A proposta de emenda constitucional (PEC) que vai alterar as regras do sistema previdenciário já foi fechada pelos técnicos do governo. De acordo com o texto encaminhado ao presidente Michel Temer, que deve bater o martelo na próxima semana, as mudanças vão atingir todos os trabalhadores brasileiros, do setor privado ao público, militares e até parlamentares, tendo regimes especiais ou não.
Ao contrário do que chegou a ser divulgado anteriormente, as Forças Armadas entrarão na reforma da Previdência. E, para fechar brechas legais à chamada desaposentação (possibilidade de o aposentado continuar trabalhando e recalcular o benefício), a ideia é deixar claro na Constituição que a aposentadoria é “irreversível e irrenunciável” — conceito previsto apenas em decreto.
Sobre a desaposentação, há milhares de ações na Justiça, e o assunto já chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Uma decisão favorável aos trabalhadores poderá representar um esqueleto acima de R$ 100 bilhões para a União, segundo estimativas oficiais. A medida valeria para os novos pedidos e também para orientar as decisões judiciais em andamento. Até agora, a Advocacia-Geral da União (AGU) vem recorrendo das sentenças.
Segundo um interlocutor, a decisão de enviar ao Congresso uma proposta mais abrangente foi tomada antes da viagem de Temer a Nova York e tem como objetivo ajudar a convencer a opinião pública sobre a necessidade urgente das mudanças. Essa tarefa, explicou a fonte, é mais difícil se alguns grupos ficarem de fora da reforma. A intenção de Temer é enviar a PEC ao Congresso até outubro, se possível antes das eleições — depois de apresentar o texto às centrais sindicais e líderes dos partidos.
“A decisão do presidente será política, mas com embasamento técnico”, afirmou um técnico envolvido nas discussões.
A opinião é compartilhada por especialistas em Previdência, levando-se em conta o que o país gasta com aposentadorias e pensões — e, sobretudo, a enorme distância entre os setores privado e público. O déficit no INSS neste ano está estimado em R$ 149,2 bilhões, para pagar 30 milhões de segurados. Já no serviço público, o rombo projetado é de R$ 90 bilhões, mas para um universo de um milhão de beneficiários.
“Entendo como correto e salutar o processo de convergência das regras da Previdência para todos os trabalhadores”, afirmou o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Rogério Nagemine.
O norte da reforma é harmonizar as regras para todos os trabalhadores, ainda que os regimes continuem existindo de forma separada. Em linhas gerais, a reforma prevê idade mínima de 65 anos para aposentadoria e valerá para quem tiver até 50 anos ou 45 anos (caso de mulheres e professores) na época promulgação da PEC. Quem estiver acima dessa faixa etária será enquadrado na regra de transição e poderá se aposentar dentro da legislação atual, pagando um pedágio (adicional ao tempo que ainda falta para requerer o benefício) de 50%.

Mudanças na idade e tempo de contribuição

A ideia é que a fase de transição dure entre 15 e 20 anos (mulheres e professores), de forma que, se a PEC for aprovada em 2017, todos estejam dentro das novas regras em 2037. Com isso, acaba a aposentadoria por tempo de contribuição — 35 anos para homens e 30 para mulheres —, vigorando apenas a idade mínima, com tempo de contribuição mínimo, que deve subir dos atuais 15 para 20 anos. Ou seja, se uma pessoa começou a trabalhar com 18 anos, contribuirá por 47 anos e, ainda assim, terá que ficar mais tempo na ativa para levar o benefício integral, pois o cálculo deste deve mudar.
Também acaba o chamado fator previdenciário, que hoje permite ao trabalhador do setor privado se aposentar ao atingir 85/95, somando idade e tempo de contribuição para mulheres e homens, respectivamente. No setor público, onde já existe idade mínima, esta passará do atual patamar — 60 anos de idade e 35 de contribuição (homens) e 55 anos e 30 de contribuição (mulheres) — para 65 anos.

