução do valor do benefício. Se o fator previdenciário for maior que 1, há acréscimo no valor e, se o fator for igual a 1, não há alteração. Caetano explica que ao considerar as idades médias que as pessoas estão se aposentando hoje no Brasil, o fator previdenciário está repondo por volta de 70% dessa média. “Se não existir o fator, essa reposição seria integral, o que é insustentável do ponto de vista técnico. O rombo na Previdência iria aumentar ainda mais”, alerta o pesquisador.
Quando o fator foi criado em 1999, o segurado que chegasse aos 60 anos de idade e 38 anos de contribuição ao INSS, conseguiria atingir o fator 1. Atualmente, com o aumento da longevidade, para obter fator 1, o segurado precisa ter 62 anos de idade e cerca de 40 anos de contribuição. De acordo com Adriane Bramante, apesar de diminuir o valor da renda mensal da aposentadoria, o fator não conseguiu convencer os trabalhadores a adiar o pedido. “Há uma enorme insegurança jurídica em relação às iminentes reformas e o segurado tem um enorme receio de ficar sem a aposentadoria e trabalho”, diz.
Na visão de Noa Piatã Bassfeld Gnata, advogado, professor de Direito Previdenciário e mestre e pesquisador em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP, o fator previdenciário foi pensado para inibir a concessão de benefícios previdenciários, tendo em vista o impacto substancial nos seus valores.
Segundo o especialista, a intenção, em 1999, era iniciar o esvaziamento das aposentadorias por tempo de contribuição, a que até hoje têm direito mesmo pessoas com 44 ou 49 anos de idade, em proveito das aposentadorias por idade, que não têm essa redução. “Ele não se prestou aos seus fins, pois a estatística oficial mostrou linearidade na quantidade de novos benefícios por tempo de contribuição no início da década de 2000, mesmo com seus efeitos nefastos nos benefícios”, observa.
Noa Piatã afirma que isso aconteceu porque as pessoas entre 50 e 60 anos, geralmente, dispõem tanto de força de trabalho, quanto da vontade de ter uma renda extra (a aposentadoria) para poder fazer mais coisas e ter mais qualidade de vida nesse período. Ele estima que o impacto do fator previdenciário no valor dos benefícios pode chegar a 50%, para pessoas mais jovens. “Se um homem que obtenha média de contribuições históricas de R$ 3.000,00 tiver 50 anos de idade e 35 de contribuição, o fator previdenciário reduz em 40% o benefício, com renda inicial de cerca de R$ 1.800,00. Em menos de dez anos, se continuar a política pública de valorização do salário mínimo, que cresce acima da inflação (os benefícios da Previdência apenas a repõem), estará recebendo um salário mínimo”, conta.