Sumário: 1.
Introdução. 2. A Seguridade Social no Brasil. 3. Desaposentação.
3.1 Conceito e noções introdutórias. 3.2 O direito a uma
nova e melhor aposentadoria. 3.3 A (des)necessidade de devolução dos
valores recebidos. 4. A desaposentação à luz dos Tribunais Superiores.
4.1 Superior Tribunal de Justiça (STJ). 4.2 Supremo Tribunal Federal
(STF). 5. Síntese Conclusiva. 6. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
Com o advento da Lei n
o 8.870, de 15 de abril de 1994, ocorreu a revogação, entre outros, do inciso II do artigo 81, artigo 82 e artigo 87, da Lei n
o 8.213/91, que tratavam do pecúlio e do abono de permanência em serviço.
Oportuno destacar que o pecúlio previdenciário se caracteriza na
devolução, em forma de pagamento único, de valores correspondentes à
soma das importâncias relativas às contribuições à Previdência Social
vertidas pelo segurado aposentado pelo Regime Geral de Previdência
Social, doravante chamado (“RGPS”).
Já o abono de permanência em serviço corresponde ao direito
assegurado ao trabalhador que, preenchido os requisitos legais à
aposentadoria por tempo de serviço, optava pelo prosseguimento na
atividade, fazendo jus ao abono mensal, correspondendo a 25% (vinte e
cinco por cento) dessa aposentadoria, para o segurado com 35 (trinta e
cinco) anos ou mais de serviço, se homem, e com 30 (trinta) anos ou mais
de serviço, se mulher.
Dentro desse cenário, após a revogação do pecúlio e do abono de
permanência em serviço, vislumbre-se o que hoje é uma alternativa
concreta e real para os aposentados que continuam trabalhando ou para
aqueles que trabalharam depois de aposentado, mesmo que tenha sido por
um breve período de tempo, requerer o que atualmente se denomina
desaposentação.
Logo, o segurado que estiver exercendo ou que voltar a exercer
formalmente atividade remunerada sujeita ao RGPS, após a concessão da
aposentadoria, continua sendo considerado segurado obrigatório, ficando
sujeito às contribuições para fins de custeio da seguridade social, não
fazendo jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do
exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação
profissional.
Nesse sentido, logo se observa um claro desrespeito à regra
constitucional da contrapartida, não restando outra alternativa ao
segurado a não ser buscar o instituto previdenciário da desaposentação,
tornando-se frequentemente objeto de pretensão judicial em face do
direito a uma nova e melhor aposentadoria.
Trata-se a desaposentação do instituto previdenciário, com caráter de
direito subjetivo, no qual o segurado busca, por meio da renúncia à
aposentadoria atual, obter uma nova aposentadoria mais favorável
financeiramente, em detrimento da anterior, valendo-se da incorporação
das novas contribuições vertidas para o sistema previdenciário, por
conta da continuidade do vínculo empregatício ou da aquisição de novo
vínculo após a aposentadoria.
Observa-se que por não ser ainda um instituto com expressa previsão
legal, a desaposentação é plenamente negada pelo Instituto Nacional do
Seguro Social, doravante chamado (“INSS”), sob argumentos de violação ao
ato jurídico perfeito e ao direito adquirido, pela irreversibilidade e
irrenunciabilidade da aposentadoria, ausência de previsão legal, entre
outros fundamentos.
Todavia, vários são os entendimentos dos Tribunais em reconhecer e
garantir a viabilidade desse instituto que, seguramente atende à
importante demanda social, adequando-se aos interesses dos segurados,
sem que produza qualquer desequilíbrio atuarial ou financeiro para a
Previdência Social.
2. A Seguridade Social no Brasil

A
Seguridade Social tem por objetivo assegurar a todas as pessoas a
devida proteção em face às intempéries sociais, ou seja, situações que
impedem e/ou dificultam a manutenção e sustento próprio do segurado e de
seus dependentes, constituindo-se em verdadeira proteção social,
conforme estabelece Constituição Federal do Brasil de 1988, nos artigos
194 a 204.