Militares

Assim como no caso de mulheres e professores, que têm regras mais suaves que os demais trabalhadores (podem se aposentar com cinco anos a menos), os militares das Forças Armadas deverão ter uma fase de transição mais leve, diante das especificidades da carreira. Estão no radar elevar o tempo na ativa dos atuais 30 para 35 anos, acabar com a quota compulsória (ao chegar a determinada idade, o militar é obrigado a pedir reserva) e outros ajustes, inclusive na pensão.
Para isso, a PEC se propõe a alterar o artigo 142 da Constituição. Os militares continuam contribuindo quando vão para a reserva, com alíquota de 7,5%, mas, mesmo assim, o sistema registrou déficit de R$ 32,5 bilhões no ano passado.
Já no caso de policiais militares e bombeiros, estão previstas alterações no artigo 42. A ideia é fixar idade mínima, e não apenas tempo de contribuição, como é hoje. A medida é considerada importante para reduzir a pressão dos gastos dos estados, que viraram 2015 com déficit de R$ 60,9 bilhões no conjunto dos regimes próprios de previdência.

Parlamentares e trabalhadores rurais

Desde que acabou o Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC), em 1997, deputados e senadores podem se aposentar aos 60 anos, com benefício integral se exerceram o mandato por 35 anos, ou proporcional, se por um tempo inferior. Eles seguem os mesmos critérios dos servidores públicos.
Em outra frente, a reforma deve proibir o acúmulo de pensão e aposentadoria para novos beneficiários. E o valor da pensão será reduzido, unificando as regras para todos. A PEC vai mexer ainda com a aposentadoria rural: os trabalhadores contribuirão com uma alíquota de 5%, semelhante aos microempreendedores.
Empresas exportadoras do agronegócio, que têm isenção, também deverão ser afetadas. Todos, sem exceção, serão atingidos de alguma forma, disse a fonte.

Aposentadoria – As regras do INSS



Saiba como funcionam os principais tipos de aposentadoria pelo INSS, que atende os trabalhadores do setor privado.

Como se aposentam os brasileiros

Tipos de aposentadoria

Por idadePor tempo de contribuiçãoPor invalidez**
Beneficiários9,936 milhões5,575 milhões3,218 milhões
% do total de aposentadorias53%30%17%
Valor médio*R$ 888,59R$ 1.817,86R$ 1.091,93
Regra 30/35Regra 85/95
Tempo de contribuição mínimo15 anos30 anos (mulheres) e 35 anos (homens)Não há1 ano
Idade mínimaTrabalhadores urbanos: 60 anos (mulheres) e 65 anos (homens). Trabalhadores rurais: 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens)Não háNão háNão há
Valor do benefício70% da aposentadoria integral mais 1% por ano de contribuição. Assim, um trabalhador urbano que se aposentar aos 65 anos com 30 de contribuição receberá aposentadoria integral. O fator previdenciário só é aplicado se favorecer o contribuinteO valor da aposentadoria integral é multiplicado pelo fator previdenciário. Hoje, um homem de 55 anos que se aposente com 35 de contribuição tem fator 0,695. Portanto, receberá 69,5% do valor integralSoma-se idade e anos de contribuição. No caso da mulher, se o resultado for 85 ela receberá aposentadoria integral, sem aplicação de fator previdenciário. Para o homem, a soma tem de ser de 95. Esses requisitos serão elevados a cada dois anos a partir do fim de 2018, chegando a 90/100 do fim de 2026 em dianteAposentadoria integral
*Em junho de 2016. **Paga ao trabalhador permanentemente incapaz de exercer atividade laborativa. Se ele voltar a trabalhar, a aposentadoria é cancelada. O benefício pode ser reavaliado pelo INSS a cada dois anos.

ENTENDA

Aposentadoria integral

Média aritmética dos 80% maiores salários de contribuição desde julho de 1994
Exemplo: Para quem contribuiu por 200 meses, será feita a média dos 160 maiores salários.

Fator previdenciário

Índice atualizado todos os anos que varia conforme a idade, o tempo de contribuição e a expectativa de vida do beneficiário.

Teto da aposentadoria

Em todos os casos, o valor do benefício é limitado a um teto definido anualmente pelo INSS.
Reportagem de Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo