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sexta-feira, 17 de abril de 2015

O Golpe Militar de 1964 faz 51 anos. É bom lembrar os tempos duros da ditadura para que nunca mais retornem

Os anos de chumbo implantados pelos militares em março de 1964. Eu, Dodora: um relato para não esquecer os 51 anos de uma tragédia que não acabou
Matheus Pichonelli/Do portal Yahoo 
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No aniversário dos 51 anos do golpe militar que lançou o Brasil a um período de trevas até hoje não encerrado, leio no mural da minha amiga Paula Franco, historiadora que atuou como uma das pesquisadoras da Comissão Nacional da Verdade, um dos relatos mais tocantes sobre um regime que não pode, não deve, não será esquecido.
Compartilho com os leitores como quem compartilha um refrão: “o que foi feito é preciso conhecer para melhor prosseguir”. Segue:

51 anos do golpe militar de 1964
Por Paula Franco
EU, DODORA E O COMPROMISSO DE NÃO ESQUECER ou PORQUE ACREDITO EM BOIS VOADORES
Quando ingressei o curso de História na Universidade Federal de São Paulo tinha uma expectativa: estudar a ditadura militar brasileira. Durante os anos de graduação meu interesse foi se ampliando, ao mesmo tempo em que meu objeto de estudo ia se refinando. Nos últimos anos passei a me interessar intensamente pela participação feminina na oposição à ditadura. Inevitavelmente deparei-me com o tema da tortura e aos poucos percebi que até nesse momento de extrema violência, as ações dos agentes militares – ou ao serviço desses – voltava-se de forma ainda mais revoltada contra as mulheres, atingindo contundentemente sua (ou nossa?) identidade feminina. A traição era dupla: opor-se à ditadura e deslocar-se do espaço privado, teoricamente, reservado ao grupo feminino.
Há um ano, nos “50 anos do golpe”, era professora da rede pública e privada do estado de São Paulo. Na ocasião aproveitei para abordar o assunto com alunas e alunos. Parcela considerável não sabia do que se tratava. Ainda naquele momento, conversei também com estudantes do cursinho popular ACEPUSP, que me receberam lindamente para discutirmos sobre as continuidades da ditadura atualmente, meio século depois. Logo em seguida fui chamada para assumir uma vaga de pesquisadora na Comissão Nacional da Verdade.
Ainda que tenha passado considerável parte da minha vida adulta lendo, assistindo filmes, pesquisando e escrevendo sobre ditadura, a experiência nesse novo trabalho foi uma quase surreal. Entre os dias de trabalho intenso e emoções à flor da pele, sonhei – assim como quase todxs xs outrxs companheirxs de trampo – com mortos e desaparecidxs que voltavam para nos dar dicas de pesquisa. Nesses dias, fui inúmeras vezes ao banheiro chorar.
Na maior parte das vezes chorei a morte de Dodora. Maria Auxiliadora se suicidou cerca de sete anos após sua prisão, por conta dos traumas da tortura que ainda a acompanhavam em sua ‘nova’ vida no exílio alemão. Em seus dias na prisão Dodora – ou Chica, seu codinome de guerrilha – foi exposta a diferentes tipos de violações, sobretudo aqueles que possuíam cunho desmoralizante frente sua condição de mulher. Entre ser colocada em exposição como ‘objeto’ para visitação de militares curiosos e degradação moral frente aos companheiros, Dodora não se rendeu. Denunciou as violências sofridas na ocasião de seu julgamento na Justiça Militar, assim como a morte de seu companheiro de guerrilha: Chael.
Anos depois, já no exílio escreveu um texto sobre sua experiência. Nesse, Maria Auxiliadora afirma sua convicção idealista: “Eu era criança e idealista. Hoje sou adulta e materialista, mas continuo sonhando. Dentro da minha represa. E não tem lei nesse mundo que vai impedir o boi de voar”.
As linhas da memória, que unem o retalho da minha vida ao longo tecido da história geral de alguma forma aproximou esse pedacinho de pano ao pedacinho de pano de Dodora. Sempre que chorei (e ainda choro) a morte dela, revolta-me o fato de nunca ter tido a oportunidade de dividir esse mesmo mundo com ela.
Para mim, ela tornou-se um símbolo, e por conta dela (e de outras pessoas) enfrentei a exaustão e dediquei-me (continuo me dedicando e nem passa pela minha cabeça deixar de me dedicar) à verdade, à memória e à justiça. De alguma forma, denunciar as violências sofridas por Maria Auxiliadora e as consequências dessa faz com que não esqueçamos, faz com que evitemos que a história se repita. De alguma forma, dentro de mim, Dodora vive!

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