A proteção proporcionada pela Seguridade Social é exteriorizada por
meio de serviços e benefícios gerenciados, constituída de ações
conjuntas de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, de caráter
integrado, com o objetivo de assegurar proteção e direitos relacionados à
saúde, à previdência e à assistência social, tornando-se uma verdadeira
obrigação do Poder Público e um direito de todo cidadão.
Cabe ao INSS, autarquia federal vinculada ao Ministério da Previdência Social, instituída por meio da Lei n
o8.029,
de 12 de abril de 1990, promover o reconhecimento de direito ao
recebimento de benefícios administrados pela Previdência Social,
assegurando agilidade, comodidade aos seus usuários e ampliação do
controle social.
O sistema previdenciário existente no Brasil está estruturado por
meio do RGPS e do Regime Próprio de Previdência de Servidores Públicos,
doravante chamado (“RPPS”), ambos compulsórios, o que significa que para
ter direito a qualquer benefício previdenciário, o segurado deve
obrigatoriamente contribuir. Há também expressa previsão constitucional
em relação ao Regime de Previdência Complementar, constituído como
regime facultativo, organizado de forma autônoma.
Interessa-nos saber a respeito da Previdência Social, a qual é
organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de
filiação obrigatória, observando critérios que preservem o equilíbrio
financeiro e atuarial, cuja previsão legal consta nos artigos 201 e 202,
da Constituição Federal do Brasil de 1988, e também nas legislações
específicas: Lei n
o 8.212/91; Lei n
o 8.213/91, e Decreto n
o 3.048/99.
Logo, não há dúvidas que a Previdência Social constitui-se num dos
mais importantes direitos sociais e tem como finalidade formar um
sistema protetivo por meio de uma espécie de grande seguro social
coletivo que tem, dentre seus objetivos, garantir a todos os seus
segurados um mínimo de subsistência, especialmente na ocorrência de
doença, idade avançada, invalidez, maternidade e/ou reclusão, dentre
outros, conforme previsto no artigo 201, da Constituição Federal do
Brasil de 1988.
Nesse contexto, resta assegurado a todos os trabalhadores, rurais e
urbanos, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, o
direito à aposentadoria, conforme garantia prevista na Carta Magna de
1988, artigo 7
o, inciso XXIV.
Portanto, trata-se a aposentadoria de um direito social de natureza
constitucional, patrimonial e disponível, com característica de seguro
social, e que não obsta a volta ao trabalho, pertencente a cada
indivíduo de maneira diversa, dependente apenas da vontade de seu
titular, desde que preenchidos os requisitos na forma da lei.
Nesse contexto, restando preenchidos os requisitos legais, o INSS
deverá conceder o direito ao benefício por meio de um ato administrativo
vinculado, uma vez que:
“A concessão da aposentadoria é materializada por meio de um ato
administrativo, pois consiste em ato jurídico emanado pelo Estado, no
exercício de suas funções, tendo por finalidade reconhecer uma situação
jurídica subjetiva. É ato administrativo na medida em que emana do Poder
Público, em função típica (no contexto do Estado Social) e de modo
vinculado, reconhecendo o direito do beneficiário em receber sua
prestação”. (IBRAHIM, 2011, p. 33-34).
Há no ordenamento jurídico previdenciário, conforme estabelece a Lei n
o 8.213/91,
artigo 18, inciso I, as seguintes formas de aposentadoria por meio do
RGPS: aposentadoria por invalidez; aposentadoria por idade;
aposentadoria por tempo de contribuição; e aposentadoria especial.
Nesse contexto, o benefício da aposentadoria constitui-se em:
“Prestações pecuniárias, devidas pelo Regime Geral de Previdência
Social aos segurados, destinadas a prover-lhes a subsistência, nas
eventualidades que os impossibilite de, por seu esforço, auferir
recursos para isto, ou a força-lhes aos ganhos para enfrentar os
encargos de família, ou amparar, em caso de morte ou prisão, os que dele
dependiam economicamente”. (TAVARES, 2002, p. 87).
3. Desaposentação
3.1 Conceito e noções introdutórias
A desaposentação “é ato de desfazimento da aposentadoria por vontade
do titular para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem
para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário.”
(CASTRO e LAZZARI, 2000, p. 488).
Nesse contexto, a desaposentação consiste no desfazimento da
aposentadoria atual, ou seja, a renúncia baseada exclusivamente na
manifestação de vontade do beneficiário, com o objetivo de
aproveitamento do tempo de filiação/contribuição posterior, afim de
obter uma nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime
previdenciário.
Nesse sentido:
“A desaposentação, portanto, como conhecida no meio previdenciário,
traduz-se na possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o
propósito de obter benefício mais vantajoso, no Regime Geral de
Previdência ou em Regime Próprio de Previdência Social, mediante a
utilização de seu tempo de contribuição. Ela é utilizada colimando a
melhoria do status financeiro do aposentado”. (IBRAHIM, 2011, p. 35).
De maneira simétrica, constitui-se a desaposentação em verdadeiro
direito subjetivo e personalíssimo do aposentado, uma vez que ele passa
expressamente a renunciar à aposentadoria atual, que foi obtida no RGPS
ou em RPPS, com o intuito de possibilitar o recebimento de benefício
mais vantajoso financeiramente, independente do regime previdenciário,
computando-se tempo de filiação/contribuição anterior e o novo tempo de
filiação/contribuição vertidos após a aposentadoria.
Ratificando esse entendimento, destaca-se o seguinte:
“A desaposentação pode existir em qualquer regime previdenciário,
desde que tenha como objetivo a melhoria na status econômico do
associado. O objetivo dela é liberar o tempo de contribuição utilizado
para a aquisição da aposentadoria, de modo que este fique livre e
desimpedido para averbação em outro regime ou para novo benefício no
mesmo sistema previdenciário, quando o segurado tem tempo de
contribuição posterior à aposentação, em virtude da continuidade
laborativa”. (IBRAHIM, 2011, p. 36).
Desse modo, com a renúncia à aposentadoria anterior, ocorre a
liberação do tempo de contribuição utilizado na concessão do benefício,
para ser somado ao tempo de contribuição vertido após a continuidade
laboral e, assim, constituir um tempo de contribuição, único e maior,
que será utilizado na concessão do novo benefício, com maior vantagem
financeira ao segurado.
3.2 O direito a uma nova e melhor aposentadoria
Insta destacar que o cenário atual aduz que o segurado, mesmo após a
concessão de sua aposentadoria, geralmente por idade ou tempo de
contribuição, em virtude de não ter obtido a renda desejada, acaba sendo
compelido a retornar ao mercado de trabalho com vínculo empregatício,
e, dessa forma, continua recolhendo as contribuições ao INSS, tendo em
vista continuar sendo contribuinte obrigatório, na forma da Lei n
o 8.213/91, artigo 18, § 2
o.
Assim, em vista das contribuições realizadas após a sua aposentação e
objetivando receber uma nova aposentadoria, mais vantajosa
financeiramente, não há outra alternativa ao segurado a não ser requerer
a concessão da desaposentação, por meio da renúncia à aposentadoria
anteriormente concedida, passando a contar com novo benefício
previdenciário de aposentadoria, computando-se os acréscimos das
contribuições vertidas posteriores à inativação.
Nessa linha, a Lei n
o 9.796,
de 05 de maio de 1999, passou a preceituar a expressa autorização legal
para a compensação financeira entre o RGPS e o RPPS, nos casos de
contagem recíproca de tempo de contribuição para efeito de
aposentadoria, tornando verdadeiro instrumento lógico da desaposentação.
Cumpre salientar que não há na Constituição Federal do Brasil de
1988, nenhuma vedação ao instituto previdenciário da desaposentação.
Também não consta na legislação infraconstitucional ou em normativos do
INSS, nenhum dispositivo legal que proíba a renúncia à aposentadoria.
Logo, nesse sentido:
“[...] considerando que não há lei que proíba a desaposentação, seja
pelo exercício do direito de ação, seja pelo princípio da legalidade
trazido pelo texto Constitucional, podemos concluir que a desaposentação
é perfeitamente cabível por inexistir qualquer previsão legal
constitucional que a proíba.” (LANDENTHIN e MASOTI, 2011, p. 94).
Importa observar, por oportuno, que o instituto previdenciário da
desaposentação, na esfera administrativa, ainda é uma questão
controversa, motivo pelo qual se dá a negativa desse direito pelo INSS,
com respaldo no Decreto n
o 3.048/99,
artigo 181-B, que se posiciona pela impossibilidade da renúncia a
aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social, sob o pretexto de
serem as aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial,
institutos com características de irreversibilidade e
irrenunciabilidade.
Há que se observar que a irreversibilidade e a irrenunciabilidade têm
como fins próprios a total proteção ao segurado que teve seu benefício
reconhecido pelo INSS, ficando assim garantido contra alterações de
análise de mérito do ato administrativo, ou seja, é verdadeira norma
protetiva em face a possíveis modificações no âmbito administrativo.
No caso da desaposentação, observa-se que é o próprio segurado que
expressamente manifesta o desejo de não mais exercer o direito à
aposentadoria atual e, para tanto, renuncia a este direito, ou seja,
abre mão do recebimento dos proventos, com a finalidade de obter novo
benefício mais vantajoso financeiramente.
Importante destacar que, por conta do caráter de verdadeiro direito
patrimonial disponível em que se constitui a aposentadoria, torna-se
possível utilizar-se do instituto da renúncia, aqui entendido sob a
ótica de verdadeiro ato unilateral, de natureza civil, que não põe fim
ao direito à aposentadoria, mas apenas suspende o seu exercício.
3.3 A (des)necessidade de devolução dos valores recebidos
Consoante toda a discussão acerca do instituto previdenciário da
desaposentação, a questão que envolve a restituição ou não, ao INSS, dos
valores percebidos pelo segurado anteriormente à obtenção desse
instituto, certamente ocupa grande espaço.
A posição adotada atualmente pelo INSS é no sentido da não concessão
da desaposentação na esfera administrativa e, quando o pedido é
postulado pela via judicial, o INSS ocupa também a posição da total
devolução dos valores recebidos pelo segurado em relação ao período de
aposentadoria, argumentando o enriquecimento ilícito do segurado e a
violação ao princípio da isonomia.
Esse entendimento é referendado por alguns doutrinadores, mantendo
assim a posição de plena restituição dos valores já recebidos pelo
segurado, no caso de desaposentação, justificando-se na questão da busca
do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema protetivo
previdenciário.
Para elucidar a questão, há o seguinte entendimento:
“A desaposentação exige a devolução dos valores recebidos da
Previdência Social, sob pena de se admitir enriquecimento ilícito e
prejuízo para o universo previdenciário, onde vigora o princípio da
solidariedade social, em que todos pagam para todos. [...] Em
razão desse efeito, não é possível obrigar o INSS a expedir a certidão
sem que algo lhe seja fornecido em troca, sob pena de o segurado
locupletar-se ilicitamente. Afinal, em muitos casos, já recebeu os
valores da aposentadoria por vários anos. [...] O mais justo é conferir
efeito
ex tunc à desaposentação e fazer retornar o
status quo ante,
devendo o segurado restituir o recebido do órgão gestor durante o
período em que esteve beneficiado. Esse novo ato, que será deflagrado
pela nova manifestação de vontade do segurado, deve ter por consequência
a eliminação de todo e qualquer prejuízo que o primeiro ato possa ter
causado para a parte contrária, no caso, o INSS.” (DUARTE, in: ROCHA,
2003, p. 88-90).
Em outra via, destacamos o seguinte posicionamento com relação ao equilíbrio financeiro e atuarial:
“Apresentar negativa à desaposentação com base no equilíbrio atuarial
é criar obra de ficção, pois sequer este existe. É típico de nossa
cultura, ao pretender denegar alguma demanda, apresentar interpretação
restritíssima de determinado atributo necessário, como o fiscal de
trânsito que avalia detalhes irrelevantes do veículo, com base em
instruções esquecidas, no intuito de prejudicar determinado condutor.
[...] Defendo que o argumento atuarial seja, sempre, levado em
consideração no debate previdenciário, mas dentro dos devidos termos.
Não há contradição com o que expus supra, mas entendo que o preceito
atuarial deva ser considerado
cum grano salis. Ou seja, se o
próprio Poder Legislativo, eventualmente, produz alterações das mais
diversas no plano de benefícios da previdência social brasileira, sem
uma exposição do custeio necessário, sem sequer uma breve fundamentação
matemática na exposição de motivos, não há fundamento para que o mesmo
também não seja temperado na interpretação de determinadas demandas,
desde que compatíveis com o restante do ordenamento.” (IBRAHIM, 2009, p.
131).
Logo, observa-se que em relação à questão que envolve a restituição,
ao INSS, dos valores percebidos pelo segurado quando da sua
aposentadoria, no caso de desaposentação, essa possibilidade é viável
somente em regimes previdenciários de capitalização individual puro, o
que inexiste no Sistema Previdenciário do Brasil, seja no RGPS, ou mesmo
no RPPS. (IBRAHIM, 2011, p. 67).
Nesse sentido, destaca-se que o regime financeiro vigente adotado
pelo Sistema da Previdência Social no Brasil, é o de repartição simples,
no qual o custeio do sistema previdenciário obedece à lógica do pacto
das gerações, com a população economicamente ativa sustentando, por meio
das contribuições que são vertidas, àqueles que hoje estão na
inatividade -
“os aposentados”. (MARTINS, 2004, p. 16).
Esse é o principal ponto de entendimento, já que, desta forma, não se
justifica o desconto de quem já está aposentado, uma vez que as
contribuições pagas após a aposentadoria não se destinam a compor um
fundo próprio e exclusivo do segurado, mas todo o sistema, e mais, o
aposentado não tem nenhuma garantia e nenhuma retribuição, exceto
salário-família e a reabilitação profissional, quando empregado, o que
contraria totalmente o princípio da reciprocidade contributiva
retributiva.
Por consequência, torna-se indevido qualquer devolução, ao INSS, dos
valores recebidos pelo segurado, por conta da sua aposentadoria, no caso
de desaposentação, haja vista o caráter de natureza alimentar do
benefício previdenciário, a consequente proteção advinda do princípio da
irrepetibilidade e da não devolução dos alimentos.
4. A desaposentação à luz dos Tribunais Superiores
4.1 Superior Tribunal de Justiça (STJ)
A desaposentação foi discutida no Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio do julgamento do
Recurso Especial – REsp no 1.334.488/SC (2012/0146387-1), considerado atualmente como o grande marco
representativo da controvérsia que envolve a desaposentação.
A postura do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesse julgado foi no
sentido de garantir o direito à desaposentação em qualquer hipótese e
também da desnecessidade de restituição de valores.
Importante destacar que a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi proferida no rito dos recursos repetitivos, com
fundamento o artigo 543-C do Código de Processo Civil e na Resolução do (STJ)
no 8/2008.
Para elucidar a questão e pela relevância do julgado, segue abaixo os
principais trechos do voto do Ministro Herman Benjamin, relator do
REsp no 1.334.488/SC (2012/0146387-1), in verbis:
“1. Possibilidade de desfazimento (renúncia) da aposentadoria.
Exame da matéria sob o rito do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ
8/2008
Conforme decisão de fls. 326-328/STJ, o presente Recurso Especial
foi submetido ao procedimento dos recursos repetitivos, de forma que
passo a fixar a orientação acerca da questão jurídica controvertida.
O objetivo do segurado é desfazer o ato de aposentadoria. Alega
que trabalhou após a concessão do benefício e pretende obter novo
benefício em que sejam considerados os posteriores salários de
contribuição, além dos computados na primeira aposentação.
Há dois pontos jurídicos a serem enfrentados in casu: a
possibilidade de o segurado renunciar à aposentadoria e, se admissível, a
necessidade de devolução dos valores recebidos por força do benefício
preterido.
A aposentadoria, direito fundamental garantido no art. 7o,
XXIV, da CF, é prestação previdenciária destinada a garantir renda
mensal por incapacidade total e permanente para o trabalho ou pelo
decurso predeterminado de tempo de contribuição e/ou de idade. Destes
suportes fáticos resultam seus três tipos: por tempo de contribuição,
por idade e por invalidez.
Antes de adentrar o tema, introduzo breve análise da evolução legislativa.
A redação original da Lei 8.213/1991 previa a possibilidade de o
aposentado continuar trabalhando e contribuindo para o sistema.
Estabelecia o direito a tal segurado de se ver ressarcido das
contribuições previdenciárias vertidas após a aposentação. Determinava
ainda que o aposentado tinha direito somente à reabilitação
profissional, ao auxílio-acidente e aos pecúlios (contribuições
pós-aposentadoria), não fazendo jus a outras prestações. [...]
Veja-se, pois, que as contribuições da atividade laboral do
segurado aposentado são destinadas ao custeio do sistema (art. 11, § 3o), não podendo ser utilizadas para outros fins, salvo as prestações salário-família e reabilitação profissional (art. 18, § 2o).
Não é permitido, portanto, conceder ao aposentado qualquer outro tipo
de benefício previdenciário, inclusive outra aposentadoria. Esta Corte
sedimentou posição no sentido de que os benefícios previdenciários são
direitos patrimoniais disponíveis.”
“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL. DESAPOSENTAÇÃO. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA.
INAPLICABILIDADE. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. ANÁLISE.
IMPOSSIBILIDADE. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no
sentido de que o segurado pode renunciar à aposentadoria com o
propósito de obter benefício mais vantajoso, no Regime Geral de
Previdência Social ou em regime próprio de previdência, mediante a
utilização de seu tempo de contribuição. 2. O fato de a questão federal
debatida nos autos ser objeto de repercussão geral no Supremo Tribunal
Federal não determina o sobrestamento dos julgamentos dos recursos
especiais, e sim dos recursos extraordinários eventualmente interpostos
em face dos arestos prolatados por esta Corte, que tratem da matéria
afetada. 3. Apresenta-se inviável a apreciação de ofensa a dispositivo
constitucional, ainda que a título de prequestionamento, pois não cabe
ao STJ, em sede de recurso especial, examinar matéria cuja competência é
reservada ao STF, nos termos do art. 102, inc. III, da Constituição
Federal 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no REsp
1274328/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe 07/03/2013).
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL. SOBRESTAMENTO.
NÃO CABIMENTO. RENÚNCIA DE APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DOS
VALORES RECEBIDOS. DESNECESSIDADE. ANÁLISE DE VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS
CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO STF. 1. O
reconhecimento pelo STF da repercussão geral não constitui hipótese de
sobrestamento de recurso especial. 2. Nos termos da jurisprudência
pacífica do STJ, admite-se a renúncia à aposentadoria objetivando o
aproveitamento do tempo de contribuição e posterior concessão de novo
benefício, independentemente do regime previdenciário em que se encontra
o segurado e da devolução dos valores percebidos. 3. A renúncia à
aposentadoria, para fins de concessão de novo benefício, seja no mesmo
regime ou em regime diverso, não implica a devolução dos valores
percebidos. 4. Não cabe ao STJ, mesmo com a finalidade de
prequestionamento, analisar suposta violação de dispositivos da
Constituição Federal, sob pena de usurpação da competência do STF.
Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 1321325/RS, Rel. Ministro
HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 20/08/2012).
“2. Necessidade de devolução dos valores recebidos da
aposentadoria desfeita para posterior jubilamento. Exame da matéria sob o
rito do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008
Quanto ao debate acerca da necessidade de devolução de valores,
ressalvado meu entendimento conforme item abaixo, o STJ fixou a
orientação de que não há necessidade de ressarcimento de aposentadoria a
que se pretende renunciar como condição para novo jubilamento. Nesse
sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. RENÚNCIA. DEVOLUÇÃO DE VALORES
RECEBIDOS NA VIGÊNCIA DO BENEFÍCIO ANTERIOR. EFEITOS EX NUNC.
DESNECESSIDADE. IMPOSSIBILIDADE. BURLAR A INCIDÊNCIA DO FATOR
PREVIDENCIÁRIO. INOVAÇÃO RECURSAL. 1. A questão de que se cuida já foi
objeto de ampla discussão nesta Corte Superior, estando hoje pacificada a
compreensão segundo a qual a renúncia à aposentadoria, para fins de
concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso,
não implica a devolução dos valores percebidos, pois, enquanto esteve
aposentado, o segurado fez jus aos proventos. 2. A tese trazida pelo
agravante de ser o pedido de desaposentação, uma forma ardilosa de
burlar a incidência do fator previdenciário, não foi tratada pelo
Tribunal de origem, nem tampouco suscitada, nas contrarrazões ao recurso
especial, caracterizando-se clara inovação recursal, que não pode ser
conhecida neste momento processual. 3. Agravo regimental a que se nega
provimento. (AgRg no Resp 1.255.835/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO
BELLIZZE, QUINTA TURMA, DJe 12/9/2012).
CONSTITUCIONAL, PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RENÚNCIA À
APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE.
PRECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO DE FUNDAMENTOS. ANÁLISE DE
DISPOSITIVOS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Prevalece
nesta Corte entendimento no sentido de se admitir a renúncia à
aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e
posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime
previdenciário que se encontra o segurado, não importando em devolução
dos valores percebidos. 2. A apreciação de suposta violação de preceitos
constitucionais não é possível na via especial, nem à guisa de
prequestionamento, porquanto matéria reservada pela Carta Magna ao
Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp
1323628/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe
8/8/2012).
É possível, portanto, ao segurado pleitear a desaposentação para
posterior reaposentação, computando-se os salários de contribuição
posteriores à renúncia, sem necessidade de devolução dos valores
recebidos da aposentadoria preterida.”
Insta esclarecer que a questão que envolve a desaposentação pende,
ainda, de uma outra decisão no Supremo Tribunal Federal (STF),
aguardando julgamento dos Recursos Extraordinários – RE n
o 661256 e RE n
o 381367,
mas, pelo instante, a conquista para os direitos sociais, no âmbito do
Superior Tribunal de Justiça – STJ, é positiva e de grande relevância
para todos que aguardam uma definição sobre o tema.
4.2 Supremo Tribunal Federal (STF)
A desaposentação é discutida no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do Recurso Extraordinário – RE n
o661256, que inicialmente teve a relatoria do ministro Ayres Britto e agora tem como Relator o ministro Roberto Barroso.
No Recurso Extraordinário – RE n
o 661256
que teve reconhecida a repercussão geral da matéria constitucional
debatida, o INSS questiona decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
que reconheceu a um segurado aposentado o direito de renunciar à sua
aposentadoria com o objetivo de obter benefício mais vantajoso, sem que
para isso tivesse que devolver os valores já recebidos. O autor da ação
inicial, que reclama na Justiça o recálculo do benefício, aposentou-se
em 1992, após mais de 27 anos de contribuição, mas continuou trabalhando
e conta atualmente com mais de 35 anos de atividade remunerada com
recolhimento à Previdência.
Ao tentar judicialmente a conversão de seu benefício em aposentadoria
integral, o aposentado teve seu pedido negado na primeira instância,
decisão que foi reformada em segundo grau e no Superior Tribunal de
Justiça (STJ). Para o INSS, o reconhecimento do recálculo do benefício,
sem a devolução dos valores recebidos, fere o princípio do equilíbrio
atuarial e financeiro previsto na Constituição Federal, artigo 195,
caput e parágrafo 5
o, e artigo 201,
caput, além de contrariar o
caput e o inciso XXXVI, do artigo 5
o, segundo o qual a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito.
A controvérsia constitucional a respeito da desaposentação está
submetida ao crivo da Suprema Corte também no Recurso Extraordinário –
RE n
o 381367, cujo
julgamento foi suspenso em setembro do ano passado pelo pedido de vista
do ministro Dias Toffoli. No referido recurso, discute-se a
constitucionalidade da Lei n
o 9.528/97, de 10 de dezembro de 1997, que alterou a Lei n
o 8.213, de 24 de julho de 1991, a qual passou a estabelecer que
“o
aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que
permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a ele retornar, não
fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do
exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação
profissional, quando empregado”.
No Recurso Extraordinário – RE n
o 381367,
de relatoria do ministro Marco Aurélio e que trata de matéria
constitucional idêntica, aposentadas do Rio Grande do Sul que retornaram
à atividade buscam o direito ao recálculo dos benefícios que lhe são
pagos pelo INSS, uma vez que voltaram a contribuir para a Previdência
Social normalmente, mas a lei só lhes garante o acesso ao
salário-família e à reabilitação profissional. As autoras alegam que a
referida norma prevista na Lei n
o 9.528/97 fere o disposto no artigo 201, § 11, da Constituição Federal, segundo o qual
“os
ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao
salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente
repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei”.
O caso começou a ser analisado pelo Plenário do Supremo Tribunal
Federal (STF) em setembro de 2010, quando o relator votou pelo
reconhecimento do direito. Para o ministro Marco Aurélio, da mesma forma
que o trabalhador aposentado que retorna à atividade tem o ônus de
contribuir, a Previdência Social tem o dever de, em contrapartida,
assegurar-lhe os benefícios próprios, levando em consideração as novas
contribuições feitas. O julgamento, no entanto, foi suspenso por pedido
de vista feito pelo ministro Dias Toffoli.
5. Síntese Conclusiva
Indubitável que Previdência Social, além de possuir caráter
contributivo, compulsório, de organização estatal, é direito social, de
cunho humanitário, com objetivos claros de amparo e proteção ao segurado
e seus dependentes, em face aos chamados riscos sociais, conforme
previsto no artigo 201, da Constituição Federal do Brasil de 1988.
Verdade é, o grande objetivo de quem busca amparo por meio do
instituto previdenciário da desaposentação é obter um novo benefício,
mais digno e melhor financeiramente, haja vista, mesmo após a
aposentadoria, o segurado não deixou de laborar e por consequência
contribuir para os cofres previdenciários, só que sem a contrapartida do
Estado.
Diante do exposto, a melhor conclusão é reconhecer ao segurado que
tenha renunciado ao benefício da aposentadoria, o direito à
desaposentação, ou seja, à concessão de nova aposentadoria,
utilizando‐se a contagem do tempo de contribuição que serviu de base
para a concessão do benefício objeto da renúncia e a contagem do tempo
de contribuição posterior à renúncia, bem como o direito ao cálculo
de nova renda mensal do benefício, sem necessidade de devolução dos
valores recebidos da aposentadoria preterida, por conta do caráter de
natureza alimentar do benefício previdenciário, e, portanto, protegido
pelo princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos.
Marcos Claudio Moreira Santos/Formado em Direito/Pós-graduando em Direito Previdenciário pela Faculdade Legale